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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.71 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2019

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602019000100005 

    BRASIL
    EDUCAÇÃO AMBIENTAL

     

    O olhar dos jovens sobre a problemática ambiental

     

     

    Eduardo Cruz Moraes

     

     

    Como os jovens percebem relações de causa-efeito e conceitos ligados à sustentabilidade ambiental? Este é o objeto de estudo da equipe do projeto "(Re)Conectando o nexo: experiências e aprendizado de jovens brasileiros sobre alimentos-água-energia", desenvolvido por meio de uma parceria entre a Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá, (FEG/Unesp) e a Universidade de Birmingham, no Reino Unido. É um projeto temático co-financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pelo Conselho de Pesquisa Econômica e Social do Reino Unido (ESRC, na sigla em inglês). A pesquisa consiste na coleta e análise de dados sobre a percepção de jovens com idades entre 10 e 24 anos quanto ao consumo e a interconexão entre água, alimentos e energia. Eles moram na região do Vale do Paraíba, no estado de São Paulo. A partir dessa análise, a equipe de pesquisa pretende traçar um diagnóstico que propicie a elaboração de políticas públicas para estimular a consciência ambiental entre os jovens que, futuramente, serão os tomadores de decisões para lidar com a crise ambiental. "Trata-se de um projeto multidisciplinar, com profissionais da área de biologia, geologia e educação", explica o engenheiro e coordenador do projeto, José Antônio Perrella Balestieri.

     

     

    O projeto surgiu a partir do encontro dos engenheiros da Unesp com um grupo de cientistas sociais do Reino Unido, em 2015. "Nós fazíamos parte de um projeto sobre o planejamento sustentável de cidades. No entanto, como engenheiros, nos limitávamos a questões de natureza técnica da sustentabilidade. Já o foco de pesquisa dos ingleses era entender como jovens percebem, aprendem e querem contribuir com práticas mais sustentáveis", lembra Balestieri. Foi assim que nasceu o projeto "(Re)Conectando o nexo". "Conseguimos compor um grupo com uma visão de aspectos sociais, ambientais e também matemático-estatísticos para fundamentar a coleta de dados", explica o engenheiro.

     


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    O interesse no Vale do Paraíba deve-se a dois fatores: em primeiro lugar, é uma maneira da FEG/Unesp ter um papel mais ativo na comunidade do entorno. Além disso, o interesse surgiu por conta das características da região, uma das mais urbanizadas do estado de São Paulo, cortada por uma importante bacia hidrográfica, cuja preservação representa um desafio de desenvolvimento sustentável. A bacia do rio Paraíba do Sul se estende por uma área de 56 mil quilômetros quadrados entre os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, e o rio principal percorre mais de 1.110 quilômetros desde sua nascente, na serra da Bocaina, em São Paulo, até sua foz, no litoral norte do estado do Rio de Janeiro, abastecendo as regiões metropolitanas das capitais de ambos os estados. Um dos objetivos da pesquisa é entender a dinâmica de aprendizado de jovens em países em desenvolvimento, onde o crescimento econômico é atrelado a um aumento da classe média, o que gera um aumento do poder de compra e dos padrões de consumo e consequentemente pressões sobre os recursos naturais.

     

    A PESQUISA

    A etapa de coleta de dados, concluída em junho de 2018, consistiu na aplicação de um questionário e na realização de entrevistas em universidades e escolas, voltadas para educação de jovens e adultos (EJA), e em centros de assistência social. Mais de quatro mil jovens de 20 municípios da região falaram sobre sua percepção quanto ao nexo água-alimento-energia, respondendo a questões, por exemplo, de como eles entendem o conceito de energia ou de onde vêm o alimento que eles consomem, ou ainda o quanto as escolas contribuem para a aprendizagem de conceitos ligados à sustentabilidade. "Nexo é entender que quando uma das variáveis de um sistema é modificada isso pode impactar outras. É a relação de dependência que temos entre estes três elementos - água, alimento e energia - e de como o uso de um impacta nos outros", explica Balestieri. A abordagem da pesquisa a partir do conceito do nexo tem por objetivo lidar com a questão ambiental de uma maneira sistêmica, levando em consideração os diversos fatores envolvidos e as relações de trade off (de causas e consequências) entre eles.

     

    CONSTRUINDO ESPAÇOS DE INTEGRAÇÃO

    A natureza sistêmica não se limita somente ao objeto de pesquisa, mas também às ações que necessitam ser implementadas para se abordar a questão da sustentabilidade nos ambientes de ensino. A discussão do tema sustentabilidade ambiental começou a ganhar visibilidade a partir da segunda metade do século XX. No entanto, mesmo após mais de meio século e com estudos cada vez mais relacionando a atividade humana a distúrbios no meio ambiente, o tema tem sido pouco abordado no ensino ou abordado de maneira superficial. O próprio conceito de sustentabilidade passou por uma apropriação e banalização pelo mercado, fenômeno que é chamado de green washing quando empresas vendem a imagem de responsabilidade socioambiental sem, necessariamente, estarem de fato engajadas em tais práticas. Os pesquisadores Fernando Antonio dos Santos Fernandez, Pâmela Castro Antunes, Leandro Macedo e Carlos André Zucco, do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), avaliaram 126 estudos sobre práticas de extrativismo feitas no Brasil e concluíram que quase a metade delas (48,4%) eram insustentáveis do ponto de vista ambiental (Natureza&Conservação, 10(1):77-82, jul. 2012).

    Para que haja de fato a mobilização da opinião pública na adoção de atitudes que sejam verdadeiramente sustentáveis, além de um trabalho de educação ambiental nas bases de ensino, é preciso formar profissionais nas instituições de ensino superior do país comprometidos com a questão da preservação do meio ambiente. Pensando nisso, a equipe do projeto "(Re)Conectando o nexo" realizou, em dezembro de 2018, uma roda de discussão com o tema "Ensino-aprendizagem de questões ambientais e de sustentabilidade como temas transversais: relatos de experiências e desafios futuros". O convite foi feito a professores e estudantes para discutirem como criar espaços de integração e ações de ensino para abordar a temática ambiental dentro dos cursos da FEG/Unesp. “O objetivo do projeto é construir políticas públicas e não dá para fazer isso sem falar com o outro, para o outro e sobre do outro”, acredita o professor Paulo Valladares, geólogo, professor do curso de engenharia civil da FEG/Unesp e integrante da equipe do projeto.

    A discussão foi norteada pela pergunta: nossos alunos estão sendo formados sobre questões relacionadas à sustentabilidade? Uma das questões chave diz respeito à quebra de paradigma de um tipo de educação de caráter “conteudista” do ensino médio e que visa a quase somente preparar os alunos para serem aprovados no vestibular. “Há conteúdo, mas falta contextualização. Aí entra o professor como agente que irá integrar esse conteúdo à experiência do aluno, para chegar em um conhecimento sistematizado”, apontou Rubens Alves Dias, professor da FEG/Unesp e especialista na área de educação para a engenharia. A psicóloga e coordenadora do curso de engenharia de produção, Andreia Maria Salgado, complementa este ponto: “Não estamos formando pessoas críticas e não dá para pensar em sustentabilidade sem criticidade”. A criação de espaços de discussão como esses é uma iniciativa essencial se pretendemos despertar mudanças de conduta no ensino superior. Novos encontros devem ser organizados pela equipe do projeto “(Re)Conectando o nexo” para engajar professores, alunos e coordenadores de cursos a discutir os caminhos para essa mudança.