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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.70 no.4 São Paulo out./dez. 2018

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602018000400003 

    BRASIL
    FAPS

     

    A SBPC e as fundações de amparo à pesquisa

     

     

    Mariana Castro Alves

     

     

    Em um país marcado por desigualdades sociais e regionais, as 26 fundações de amparo à pesquisa (FAPs) são fundamentais para o desenvolvimento local em articulação com o sistema de ciência, tecnologia e inovação nacional. São 26 fundações distribuídas em quase todos os estados da federação - a exceção é Roraima - incluindo o Distrito Federal. Órgãos da estrutura do poder executivo estadual, as FAPs auxiliam a pesquisa por meio da concessão de bolsas e financiamento a projetos. Cada FAP tem sua constituição e regimento próprios e o orçamento é ligado à receita estadual. O percentual repassado pode variar de acordo com cada legislação, de 0,5% a até 2%, sendo corrente 1% da receita líquida estadual. Para aumentar o número de oportunidades para pesquisadores e instituições de pesquisa, fazem acordos com agências nacionais como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e organismos internacionais. "Nesse sentido, representam mecanismos de correção de assimetrias, constituindo um papel fundamental para o sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação", explica Maria Zaira Turchi, presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) e da Fapeg (Fundação de Amparo à Pesquisa de Goiás).

     

     

    A despeito de seu papel fundamental no financiamento da pesquisa em nível local, restrições orçamentárias têm atingido as FAPs atualmente. Uma das razões é a redução de recursos dos convênios junto ao governo federal. O contingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) impede a continuidade de alguns programas de apoio à pesquisa do CNPq e do programa de subvenção econômica para o desenvolvimento da inovação tecnológica, da Finep, por exemplo. Além disso, a queda na arrecadação também afeta as FAPs: "Alguns estados vêm enfrentando dificuldades financeiras que refletem na arrecadação e, consequentemente, no cumprimento pleno dos repasses financeiros previstos em lei para as fundações", afirma Turchi. Mesmo assim, segundo ela, as fundações têm se empenhado para manter seus programas.

     

    CIÊNCIA LOCAL

    Um exemplo é a Fundação Araucária, do Paraná. Criada no ano 2000, seu orçamento corresponde hoje a 0,2% da receita tributária do estado. Segundo sua assessoria de comunicação, embora tenha sido atingida pela crise, o repasse vem sendo cumprido. De 2011 a 2018, a Fundação Araucária investiu um total de R$ 407,8 milhões, concedendo recursos para 23,8 mil bolsas de estudo e 4,9 mil projetos de pesquisa. A importância desses investimentos pode ser avaliada pela evolução dos programas de pós-graduação no estado. O Paraná tem hoje 326 programas de pós-graduação de excelência no Brasil, sendo a unidade da federação que teve a menor diminuição do número de notas, de acordo com a última avaliação quadrienal da Capes, em 2017.

    A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Piauí (Fapepi) é outro exemplo de FAP que vem cumprindo os compromissos com bolsas e financiamento de projetos. Para isso, a Fapepi tem lançado mão de planejamento estratégico com foco no equilíbrio financeiro. De acordo com o presidente em exercício, Wellington Camarço, isso assegurou que a Fapepi não apenas resistisse à instabilidade, mas pudesse ampliar o seu orçamento de R$ 2 milhões para R$ 7 milhões no período de 2015 a 2017. "Isso aconteceu justamente porque o governo do estado reconheceu o papel essencial da Fapepi no desenvolvimento da pesquisa no Piauí". Fundada em 1993, a Fapepi faz diferença no desenvolvimento científico piauiense. Além do impulso à inovação junto ao setor produtivo local, fornece bolsas de pesquisas individuais nos diversos níveis; promove parcerias que possibilitam aquisição de equipamentos para laboratórios; apoia eventos científicos na capital Teresina e no interior; dá apoio a publicações científicas locais e colabora para que pesquisadores participem de intercâmbios em outras regiões do Brasil e também no exterior. O percentual de arrecadação destinado à Fapepi é de 1%. Segundo Camarço, a luta é para que esse percentual se torne obrigatório e passe para 5% através de uma lei estadual.

    "As fundações estaduais de amparo à pesquisa, em geral, têm um papel imprescindível de acompanhar muito mais especificamente as demandas da comunidade científica e acadêmica e vinculá-las às necessidades e desafios mais prioritários dos estados", afirma o diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal), Fábio Guedes Gomes. Em Alagoas, a Fapeal é imprescindível para pesquisas na área da saúde e recursos hídricos. "Convivemos com problemas de saúde muito particulares e as pesquisas já estão bastante avançadas, tanto na prevenção quanto no diagnóstico e cura, para casos de leishmaniose e fendas orais", relata Gomes.

    Outra grande contribuição são as pesquisas que auxiliam a construção do Canal do Sertão, uma das maiores obras hídricas do país, com 250 km de extensão, hoje com 50% das obras concluídas. "Somente a ciência, apoiada com recursos de uma fundação como a nossa, pode auxiliar em projetos adequados de exploração agrícola e uso e manejo dos recursos hídricos para irrigação", aponta Gomes. No caso Fapeal, embora recursos federais tenham diminuído, pelo lado do governo estadual não tem acontecido contingenciamento. "Pelo contrário, em 2014 foram disponibilizados R$ 10,5 milhões e iremos fechar 2018 com um volume de recursos da ordem de R$ 18 milhões, alcançando, portanto 0,6% da receita corrente líquida do estado", informa. Desde 2015, foram investidos R$ 55 milhões em 51 editais públicos, sendo 17 em cooperação internacional, destes sendo R$ 42 milhões destinados a 3 mil bolsas de iniciação científica, mestrado, doutorado e extensão tecnológica e R$ 13 milhões a auxílios para mais de 650 projetos de pesquisa. "Foram 150 eventos científicos, acadêmicos e tecnológicos apoiados pela Fapeal durante esse período, inclusive para a realização da 70ª Reunião Anual da SBPC que aconteceu em julho deste ano", lembra Gomes.

     

    AS FAPS E A SBPC

    Desde a sua criação, em 1948, a SBPC tem atuado na linha de frente das discussões e na mobilização da comunidade científica nos estados, junto aos poderes executivo e legislativo, para a criação e manutenção das fundações de amparo à pesquisa. A defesa das FAPs pela SBPC tem ocorrido desde a criação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em 1962, modelo para todo o país. Em 1964 é criada a Fapergs, do Rio Grande do Sul. Em 1980, é fundada a Faperj, do Rio de Janeiro. Em 1985, nasce a Fapemig, de Minas Gerais.

     


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    Nos anos 1990 foram criadas as demais FAPs, também a partir do esforço da SBPC, principalmente pelo trabalho das secretarias regionais. Cientistas da SBPC tiveram papel fundamental para que fosse incluída na Constituição de 1988 a vinculação orçamentária para ciência e tecnologia. Durante esse processo, a SBPC conclamava suas secretarias regionais para desenvolver o mesmo trabalho nos estados junto aos parlamentares constituintes. Assim, a maioria das constituições estaduais passou a incluir uma vinculação orçamentária e estabeleceu que seriam criadas e mantidas fundações de amparo à pesquisa. No Ceará, por exemplo, "foram feitos contatos com líderes partidários e outras autoridades para que a ideia fosse, pouco a pouco, acatada pelos parlamentares", conforme afirma a pesquisadora Elvira de Sá Morais, pesquisadora da Universidade Estadual do Ceará (UECE), no livro A UECE e a política estadual de ensino superior (AnnaBlume, 2000). A lei da criação da Fundação Cearense de Amparo à Pesquisa (Funcap) foi aprovada em 1990. Em 1991, 18 estados já contavam com vinculação orçamentária para ciência e tecnologia em suas constituições, conforme contou o físico Ennio Candotti, presidente de honra da SBPC e diretor do Museu da Amazônia (Musa), em entrevista para a revista Universidade e Sociedade, da Andes (ano 1, n.2, nov.1991, p. 56).

    Para o antropólogo do Museu Nacional, Otávio Velho, a criação das FAPs tem relação com essas secretarias. "A face pública da SBPC se restringia às reuniões anuais até a década de 1970. A partir de então, a SBPC multiplica suas atividades em todo o país com o impulso das secretarias regionais", conta o antropólogo, também presidente de honra da SBPC. Na opinião da presidente da Confap, as secretarias regionais seguem sendo fundamentais na defesa dasFAPs como instituições estratégicas para o desenvolvimento de cada estado e região e para o sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação no país. "Em seus fóruns e reuniões, a SBPC tem apoiado a ampliação e consolidação das FAPs, o cumprimento da vinculação do orçamento estadual e o repasse regular dos recursos financeiros", finaliza Turchi.