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    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.70 no.3 São Paulo jul./sept. 2018

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602018000300007 

    MUNDO
    HISTÓRIA DA CIÊNCIA

     

    O progresso da ciência é língua universal de associações pelo mundo

     

     

    Meghie Rodrigues

     

     

    Desde a fundação da primeira sociedade para o avanço da ciência, no século XIX, diversas instituições do tipo vêm sendo criadas para promover o diálogo entre cientistas, governos e outras esferas da sociedade civil, isso porque o que deve ser feito com e pela ciência não se restringe apenas a conversas a portas fechadas entre legisladores ou em laboratórios. Para Tom Wang, chefe de relações internacionais da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), criar esse espaço de diálogo é papel crucial de instituições dessa natureza, já que o conhecimento científico não é produzido em uma ilha fora da sociedade em que está inserido. "A interface e a interação entre a comunidade científica e outras áreas da sociedade não é, e não pode ser, apenas resumida à geração do conhecimento científico. De fato, como cidadãos das sociedades onde vivem e trabalham, cientistas são parte do todo social - então essa atividade tem a ver com o engajamento do cientista como indivíduo e como grupo com outras esferas da sociedade".

     

     

    Quando a AAAS surgiu, em meados do século XIX, seu objetivo era congregar cientistas e engenheiros em atividade nos Estados Unidos, em um ambiente multidisciplinar e aberto a cidadãos interessados em ciência. O surgimento da instituição, em 1848, seguia a tendência do que já estava acontecendo na Europa: em 1822 surgira a primeira associação do tipo - a Sociedade de Naturalistas e Médicos Alemães na cidade de Leipzig - e pouco tempo depois, em 1831, a Associação Britânica para o Progresso da Ciência (atualmente Associação da Ciência Britânica, BSA) em York. Ainda naquela década, em 1839, surgia a Sociedade Italiana para o Progresso da Ciência, em Pisa. Sua congênere francesa veio um pouco mais tarde, em 1872, em Bordeaux. Índia e Austrália/ Nova Zelândia também criaram suas próprias sociedades nessa época (1876 e 1888, respectivamente).

    A parte norte do mundo via um crescimento tecnocientífico sem precedentes nesse período - ciência, técnica e indústria se confundiam no século XIX e, como escreve a historiadora da ciência Eszter Pál em 2014 (Review of Sociology, vol 4, 2014), a própria nomenclatura de praticantes e estudiosos das ciências como "cientistas" também surgiu nessa época - e, junto com ela, instituições como a Royal Society, que se propunha a sistematizar o diálogo entre pares nesse cenário social. O que engessava a Society, aponta a pesquisadora, era ser composta por membros da aristocracia. Assim, a BSA surgiu pouco tempo depois para renovar esse quadro. Seus membros não vinham "apenas da aristocracia, mas da pequena nobreza e das classes médias".

     

     

    Por meio de debates públicos, encontros, seminários e publicações, organizados por essas associações, as ideias circulavam e oxigenavam a crescente organização política da comunidade interessada pela ciência no Reino Unido e em outros países. Um pouco mais tarde, outras entidades com o mesmo objetivo foram surgindo em mais regiões. No século XX, África do Sul (1902), Canadá (1923), Japão (1932), Argentina (1934), Brasil (1948, com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, SBPC), Venezuela (1950) e Colômbia (1970) foram alguns países que criaram as suas próprias associações.

     

    SÉCULO XXI E DESAFIOS DE ORDEM POLÍTICA

    Um ponto em que gestores de diversas dessas entidades concordam é que, do século XIX para cá, seus objetivos não mudaram fundamentalmente - a promoção da interface entre conhecimento científico e vida social continua no cerne das atividades. Ian Raper, presidente da Associação Sul-Africana para o Progresso da Ciência, conta que palestras públicas promovidas pela instituição, como as Marloth Lectures, por exemplo, têm grande relevância em seu país. "A proferida pelo prof. Rudi van Aarde (Universidade de Pretoria) teve grande influência em prevenir o abate de elefantes no Parque Nacional Kruger", lembra ele.

    Mesmo sendo apartidárias por natureza, sociedades para o progresso da ciência não ficam ilesas ou alheias a decisões políticas, que variam de governo a governo - e afinam sua estratégia para que o debate com a esfera pública seja mais efetivo. Segundo Tom Wang, da AAAS, nos Estados Unidos, apesar do receio de cortes no financiamento para a ciência não ser tão preocupante quanto logo após a eleição de Donald Trump, "há áreas em que precisamos ser muito mais vocais, como mudanças climáticas e o uso de evidências de base científica para apoiar políticas ambientais". Temas relacionados à imigração também são pauta importante para a AAAS porque "afetam a capacidade de atração de cientistas, estudantes e engenheiros estrangeiros ao país", diz ele.

    Já na América Latina, a preocupação com cortes é realidade - e sociedades para o progresso da ciência têm sido bastante atuantes neste sentido. Maria Villaveces, presidente da Associação Colombiana para o Avanço da Ciência, observa que "a força do setor de ciência, tecnologia e inovação não pode ser medida por uma instância burocrática e sim pela produção acadêmica - que não avança se não existe financiamento por parte do setor público em temas estratégicos para o país". Concorda com ela Vanderlan Bolzani, vice-presidente da SBPC: "temos muito desmando. Nosso grande problema é não ter uma política do Estado brasileiro para a ciência, apenas políticas de governo, que ficam à deriva de cada gestão". A SBPC vem se empenhando há tempos no diálogo sobre esse cenário. "Fazemos cartas públicas, não saímos de Brasília... e as verbas continuam sendo tiradas da ciência e da educação. Veja a China: quanto mais percebem uma crise, mais investem em ciência e tecnologia para ficarem mais fortes". E completa: "quando, em um sistema já abalado, se tira mais dinheiro e se diminui as chances de avanço em pesquisa de excelência para jovens, esta é a morte anunciada de um país".

     

     

    Longe da América Latina, países árabes também enfrentam desafios de ordem política e econômica para fazer sua ciência progredir. Em 2011, foi criada a Sociedade para o Avanço da Ciência e Tecnologia no Mundo Árabe (SASTA), com sede na Califórnia. Wael Al-Delaimy, presidente da entidade, conta que fundar a SASTA nos EUA foi uma forma de "não associar a instituição com um país árabe específico, correndo o risco de fazer com que outros perdessem o interesse na iniciativa". Ele explica que a ciência funciona como elemento que traz os países árabes a discussões comuns, mesmo que a diplomacia, mesmo que científica, não seja uma tarefa fácil de se conseguir no mundo árabe. É uma escada que se vai subindo devagar. "Nosso plano é que os governos abracem a entidade e digam, 'ok, nos ajude a decidir o que fazer' - este é nosso plano, mesmo que seja um país por vez. Damos aconselhamento para universidades - é um passo para o nível nacional e, eventualmente, para o regional". A ambição da SASTA, segundo Al-Delaimy, é ser um ponto de convergência para a ciência árabe – desafio relativamente mais complexo que unir a comunidade científica de um único país. "Queremos que a região se una porque há muito potencial e muita expertise complementar entre os países. Só precisam de alguém que os una".