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    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.71 no.1 São Paulo enero/marzo 2019

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602019000100008 

    MUNDO
    MEIO AMBIENTE

     

    Poluição do ar: a vilã da pós modernidade

     

     

    Alice Wassall

     

     

     

    Em outubro de 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou o relatório "Poluição do ar e a saúde infantil". O documento é enfático: a poluição do ar é uma das grandes ameaças à saúde e as maiores vítimas são as crianças. Mais de uma em cada quatro mortes de crianças com menos de cinco anos está relacionada direta ou indiretamente a riscos ambientais e 93% de todas as crianças do mundo vivem em ambientes com nível de poluição do ar maior do que o recomendado pela OMS. E por que crianças estão mais expostas à poluição? Simples: é mais perto do chão que os poluentes atingem as maiores concentrações. Além disso, elas respiram mais rápido que os adultos, absorvendo mais poluentes. Entre as principais conclusões, o relatório aponta que a poluição do ar afeta o desenvolvimento neurológico, dificulta o desenvolvimento psíquico e motor e prejudica a função pulmonar em crianças, mesmo em níveis baixos de exposição.

     

     

    A situação piora em países da África, Sudeste Asiático, Mediterrâneo Oriental e Pacífico Ocidental. Nestas regiões o número de doenças atribuídas à poluição do ar é ainda maior, especialmente porque as crianças ficam expostas a poluentes provenientes da queima de querosene e madeira dentro de suas próprias casas para suprir necessidades básicas como aquecimento, cozimento de alimentos e iluminação. A poluição do ar é um problema crônico em moradias de baixa renda e assentamentos temporários. Vincular pobreza à alta exposição e aos riscos para saúde ambiental não é exagerado pois são situações profundamente relacionadas. Em entrevista para o jornal The Guardian (29 out 2018), o diretor geral da OMS, Tedros Adhanom, afirmou:

    "Poluição do ar é o novo tabaco. O ar contaminado está envenenando milhões de crianças e arruinando suas vidas. Isso é indesculpável - toda criança deve ser capaz de respirar ar puro para que possa crescer com toda a sua potência".

    Para se ter uma ideia, estima-se que a poluição doméstica foi responsável pela morte prematura de 3,8 milhões de pessoas em 2016. Isso representa 6,7% da mortalidade global, um número muito maior do que a soma de mortes confirmadas por malária, tuberculose, malária e Aids. Ninguém está a salvo da poluição do ar, nem nos países desenvolvidos. De acordo com o relatório O impacto global da doença respiratória, publicado em 2017 pelo Fórum Internacional de Doenças Respiratórias, estima-se que a má qualidade do ar na Europa reduziu a expectativa de vida em cerca de oito meses.

     

    RETRATO DA POLUIÇÃO BRASILEIRA

    Em entrevista à rádio CBN Vitória (26 mar 2018) o médico patologista Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina e diretor do Instituto de Estudos Avançados, ambos na Universidade de São Paulo (USP), relata que cada duas horas de trânsito na cidade de São Paulo equivalem a fumar um cigarro por dia, em termos de ingestão de poluição do ar, e que o morador de São Paulo perde, em média, um ano e meio de vida por causa da poluição. Saldiva, que é autor do livro Vida urbana e saúde - os desafios dos habitantes das metrópoles (Contexto, 2018), destaca que, na maior cidade do Brasil, 4,5 mil pessoas morrem por ano em decorrência dos efeitos da poluição do ar. Na região metropolitana são 7,5 mil e no estado de São Paulo 18 mil. De acordo com a World Resources Institute Brasil (WRI), somente em São Paulo os custos da mortalidade e morbidade provocados pela poluição do ar giram em torno de US$ 208 milhões ao ano.

    Os pesquisadores Adriana Gioda, Gisele Tonietto e Antonio Ponce de Leon, no artigo "Exposição ao uso da lenha para cocção no Brasil e sua relação com os agravos à saúde da população" publicado em 2017 na revista Ciência & Saúde Coletiva, explicam que no Brasil estudos sobre o impacto do uso de métodos rudimentares para cocção são escassos, impossibilitando ter dados concretos sobre o tema. A partir de dados do IBGE, os autores estimam que entre 25 a 33 milhões de brasileiros ainda utilizam lenha para aquecimento e cocção. Em estudos realizados em comunidades indígenas eles observaram um número alto de internações hospitalares de crianças menores de cinco anos por infecção aguda do trato respiratório inferior.

    Enquanto outros países consideram a poluição do ar, seja atmosférica ou doméstica, como um fator de risco para as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), colocando o problema no mesmo nível do tabagismo, no Brasil seguimos um caminho diferente. Rodolfo Dourado Maia Gomes, consultor da International Energy Iniciative (IEI Brasil), destaca que o Ministério da Saúde, apesar das abundantes evidências científicas, não considera a poluição atmosférica no plano de ações estratégicas para o enfrentamento das DCNT no Brasil, 2011-2022. Na opinião dele, a poluição do ar ainda é tratada como assunto marginal. "A famigerada inspeção veicular ganhou na mídia uma conotação muito mais centrada na obrigatoriedade do que na conscientização da população sobre os sérios impactos que a poluição do ar causa na população. É desanimador! ", disse. Outra dificuldade, segundo ele, é minimizar a questão da poluição do ar na zona rural. "Nossas políticas e tomadores de decisão estão muito voltados para ambiente urbano, negligenciando as áreas rurais, onde as questões socioeconômicas agravam o problema".

     

     

    O Instituto Energia e Meio Ambiente (Iema) disponibiliza a Plataforma da Qualidade do Ar, única ferramenta online no país que reúne dados de concentração de poluentes. De acordo com o Iema, dos 27 estados brasileiros apenas nove realizam o monitoramento da qualidade do ar. "Isto retrata a realidade nacional. As iniciativas para o combate à poluição do ar não estão à altura da importância do tema qualidade do ar e saúde", pondera.

     

    DESAFIOS NO SÉCULO XXI

    O relatório "Cities alive - desingning for urban childhoods", elaborado pela Arup's Foresight, uma empresa inglesa que desenvolve soluções para ambientes construídos, destaca a importância de pensar a cidade para as crianças sem se distanciar da problemática da poluição do ar e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), definidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) na Agenda 2030. O objetivo central do relatório é mostrar que o planejamento urbano adequado deve considerar adultos e, especialmente, as crianças como indivíduos co-criadores em todos os processos. Gil Penalosa, fundador e presidente do conselho da organização canadense 8 80 Cities que trabalha com soluções para mobilidade, alerta que é preciso pensar as cidades para os usuários mais vulneráveis – crianças, idosos e os pobres – e não adultos atléticos de 30 anos. “Nós podemos e devemos proporcionar todos os dias atividades seguras, divertidas e estimulantes para as crianças na cidade”, destaca Penalosa.

    A adoção de combustíveis e tecnologias limpas para cozinhar e aquecer casas, a utilização de meios de transporte menos poluentes e os investimentos em eficiência energética são algumas ações para reduzir a poluição do ar. Na área de planejamento urbano, a OMS recomenda reduzir a exposição das crianças ao ar contaminado, mantendo as escolas e playgrounds longe das principais fontes de poluição do ar, como estradas, fábricas e usinas de energia. O relatório da OMS é um alerta para o desafio de combater a poluição do ar, para que todos possam ocupar mais espaços ao ar livre. Quando se trata as crianças esse desafio não é apenas questão de saúde, mas de futuro.