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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.71 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2019

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602019000100012 

    ARTIGOS
    INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE

     

    Os desafios da construção dos indicadores ODS globais

     

     

    Denise Maria Penna Kronemberger

    Assessora do gabinete da presidência do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

     

     

    Em setembro de 2015, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável foi adotada por 193 Estados membros da Organização das Nações Unidas (ONU) (Resolução 70/1) [1]. Dando continuidade à Agenda de Desenvolvimento do Milênio (2000-2015) e ampliando seu escopo, devido à emergência de novos desafios, ela resultou de um processo participativo de mais de dois anos (2012-2015), sob a coordenação da ONU. Nesse período, governos, sociedade civil, iniciativa privada e instituições de pesquisa contribuíram com debates e sugestões, através da plataforma My World, construindo, portanto, uma agenda global.

    A Agenda 2030 abrange temas ligados às dimensões ambiental, social, econômica e institucional do desenvolvimento sustentável. É composta por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), 169 metas e 232 indicadores, além da Declaração (visão, princípios e compromissos compartilhados).

    O acompanhamento e a avaliação das suas metas devem ser feitos nos níveis global, regional e nacional, e o desafio é enorme para todos os que trabalham com estatísticas e indicadores, como será apresentado neste trabalho.

    No nível global, o Fórum Político de Alto Nível sobre o Desenvolvimento Sustentável [2] (HLPF, na sigla em inglês), é a instância responsável pela supervisão desse acompanhamento da Agenda. Ele está sob os auspícios da Assembleia Geral e do Conselho Econômico e Social da ONU (Ecosoc, da sigla em inglês) (Resolução 67/290). No nível regional, instâncias regionais da ONU estão envolvidas no processo, como a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal).

    No nível nacional, essa tarefa cabe aos Estados membros. No Brasil, por exemplo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) coordena o processo de produção dos indicadores ODS [3], compromisso assumido no âmbito da Comissão Nacional para os ODS [4].

    No que se refere aos indicadores, o grande desafio colocado pela Agenda 2030 é a produção de dados de qualidade, confiáveis, periódicos, atualizados, relevantes, abertos, acessíveis e desagregados, baseados em fontes oficiais nacionais, com aderência aos Princípios Fundamentais das Estatísticas Oficiais [5], o que requer amplo trabalho de coordenação e articulação interinstitucional.

    Este artigo fornece uma visão geral dos aspectos que envolvem a produção dos indicadores ODS, bem como quais são os stakeholders e alguns desafios enfrentados.

     

    PROCESSO DE DISCUSSÃO E PROPOSIÇÃO DOS INDICADORES GLOBAIS DA AGENDA 2030

    Em 6 de março de 2015, em sua 46ª sessão, a Comissão de Estatística [6] das Nações Unidas criou o Grupo de Peritos Interagências sobre Indicadores dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (IAEG-SDGs, em inglês). É composto por representantes dos Institutos Nacionais de Estatística (INEs) dos Estados membros e inclui agências regionais e internacionais como observadores. Os 27 membros do grupo representam regiões do mundo, sendo que o IBGE é membro desde 2015 e representa o Brasil, os países do Mercosul e o Chile. O IAEG-SDGs foi criado com o principal objetivo de desenvolver e implementar um quadro global de indicadores para o acompanhamento das metas e objetivos da Agenda 2030 (Resolução 70/1) [7].

    A atuação do grupo tem se dado através de reuniões presenciais (oito até o momento) e virtuais periódicas, e na interação por meio eletrônico (e-mails). Os membros debatem questões técnicas específicas sobre os indicadores, revisam e/ou refinam a lista de indicadores anualmente, revisam a classificação de indicadores Tier III (ver explicação adiante), quando as agências da ONU solicitam reclassificação, uma vez que tenham desenvolvido as metodologias dos indicadores, sugerem indicadores adicionais e indicadores proxy e elaboram seus planos de trabalho. As atividades do grupo e materiais de reunião estão disponíveis em sua homepage [8].

    A proposta inicial de indicadores foi submetida à Comissão de Estatística na sua 47ª sessão, em março de 2016, tendo sido aceita (Decisão 47/101) [9] e adotada pela Assembleia Geral da ONU em julho de 2017 (Resolução A/RES/71/313) [10]. Este quadro global inclui um conjunto inicial de indicadores que serão refinados anualmente, revistos pelo IAEG-SDGs e submetidos à Comissão de Estatística na 51ª sessão, em 2020, e na 56ª sessão, em 2025.

    Coube às agências internacionais (sistema ONU ou não) o papel de definição de uma metodologia internacionalmente padronizada para o cálculo dos indicadores globais, que permita a sua comparabilidade entre os países, além do cálculo propriamente dito de tais indicadores - por isso são denominadas "agências de custódia". São cerca de 50, sem contar as agências parceiras. As doze agências que possuem mais indicadores são: Organização Mundial da Saúde (OMS; 30 indicadores), Programa das Nações Unidas para o Ambiente (Unep; 27), Banco Mundial (23), Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO; 20), Fundo Internacional de Emergência para a Infância das Nações Unidas (Unicef; 18), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco; 18), Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC; 16), Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE; 16), Organização Internacional do Trabalho (ILO; 14), Escritório das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres (UNISDR; 11), Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat; 11) e Divisão de Estatísticas da ONU (UNSD; 10). A maioria dos indicadores (176) possui uma única agência de custódia [11]. De acordo com a Comissão de Estatística [12] e o IAEG, as informações a serem publicadas nos relatórios globais dos ODS deverão ser sempre validadas pelos países.

    Os países também são incentivados a elaborar um quadro próprio de indicadores com foco em aspectos específicos de relevância nacional, regional ou local.

    Em uma tentativa de facilitar a implementação do quadro de indicadores globais, na 3ª reunião do IAEG foi adotada uma classificação dos indicadores em Tiers, segundo a existência ou não de metodologia e dados para a sua produção, conforme segue [13]:

    Tier I: indicador é conceitualmente claro, tem metodologia e padrões internacionalmente estabelecidos e os dados são produzidos regularmente pelos países para no mínimo 50% dos países e da população em cada região onde o indicador é relevante.

    Tier II: indicador é conceitualmente claro, tem metodologia e padrões internacionalmente estabelecidos, mas os dados não são produzidos regularmente pelos países.

    Tier III: não tem metodologia e padrões internacionalmente estabelecidos, mas a metodologia está sendo (ou será) desenvolvida ou o indicador testado.

    O quadro 1 mostra um desafio constante, não somente para as agências de custódia, como também para os membros do IAEG-SDGs e para os INEs. Apresenta o número de indicadores segundo a classificação em Tiers, de acordo com as datas de atualização da referida classificação. Nota-se a redução do número de indicadores Tier III desde a proposta inicial em 2016. Isso porque as agências vêm desenvolvendo as metodologias dos indicadores, que são revistas e aceitas pelo IAEG-SDGs (indicadores reclassificados de Tier III para Tier II), e assim incorporadas ao trabalho dos INEs, que avaliam a possibilidade de produzir tais indicadores, geralmente em conjunto com as demais instituições produtoras de informação. O quadro ressalta ainda que o desafio é grande, pois restam mais de 40 indicadores sem metodologia.

     

     

    MECANISMOS INSTITUCIONAIS PARA A PRODUÇÃO DOS INDICADORES ODS GLOBAIS

    Tendo em vista a natureza abrangente da Agenda 2030 e a requisição para produzir vários tipos de informação para acompanhar suas metas, nenhuma instituição poderá dar conta sozinha dessa tarefa. Assim, a cooperação é necessária para atender a demanda crescente por dados para a construção dos indicadores e por metodologias, e são inúmeros os mecanismos institucionais de coordenação e articulação necessários à produção dos indicadores ODS, em diferentes níveis. Na sequência exemplificamos, de forma sucinta, alguns desses mecanismos colaborativos e os atores envolvidos.

    NÍVEL GLOBAL

    A) Trabalho de articulação feito pela Divisão de Estatística da ONU, para coordenar o IAEG-SDGs, elaborar ferramentas metodológicas (guias e manuais) e de capacitação [14], mobilizar recursos, realizar eventos associados à Agenda 2030, publicar os indicadores na base de dados globais, entre outras tarefas: articulação com agências internacionais, Estados membros e provedores de recursos.

    B) Trabalho conjunto para o desenvolvimento das metodologias de indicadores globais entre agências de custódia e suas instituições parceiras, no caso de o indicador ser custodiado por duas ou mais instituições, como também com outras instituições que participem do processo de definição metodológica. Um exemplo foi o trabalho conduzido pela FAO para o desenvolvimento da metodologia do indicador 2.4.1 - "Proporção da área agrícola sob agricultura produtiva e sustentável", que reuniu especialistas e estatísticos de diversos países, organizações internacionais, sociedade civil e setor privado.

    As metodologias dos indicadores estão disponíveis no repositório de metadados da homepage do grupo IAEG-SDGs [15] e procuram seguir um modelo de apresentação que contém elementos que auxiliam o entendimento dos indicadores, tais como: conceitos e definições, metodologia de cálculo, fontes de dados, indicadores relacionados, referências, entre outros.

    C) Trabalho de avaliação e aprimoramento metodológico de indicadores, entre agências de custódia e o grupo IAEG-SDGs: ocorre quando uma agência solicita ao IAEG-SDGs a reclassificação do indicador, de Tier III para Tier II, e o IAEG avalia a documentação enviada (metadado e resultados de estudos piloto).

    D) Fluxo de dados das agências para o banco de dados global da divisão de estatística da ONU: os indicadores calculados pelas agências, utilizando fontes nacionais, preferencialmente, são enviados para a base de dados globais da ONU [16]. Para facilitar esse fluxo, a ONU solicitou calendários de coleta de dados e nomeação de pontos focais para cada um dos indicadores ODS, que estão disponíveis na homepage do IAEG-SDGs [17].

    E) Fluxos de dados das agências da ONU para os países e vice-versa para fins de validação: quando não há dados nacionais oficiais e as agências obtêm dados de modelagem ou estimativas, é preciso enviá-los para avaliação pelos Institutos Nacionais de Estatística (INEs).

    F) Capacitação proporcionada pelas agências internacionais aos países através de cursos de treinamento, workshops e outras atividades. Um exemplo foi o curso promovido pela FAO sobre o indicador 15.4.2 - "Índice de cobertura vegetal nas regiões de montanha", em novembro de 2018, que contou com a participação de 18 países [18].

    NÍVEL REGIONAL

    As comissões regionais da ONU (Ex. Comissão Econômica e Social das Nações Unidas para a Ásia e o Pacífico, Comissão Econômica e Social das Nações Unidas para a Ásia Ocidental, Comissão Econômica das Nações Unidas para África, Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa, Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe) têm um papel fundamental de fazer o link com o Fórum Político de Alto Nível, o Ecosoc, as agências da ONU e os Estados membros. Representam a Agenda global nos contextos regionais, portanto, são uma "ponte" entre os níveis global e nacional. Podem contribuir com a discussão dos indicadores ODS para as regiões que representam, fornecer assistência técnica, fortalecer as capacidades nos países e mobilizar recursos [19].

    NÍVEL NACIONAL

    O envolvimento dos INEs é fundamental para o êxito na produção dos indicadores. Eles têm o papel de coletar, processar, disseminar dados e indicadores ODS. A articulação com as demais instituições que formam o Sistema Estatístico Nacional (SEN) é central.

    No Brasil, o IBGE formou 17 grupos de trabalho, um para cada ODS, coordenados por especialistas da instituição nos diversos temas dos ODS e com a participação das demais instituições produtoras de informação, tais como ministérios, agências reguladoras, entre outras. Alguns exemplos são Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ministério da Justiça (MJ), Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Tesouro Nacional, Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Banco Central do Brasil (BCB), Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e Agência Nacional de Águas (ANA) [20]. O processo de discussão e construção dos indicadores tem sido cooperativo. Alterações constantes nos pontos focais das instituições, em virtude de mudanças nos postos de trabalho, implicam retrabalho, sendo um dos desafios enfrentados pelas equipes.

    A figura 1 apresenta um desenho esquemático que exemplifica possíveis articulações para a produção de indicadores ODS na escala nacional. Diferentes instituições governamentais, sob a coordenação do INE, produzem os indicadores a partir de suas bases de dados e disponibilizam em plataformas, que são consultadas por diferentes entidades, incluindo as organizações internacionais (Ex. agências de custódia) que utilizam os indicadores para a base de dados da ONU.

     

     

    A construção de plataformas nacionais para a disseminação de indicadores e/ou outras informações sobre ODS é muito importante porque cria um ambiente colaborativo entre diferentes atores, como diferentes produtores de dados, permite reunir e apresentar os indicadores ODS e torna-se um banco de dados (estatístico e geoespacial) que facilita o compartilhamento dos dados, sua visualização e disseminação.

    Diversos países lançaram suas plataformas, apresentadas em diferentes formatos e com variadas quantidades de indicadores. Alguns exemplos são Alemanha, Armênia, Brasil, Colômbia, Estados Unidos, França, México, Reino Unido e diversos outros.

    COORDENAÇÃO HORIZONTAL

    Abrange mecanismos de articulação internos às instituições (INEs, ministérios e outras organizações governamentais), entre diferentes setores de uma mesma organização, que se integram para a realização de atividades de produção e/ou compilação das bases de dados necessárias aos cálculos dos indicadores. É necessário constituir equipes, estabelecendo liderança e atribuindo responsabilidades.

     

    PRODUÇÃO DOS INDICADORES ODS E SEUS DESAFIOS: UM FOCO NA DIMENSÃO AMBIENTAL

    A Agenda 2030 cobre um amplo espectro de questões sociais, econômicas, ambientais e institucionais, que são interdisciplinares e interligadas, e cujas informações são obtidas através de diversos métodos e fontes (censos, pesquisas amostrais, registros administrativos, cadastros, imagens de satélite, entre outras fontes). A sua avaliação exige um sistema de informação consolidado, em diferentes recortes territoriais e abrangendo as suas diversas dimensões, para viabilizar a construção dos indicadores de base global, regional, nacional, municipal ou em outros recortes. Isto se configura em grande desafio para os SENs, e em particular para os INEs.

    Nos últimos anos vem crescendo a demanda por mais dados que deem conta da complexidade da Agenda 2030, sobretudo ambientais, a dimensão mais carente, sendo que cerca da metade das metas são ambientais, sobretudo nos seguintes ODS: 6 (Água potável e saneamento), 11 (Cidades e comunidades sustentáveis), 12 (Produção e consumo responsáveis), 13 (Ação contra a mudança global do clima), 14 (Vida na água) e 15 (Vida terrestre).

    Alguns desafios enfrentados no Brasil para a produção dos indicadores ambientais ODS são:

    Fragilidade institucional na produção de parte das informações ambientais primárias. Parte delas, na dependência de recursos, pode não ter sua continuidade assegurada.

    Pulverização da informação por um grande número de instituições, o que implica em dispêndio de tempo na obtenção e reunião da informação. Um bom exemplo é a produção do Inventário Nacional de Gases do Efeito Estufa, um trabalho coordenado pelo MCTIC e que envolve inúmeras instituições parceiras [21].

    Algumas estatísticas são muito dependentes do esforço despendido na obtenção das informações, da intensidade e abrangência dos levantamentos, como aquelas dependentes dos esforços feitos pela fiscalização de órgãos ambientais e policiais (Ex. indicador 15.7.1. Proporção da vida silvestre comercializada que foi objeto de caça furtiva ou de tráfico ilícito).

    Parte das informações ambientais produzidas são valores pontuais e "instantâneos", o que traz a questão de como transformá-los em indicadores nacionais. Este é o caso dos dados de qualidade das águas para o indicador 6.3.2 (Proporção de corpos hídricos com boa qualidade ambiental) e qualidade do ar para o indicador 11.6.2 (Nível médio anual de partículas inaláveis nas cidades), produzido por agências ambientais estaduais e municipais, cujo objetivo é fornecer valores para o monitoramento.

    Irregularidade na produção de informação ambiental, ou seja, pesquisas sem periodicidade definida, sendo muito dependentes de questões orçamentárias, o que dificulta a produção de séries temporais.

    Para produzir estatísticas e indicadores ambientais com efetividade é necessário conhecimento específico de estatística, conhecimento científico diversificado aplicado nas áreas do meio ambiente, capacitação, articulação institucional e disponibilidade de recursos (financeiros, humanos e tecnológicos). Portanto, são necessários esforços nacionais para a criação das condições necessárias à geração e ampla difusão de estatísticas ambientais periódicas e confiáveis.

    Um modelo referencial que pode ser utilizado como um guia metodológico pelos países para orientar o desenvolvimento das estatísticas ambientais é o FDES [22] (Framework for the Development of Environment Statistic), elaborado pela ONU com a participação de um grupo de especialistas de diversos países, e aprovado pela Comissão de Estatística do órgão em 2013. É uma estrutura multiuso, organizada e integrativa para guiar a coleta e a compilação das estatísticas ambientais de um país. É ampla e holística, cobrindo todas as questões ambientais e aspectos relevantes para políticas públicas e tomadas de decisão, permitindo também trabalhar com questões transversais como água, mudanças climáticas, agricultura e energia. Também facilita a integração das estatísticas ambientais com as estatísticas econômicas e sociais. Ele se relaciona com outros frameworks, como o Sistema de Contas Econômicas Ambientais [23], o Framework de Sendai [24] e a própria Agenda 2030 [25].

    Outras questões que merecem ser apontadas são apresentadas na sequência.

    Os indicadores globais cujos nomes se iniciam como "Número de países..." não são adequados para o nível nacional. São apenas indicadores que, para países, mostram a existência (ou não) de algo que tem relação com a meta, como legislação, regulação, estratégias, políticas, planos de ação, acordos, entre outros, não qualificando a questão (Ex. indicadores globais 1.5.3, 5.6.2, 10.7.2, 12.1.1, 13.2.1 etc.). Portanto, os países deverão discutir, nesses casos, indicadores mais apropriados, que possam avaliar não somente a existência, mas a efetividade de determinada ação, por exemplo.

    Há lacunas de dados que não permitem construir alguns indicadores ODS. No Brasil, por exemplo, aproximadamente 40 indicadores não possuem dados disponíveis no país, abrangendo temas como perdas econômicas atribuídas a desastres, agricultura sustentável, uso de métodos de planejamento familiar, consumo de materiais, tráfico de animais silvestres, vítimas de violência, tráfico de pessoas e vários outros [18].

    Os vínculos entre as dimensões do desenvolvimento são falhos ou inexistentes, no que se refere à produção dos indicadores, como em "saúde e ambiente", ou "saúde e condições de vida". Neste caso, precisamos investir em novas formas de registrar as informações sobre doenças, de modo a poder estabelecer uma associação de causalidade entre problemas ambientais e ocorrência de doenças, por exemplo.

    O grande número de metas da Agenda 2030 (169) e sua complexidade, em alguns casos, faz com que vários aspectos das mesmas não sejam mensurados para uma análise mais completa. A meta 15.2 do ODS 15 (Vida terrestre) objetiva "até 2020, promover a implementação da gestão sustentável de todos os tipos de florestas, deter o desmatamento, restaurar florestas degradadas e aumentar substancialmente o florestamento e o reflorestamento globalmente", e apenas 1 indicador é proposto (15.2.1 - Progressos na gestão florestal sustentável).

    Em uma conta rápida, se cada meta tivesse três indicadores, o que seria um número razoável para medi-las, na maioria dos casos, o número de indicadores poderia chegar a 500, o que seria um desafio ainda maior do que o atual. Assim, faltam indicadores que deem conta da abrangência da Agenda.

    Uma forma de minimizar essa lacuna em algumas metas, seria apontar indicadores de outras metas que possam ser utilizados também para compor um quadro mais completo da situação em questão. Um exemplo é a meta 13.1 do ODS 13. Seu objetivo é "reforçar a resiliência e a capacidade de adaptação a riscos relacionados ao clima e às catástrofes naturais em todos os países". São propostos três indicadores relacionados a desastres [26]. Contudo, indicadores que medem condições de vida da população, presentes nos ODS 1 (Erradicação da pobreza), 3 (Saúde e bem-estar) e 6 (Água potável e saneamento) poderiam ser aproveitados, uma vez que têm relação com o reforço da resiliência.

    O princípio chave da Agenda 2030 é "não deixar ninguém para trás". Dessa forma, outro desafio é a necessidade de desagregar dados, por sexo, grupos de idade, cor ou raça, classes de rendimento, pessoas com deficiência, localização geográfica, entre outros. O IAEG-SDGs formou um subgrupo para tratar somente desse assunto e a intenção é elaborar documentos, em parceria com especialistas mundiais, que possam orientar os países na produção dos dados desagregados.

     

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Na prática, são muitas dificuldades institucionais, metodológicas e técnicas para elaborar indicadores ODS. Faltam metodologias para alguns indicadores, existem carências estatísticas sobre os mais variados temas, não há séries históricas, em alguns casos, e alguns dados não estão disponíveis para recortes territoriais mais desagregados (municípios, por exemplo), entre diversas outras dificuldades apresentadas aqui.

    Existem diversas instituições que produzem, compilam e disseminam estatísticas que permitem a construção de indicadores. Contudo, precisamos avançar no sentido de produzir e/ou compilar ainda mais dados, para termos uma noção mais abrangente do alcance da Agenda 2030. Os dados ambientais, por exemplo, ainda são escassos, pontuais e dispersos em diversas instituições, não existindo ainda um sistema organizado de informações para que os dados fluam de maneira padronizada e sistemática.

    É importante que os países que possuem suas plataformas ODS sinalizem os indicadores que ainda não conseguem produzir, devido à inexistência de dados. Mostrar que existem lacunas é positivo para orientar futuras pesquisas, para captar recursos e capacitação.

    Para resolver, ou pelo menos equacionar, algumas das pendências aqui colocadas, um efetivo sistema de informações precisa ser implementado nos países. Este sistema deveria reunir os principais produtores primários de dados e gestores de registros administrativos, padronizando metodologias e documentação de dados, integrando dados, cobrindo novos temas, definindo atribuições e metas, facilitando parcerias entre instituições, evitando duplicação de esforços, entre outras atividades. Em um sistema de informações ambientais, por exemplo, fariam parte as agências de meio ambiente estaduais, algumas municipais, órgãos de estatística federais e estaduais, institutos de pesquisa, agências reguladoras federais e estaduais, órgãos de meio ambiente federais, ministérios da área ambiental, científica e agropastoril, entre outros.

    Em resumo, para produzir indicadores ODS são necessários desenvolvimento metodológico, padrões, guias, métodos estatísticos, qualidade estatística, estruturas de governança, capacitação, assistência técnica, colaboração interinstitucional (redes de cooperação), mobilização de recursos, infraestrutura e novas fontes de dados. Nesse sentido, a Agenda 2030 representa uma grande oportunidade para o fortalecimento dos sistemas estatísticos nacionais e internacional [27].

    Por fim, os indicadores ODS precisam ser usados pelos tomadores de decisão e gestores, públicos e privados, no planejamento de ações e empreendimentos, na formulação de políticas públicas. A apropriação dos indicadores ODS por tais atores é fundamental para garantir tanto a continuidade (e a evolução) da sua produção, quanto a aplicação das observações e conclusões dele obtidas na busca efetiva de alcance das metas da Agenda 2030.

     

    REFERÊNCIAS

    1. United Nations. General Assembly. Resolution 70/1, 25 september 2015. "Transforming our World: the 2030 Agenda for Sustainable Development". Disponível em: <http://www.un.org/en/development/desa/population/migration/generalassembly/docs/globalcompact/A_RES_70_1_E.pdf>. Acesso em dez. 2018.

    2. United Nations (2018). "High Level Political Forum on Sustainable Development". In: Sustainable Development Goals Knowledge Platform. Disponível em: < https://sustainabledevelopment.un.org/hlpf>. Acesso em dez. 2018.

    3. CNODS - Comissão Nacional para os ODS. "Plano de Ação 2017-2019". Disponível em: <http://www4.planalto.gov.br/ods/publicações/plano-de-acao-da-cnods-2017-2019 >. Acesso em nov. 2018.

    4. A Comissão Nacional para os ODS (CNODS) foi instituída por Decreto Presidencial nº 8.892, de 27 de outubro de 2016. É uma "instância de natureza consultiva e paritária, cuja finalidade é internalizar, difundir e dar transparência às ações relativas aos ODS. Conta com a participação de representantes dos três níveis de governo e da sociedade civil, constituindo um amplo espaço para a articulação, a mobilização e o diálogo com os entes federativos e a sociedade" (CNODS, 2017). O IBGE e o IPEA são órgãos de assessoramento técnico permanente.

    5. United Nations. Statistical Commission. "Fundamental principles of official statistics". New York, 2013. Endossa e reafirma os Princípios Fundamentais das Estatísticas Oficiais adotados pela Comissão de Estatística das Nações Unidas, em 1994, e revisa seu preâmbulo, na 44ª sessão. 2 p. Disponível em: <http://unstats.un.org/unsd/dnss/gp/fundprinciples.aspx>. Acesso em: dez. 2018.

    6. A Comissão de Estatística das Nações Unidas é a instância máxima do sistema estatístico mundial, formada por especialistas estatísticos de alto nível, que decidem padrões, desenvolvem conceitos e métodos, que são usados internacionalmente e nacionalmente.

    7. United Nations. General Assembly. Resolution 70/1, 25 september 2015. "Transforming our World: the 2030 Agenda for Sustainable Development". Disponível em: <http://www.un.org/en/development/desa/population/migration/generalassembly/docs/globalcompact/A_RES_70_1_E.pdf>. Acesso em dez. 2018.

    8. United Nations Statistics Division. IAEG-SDGs - Inter-agency and Expert Group on SDG Indicators. Disponível em: <https://unstats.un.org/sdgs/iaeg-sdgs>. Acesso em dez. 2018.

    9. United Nations. Statistical Commission. "Report on the forty- -seventh session". Disponível em:<https://unstats.un.org/unsd/statcom/47th-session/documents/Report-on-the-47th-session-of-the-statistical-commission-E.pdf>. Acesso em dez. 2018.

    10. United Nations. General Assembly. Resolution 71/313, 6 july 2017. "Work of the statistical commission pertaining to the 2030 Agenda for Sustainable Development". Disponível em: <http://undocs.org/A/RES/71/313>. Acesso em dez. 2018.

    11. United Nations. Economic and Social Council. Economic Commission for Europe. "Understanding the system of custodian agencies for SDG indicators". Geneva, 2018. Disponível em: < http://undocs.org/en/ECE/CES/2018/39>. Acesso em dez. 2018.

    12. High Level Forum on Official Statistics. 48th United Nations Statistical Commission. "Working together to measure progress towards the SDGs", 06 march 2017. Disponível em:< https://unstats.un.org/unsd/statcom/48th-session/side-events/20170306-3A-high-level-forum-on-official-statistics.pdf>. Acesso em dez. 2018.

    13. United Nations. Statistics Division. "IAEG-SDGs - Tier classification for global SDG indicators". Disponível em <https://unstats.un.org/sdgs/iaeg-sdgs/tier-classification>. Acesso em dez. 2018.

    14. United Nations. Statistics Division. "SDG monitoring and reporting toolkit for UN country teams". Disponível em: <https://unstats.un.org/sdgs/unct-toolkit>. Acesso em dez. 2018.

    15. United Nations. Statistics Division. "SDG indicators - Metadata repository". Disponível em: <https://unstats.un.org/sdgs/metadata>. Acesso em dez. 2018.

    16. United Nations. Statistics Division. "SDG indicators - United Nations Global SDG Database". Disponível em: <https://unstats.un.org/sdgs/indicators/database>. Acesso em dez. 2018.

    17. United Nations. Statistics Division. "SDG indicators - Data collection information & Focal points". Disponível em: <https://unstats.un.org/sdgs/dataContacts>. Acesso em dez. 2018.

    18. FAO. Mountain Partneship. Measuring the Mountain Green Cover Index. Disponível em: <http://www.fao.org/mountain-partnership/news/news-detail/en/c/1172629>. Acesso em dez. 2018.

    19. United Nations. The United Nations Regional Commissions and the Post-2015 Development Agenda: moving to deliver on a transformative and ambitious agenda. Disponível em: <http://www.regionalcommissions.org/RCpost2015devagenda.pdf>. Acesso em dez. 2018.

    20. IBGE. Plataforma Digital ODS. Disponível em:<https://ods.ibge.gov.br>. Acesso em nov. 2018.

    21. MCTIC. Sirene - Sistema de Registro Nacional de Emissões. Disponível em: <http://sirene.mcti.gov.br>. Acesso em dez. 2018.

    22. United Nations. Statistics Division. Department of Economic and Social Affairs. Framework for the Development of Environment Statistics (FDES 2013). 27 january 2016. Final Official Edited Version. Disponível em<http://unstats.un.org/unsd/environment/fdes.htm>. Acesso em Jul. 2016.

    23. United Nations et al. System of Environmental-Economic Accounting 2012 - Central Framework. United Nations, New York, 2014. Available on: unstats.un.org/unsd/envaccounting/seeaRev/SEEA_CF_Final_en.pdf. Acesso em jul.2016.

    24. UNISDR. Sendai Framework for Disaster Risk Reduction. Disponível em: https://www.unisdr.org/we/coordinate/sendai-framework. Acesso em dez. 2018.

    25. United Nations". "Sustainable Development Goal (SDG) indicators correspondence with the Basic Set of Environment Statistics of the FDES 2013". Disponível em: < https://unstats.un.org/unsd/envstats/fdes.cshtml>. Acesso em dez. 2018.

    26. 13.1.1. Número de mortes, pessoas desaparecidas e pessoas diretamente afetadas atribuído a desastres por 100 mil habitantes; 13.1.2. Número de países que adotam e implementam estratégias nacionais de redução de risco de desastres em linha com o Quadro de Sendai para a Redução de Risco de Desastres 2015-2030; 13.1.3. Proporção de governos locais que adotam e implementam estratégias locais de redução de risco de desastres em linha com as estratégias nacionais de redução de risco de desastres.

    27. HLG-PCCB - High-level Group for Partnership, Coordination and Capacity-Building for Statistics for the 2030 Agenda for Sustainable Development. Cape Town Global Action Plan for Sustainable Development Data, Cape Town, 15 january 2017. Disponível em: <https://unstats.un.org/sdgs/hlg/cape-town-global-action-plan>. Acesso em dez. 2018.