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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.71 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2019

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602019000100007 

    MUNDO
    ACESSO A PERIÓDICOS

     

    Plano S expõe conflitos no mercado de edição de artigos científicos

     

     

    Mariana Castro Alves

     

     

    Na maioria das vezes, pesquisadores brasileiros têm acesso a artigos produzidos no país sem ter que pagar para grandes oligopólios editoriais como Elsevier, Blackwell e Springer. No entanto, no resto do mundo, a situação se inverte. Segundo Abel Packer, diretor do portal SciELO (Scientific Electronic Library Online), uma biblioteca eletrônica que abrange uma coleção selecionada de periódicos científicos brasileiros, no Brasil 80% dos periódicos têm acesso aberto e gratuito - devido ao pioneirismo da plataforma que comemora 20 anos em 2018 - enquanto, no restante dos países, somente 25% dos artigos científicos não dependem de editoras comerciais. Entretanto, o panorama mundial fundado no modelo clássico de assinaturas de revistas científicas está sendo alvo de iniciativas da União Europeia pelo livre acesso - e causa polêmica.

    Aprovado em setembro de 2018 por um grupo de onze fundações públicas europeias de financiamento à pesquisa, o Plano S determina que, até janeiro de 2020, todas as pesquisas financiadas com dinheiro público sejam publicadas em revistas de acesso aberto. Hoje, treze países são signatários do Plano S que estabelece princípios como a manutenção de direitos autorais e garantias para que taxas recaiam sobre instituições e não sobre pesquisadores/leitores individualmente. Duas importantes fundações de apoio à pesquisa biomédica, a Wellcome Trust, de Londres, e a Bill and Melinda Gates Foundation, de Washington, também anunciaram que vão seguir esse modelo nas pesquisas por elas financiadas.

     

    CUSTO DUPLICADO

    No modelo atual, governos e as fundações pagam duas vezes: quando financiam pesquisas e quando tem que acessar os artigos onde os resultados foram publicados. "É um duplo oligopólio", afirmou Claire Lemercier no programa de rádio France Culture (11/10/18). Ela foi presidente do conselho científico do portal OpenEdition e atualmente é membro do conselho científico do CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique). Enquanto pesquisadores realizam grande parte do trabalho sem receber exclusivamente por isso, grandes editores apenas paginam e divulgam. "Além disso, as lindas imagens que aparecem na Nature e na Science não são produzidas por essas revistas, mas pelos próprios pesquisadores ou pelo pessoal dos laboratórios", afirma Lemercier. Instituições públicas francesas pagam em torno de 100 milhões de euros por ano para ter acesso a revistas on-line.

    A França tem sido um dos epicentros da mudança desse paradigma. Pouco antes do anúncio do Plano S, em julho de 2018, a bioquímica Frédérique Vidal, à frente do Ministério de Ensino Superior, Pesquisa e Inovação, apresentou um plano nacional que prevê obrigação de difusão de pesquisas em acesso aberto, em especial no arquivo aberto HAL. Com um orçamento de 5,4 milhões de euros no primeiro ano e 3,4 milhões de euros nos anos seguintes, o plano francês incentiva a abertura de dados científicos e integração da ciência aberta em todas as esferas de modo a incentivar parcerias internacionais. Entre os atores europeus diretamente envolvidos estão a European Open Science Cloud (EOSC), apoiada pela Comissão Europeia, e a Go Fair (sigla para Findable, Accessible, Interoperable and Reusable), composta por Holanda, Alemanha e França.

    Em 2016, a França já havia promulgado a "lei por uma República digital", cujo artigo 30 garante que pesquisadores possam "auto arquivar" seus artigos, a despeito de cláusulas de exclusividade junto às editoras. "Essas iniciativas marcam a aceleração ao movimento de acesso aberto", afirma François-Xavier Mas, gerente de projetos de publicação da Universidade Paris 13 e membro da Médici (Métiers de l'Édition Scientifique Publique), rede que reúne a comunidade francesa de profissionais de edição científica pública. "É um chacoalhão no estado de quase estagnação do crescimento do acesso aberto nos últimos anos", declara Parker.

     


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    ENTRE LIBERDADE E RISCO

    Parece evidente que em um mundo cada vez mais digitalizado o acesso a artigos científicos seja livre, mesmo assim há reações opostas ao movimento. Em outubro, em artigo no jornal Le Monde (9/10/18), treze pesquisadores de diversos países europeus como França, Bélgica e Suécia se manifestaram contra o Plano S. Eles apontaram,. por exemplo, que artigos de países como Estados Unidos, Reino Unido e China são publicados majoritariamente por sociedades científicas que são financiadas pelas assinaturas de seus jornais. Nesse sentido haveria o risco de que a Europa construísse uma torre de marfim em torno de si mesma.

    Além disso, eles criticaram a mudança do sistema atual, em que o leitor paga para acessar artigos científicos, para um modelo em que o autor arca com os custos de publicar, sem uma avaliação de como isso seria financiado. Na opinião deles, esse formato poderia evoluir para um mercado cativo para os atores do setor, assim como para editores "predadores", que lucram com revistas sem qualidade e sem critérios éticos.

    Na opinião de Mas, o cerne do problema é o sistema de avaliação da ciência. "Em algumas disciplinas, os pesquisadores precisam publicar em periódicos de alto impacto", diz. A questão é que essas revistas são de propriedade de grupos editoriais como Elsevier, Springer e Willey "que estão desenvolvendo uma versão rentável de acesso aberto, ou seja, o modelo APC", complementa.

    Na França, enquanto áreas como ciências humanas, matemática e física, conseguem escapar desses oligopólios, outras disciplinas são mais dependentes. Para Mas, o Plano S não faz apologia do APC, apenas o permite sobre a base de "um princípio de realidade" na medida em que, para pesquisadores de várias disciplinas, há poucas alternativas a esse modelo por enquanto. "O Plano S também menciona critérios de qualidade para revistas e plataformas de acesso aberto que devem permitir diferenciar revistas predatórias e revistas de qualidade", acredita. O DOAJ (Directory of Open Access Journals), por exemplo, é um diretório on-line que indexa e dá acesso livre a revistas revisadas por pares. "O Plano S vai impedir publicar em revistas prestigiosas? Não, se o autor, ao mesmo tempo, depositar uma versão de seu artigo aceito para publicação em arquivo aberto, a via verde", esclarece. "Culturas disciplinares diferentes reagem de modo diferente a essas mudanças", finaliza.

     

    MODELOS DE FINANCIAMENTO

    O acesso livre não significa necessariamente acesso gratuito. Se o leitor "não paga" para ler um artigo, os custos de produção sempre vão existir. No entanto, existem modelos que permitem a difusão em acesso aberto:
    Uma opção é a subvenção estatal a profissionais de edição. Na França, há um número de cargos dedicados à publicação científica, especialmente em ciências humanas e sociais, mas não apenas. Existe, por exemplo, uma rede nacional de profissionais de publicação científica pública, a Médici (Métiers de l'Édition sCientifique Publique).
    Outro modo de financiamento de acesso aberto é o "autor pagante", chamado APC (article processing charges). Nesse modelo, o autor - geralmente seu laboratório ou instituição - pagam taxas que podem ser muito elevadas. Essa é a versão em que grandes grupos editoriais podem tornar rentável o modelo de acesso aberto. Certas revistas cobram de 2 a 5 mil euros por artigo de livre acesso (Le Monde, 9/10/18).
    Há ainda o modelo "freemium", uma mistura de "free" com "premium". Ou seja, o serviço é oferecido gratuitamente, mas alguns recursos adicionais são abertos somente para leitores "premium", que pagam alguma quantia para fazer download em formatos como pdf, epub etc. Na França, a OpenEdition fornece um leque de revistas científicas e bibliotecas. Esses periódicos recebem uma quantia de dinheiro conforme seu uso ao longo do ano.
    Há também o modelo híbrido, em que a revista é difundida por assinatura, mas o autor pode liberar seus artigos. O Plano S recusa esse modelo. Contrários ao Plano S dizem que limitar esse tipo de publicação pode fazer que periódicos cobrem altas taxas, representando uma barreira para os autores das instituições e países com limitações financeiras.