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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.70 no.4 São Paulo out./dez. 2018

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602018000400005 

    BRASIL
    SBPC AFRO E INDÍGENA

     

    Etnociência na Ufal

     

     

    Lígia dos Santos Ferreira

    Professora da Faculdade de Letras e diretora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (Neab) da Ufal. Foi coordenadora geral da SBPC Afro e Indígena da 70ª Reunião Anual da SBPC

     

     

    Em reverência aos movimentos das cirandas, rodas, rituais afro-brasileiros e danças do toré, comuns às comunidades tradicionais e povos originários, unidos às nossas ancestralidades e (re)existências, foram construídos os encontros científico-políticos e artístico-culturais da SBPC Afro e Indígena, uma das atividades da 70ª Reunião da SBPC, que aconteceu entre 22 e 28 de julho na Universidade Federal do Alagoas (Ufal), em Maceió, Alagoas, com o tema Ciência, Responsabilidade Social e Soberania.

    Com uma programação composta de oficinas, conferências, mesas-redondas e atividades culturais, a SBPC Afro e Indígena tem o objetivo de colocar em debate temas afro e indígenas do Brasil contemporâneo, além de reflexões sobre práticas científicas, conhecimentos tradicionais e éticas em pesquisa de temas afro e indígenas, articulados com toda a programação e atividades da reunião. Ao receber o convite para ser a coordenadora geral do evento compreendi a gigantesca responsabilidade que assumia naquele início de 2017. Minha expectativa em contribuir com o evento de 2018 traduzia-se em um misto de alegria, desafio e o despontar de novas perspectivas para as nossas ações e para a própria SBPC.

     

    PROJETO COLETIVO

    Logo no início do projeto solicitei a participação dos três campi da Ufal, o campus A. C. Simões, em Maceió, leste alagoano, o campus Arapiraca, localizado na cidade de Arapiraca, no agreste alagoano, e o campus Sertão, em Delmiro Gouveia, município do sertão alagoano. Para nós, pesquisadores/as das questões étnico-raciais na Ufal, a participação em um evento como a Reunião Anual da SBPC, que extrapola as questões puramente científicas, era devir para além de Maceió, pois (re)existem atividades compartilhadas de ensino, pesquisa e extensão sobre essas questões nas três mesorregiões do estado (leste, agreste e sertão). A SBPC Afro e Indígena teria que ser um projeto coletivo. Assim, por conta dessa atuação e pelas lindas histórias que tem construído em torno das temáticas afro e indígenas, convidei a pedagoga e coordenadora do Observatório da Diversidade Étnico-Racial, Gênero e Sexualidades, Ana Cristina Conceição Santos, do campus Sertão, e o professor do curso de arquitetura e urbanismo, Odair Barbosa de Moraes, do campus Arapiraca, para coordenarem junto comigo as atividades, integrados à força e luta de outros/as colegas da instituição.

    Somaram-se à equipe representantes das comunidades quilombolas, indígenas, do movimento social negro e ainda pesquisadores/as, técnicos/as, estudantes, monitores/as, voluntários/as da Ufal e de outras instituições, em especial, a Universidade Estadual de Ciência da Saúde de Alagoas (Uncisal), Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal de Alagoas (Sintufal), Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de Maceió, Instituto Federal de Alagoas (Ifal), Universidade Estadual de Alagoas (Uneal), Centro Universitário Tiradentes (Unit), Centro Universitário Cesmac, Instituto do Negro de Alagoas (Ineg), a Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Estado do Alagoas Ganga Zumba e a Secretaria de Estado da Saúde de Alagoas (Sesau). Segundo Moraes, a realização de atividades nos campi do interior foi uma oportunidade de discutir questões étnico-raciais em Alagoas, dando voz às comunidades para além do mundo acadêmico e valorizando projetos de pesquisa e de extensão universitários. Já Santos destacou a forte presença das comunidades quilombolas e indígenas, a socialização de pesquisas e o amadurecimento teórico não só para estudantes e pesquisadores/as, mas para toda a sociedade.

     

    ESCREVIVÊNCIAS

    Os temas que permearam as atividades da SBPC Afro e Indígena incluíram políticas de ações afirmativas, educação para as relações étnico-raciais nos currículos da educação básica e superior, produção de saberes afrodiaspóricos, epistemicídio, etnociência, literatura, arte, cultura, enfim, diversas "escrevivências", termo usado pela escritora e militante do movimento social negro, Conceição Evaristo, ao se referir à autoria que nasce do cotidiano, das lembranças, da experiência de vida do povo negro, em especial, das mulheres. "Escrevivemos" que a SPBC Afro e Indígena 2018 foi uma roda de discussões na/da academia, um movimento capaz de impulsionar a divulgação científica, evidenciar os resultados das políticas de ações afirmativas, iniciadas em 2003, e estimular transformações nos espaços de poder no estado.

     

     

    A participação na SBPC Afro e Indígena superou nossa expectativa: foram 1.275 inscritos no campus Sertão; 951, em Arapiraca; 3.233 inscrições em atividades individuais e 1.024 participantes em Maceió. Esses números confirmam o que vivenciamos na prática, no "chão da escola", como costumam falar os/as educadores/as da educação básica. É preciso fomentar atividades como essa e inserir esses temas na agenda das gestões, sejam educacionais, sejam administrativas. Para isso é fundamental a destinação de recursos financeiros, pois o que sempre observamos é a escassez ou a ausência de orçamento para essas temáticas.

     

    INCLUSÃO

    O evento contou com tradutores-intérpretes de língua de sinais do curso de letras-libras da Ufal, em Maceió, que viabilizaram a tradução de momentos de imensa riqueza científico-política e poética, ampliando nosso público. Outro diferencial foi a criação do "Espaço Infantil Erê, Ibeji e Curumim" para que crianças participassem da SBPC Afro e Indígena de forma lúdica e recreativa, porém sem perder a etnocientificidade. A programação foi elaborada pelo Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI) da Ufal, pela professora do mestrado em ensino na saúde da Faculdade de Medicina, Ângela Maria Benedita Bahia de Brito, estudantes voluntários/as do curso de educação física, com a orientação da professora e diretora do curso Leonea Santiago, e estudantes de pedagogia, enfermagem, filosofia e medicina, inclusive de outras instituições. Entre as atividades culturais houve espaço para um desfile de moda organizado pelo Instituto Jarede Viana cuja proposta é a inserção e inclusão social de mulheres e uma exposição de artesanato da mestra Irinéa, quilombola da comunidade do Muquém. No último dia da Reunião ainda aconteceu uma viagem para a Serra da Barriga, que abrigava o Quilombo dos Palmares e que recebeu o título de patrimônio cultural do Mercosul em 2017.

    Finalizo aqui este relato da experiência como coordenadora geral da SBPC Afro Indígena com imensa gratidão, que permanecerá para sempre, a todas as pessoas que participaram desse momento de resistência, pertencimento, ocupação, intensas trocas de saberes tradicionais e científicos, acolhimentos, afetos, abraços e amorosidades.

    Como nos ensinou a compositora Lia de Itamaracá, "Minha ciranda não é minha só, ela é de todos nós. A melodia principal quem guia é a primeira voz. Pra se dançar ciranda, juntamos mão com mão, formando uma roda, cantando uma canção". E que continue essa linda ciranda da SBPC Afro e Indígena. Em 2019, estaremos juntos/as em Mato Grosso do Sul!