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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.71 no.2 São Paulo Apr./June 2019

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602019000200008 

    ARTIGOS
    ANTROPOLOGIABIOLÓGICA

     

    Apresentação

     

     

    Verlan Valle Gaspar NetoI; Pedro Da-GloriaII

    IProfessor adjunto do Departamento de Direito, Humanidades e Letras da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Ao longo de sua carreira tem se dedicado, entre outros temas, à pesquisa sobre a história da bioantropologia no Brasil
    IIGraduado em biologia e doutor em antropologia pela The Ohio State University. Atualmente é vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Pará (PPGA-UFPA). Tem se dedicado a pesquisas sobre saúde de populações pré-históricas brasileiras e de populações ribeirinhas da Amazônia

     

     

    Nos últimos 60 anos, no Brasil, o termo antropologia e a expressão "estudos antropológicos" têm sido associados, basicamente, às investigações de cunho sociocultural. Isso porque, entre outros fatores, e ao contrário do que se observa em outros contextos nacionais, a antropologia biológica (ou bioantropologia), outrora denominada antropologia física, encontra-se praticamente fora das instâncias de formação acadêmica relacionadas ao treinamento de antropólogos no país, tanto nos níveis de graduação como de pós-graduação. A única exceção é o Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Pará (PPGA/UFPA), tratado mais a frente. Não obstante tal cenário, existe uma diminuta comunidade de pesquisadores, brasileiros e estrangeiros, dedicados a estudos bioantropológicos em solo brasileiro. Em suas mais diferentes especialidades, essa comunidade tem sido responsável, nas últimas décadas, por uma robusta produção acadêmica amplamente reconhecida no exterior, uma vez que a maior parte de suas publicações se dá em periódicos internacionais da área [1].

    De modo a contribuir para uma maior visibilidade da antropologia biológica feita no Brasil, o presente dossiê reúne artigos redigidos por pesquisadores que se ocupam dos mais variados temas, desde os aspectos históricos e institucionais da bioantropologia até o estado da arte em uma ou mais de suas especialidades.

    A antropologia biológica contemporânea pode ser definida como o estudo da evolução biológica e variação biocultural humana, desde primatas até populações humanas do passado e vivas [2]. A partir dessa definição, é possível destacar a grande amplitude de áreas de estudo e a importância da integração de dimensões biológicas e culturais nesse campo. O dossiê aqui apresentado foi organizado para contemplar as principais áreas de atuação do bioantropólogo, a dizer: bioarqueologia, antropologia forense, antropologia molecular, primatologia, evolução humana e biologia humana em perspectiva biocultural. É importante destacar que esses tópicos não esgotam de maneira alguma o campo da bioantropologia. Existem outras áreas, como a ecologia humana e a etnobiologia, que também fazem interessantes diálogos entre biologia e cultura, e que de alguma maneira são mencionadas nos textos deste dossiê. Além do exposto acima, incluímos um artigo com uma revisão histórica da bioantropologia e um estudo de caso sobre a inserção institucional da área no Brasil.

    Outro ponto de destaque é a participação de pesquisadores estrangeiros nos estudos bioantropológicos brasileiros, como é o caso da portuguesa Eugénia Cunha e da norte-americana Barbara Piperata, que são pesquisadoras atuantes no desenvolvimento da bioantropologia no Brasil. Acreditamos que os leitores se beneficiarão do conteúdo deste dossiê em vista da qualidade dos artigos que o compõe e da possibilidade de adentrar por todo um universo multifacetado de investigações que, como já dissemos, quase sempre não são identificadas (também) como antropológicas no Brasil.

    O artigo que abre esta coletânea, de autoria de Verlan Gaspar Neto, traz uma recapitulação panorâmica e comparativa da história da antropologia biológica no Brasil e no exterior. Nele, ganham destaque alguns aspectos teórico-metodológicos centrais no desenvolvimento geral da área, tais como a passagem teórica da antropologia física para a biológica, e como isso se relaciona com questões institucionais. No segundo artigo, Sheila Mendonça de Souza faz reflexões sobre o passado, o presente e o futuro da bioarqueologia, destacando as principais questões relacionadas ao diálogo entre biologia e arqueologia, especialmente no que tange à reconstrução de contextos relativos à saúde de populações do passado.

    A antropologia forense - o que é, do que se ocupa e qual o estado da arte em nosso país - é o assunto do terceiro artigo, de Eugénia Cunha. A autora destaca a relevância da atuação dos antropólogos forenses em casos envolvendo catástrofes humanas e ambientais (como a de Brumadinho) e em crimes relacionados com os direitos humanos. O quarto texto, escrito por Maria Cátira Bortolini, aborda os aspectos moleculares da antropologia biológica - o grupo liderado por ela tem desenvolvido pesquisas sobre a estrutura e a diversidade genética de populações nativas americanas e sobre a ocupação das Américas, além de incursionar pelo universo da sociabilidade em primatas. Além disso, ela faz uma justa homenagem à trajetória de Francisco Mauro Salzano.

    Eliane Rapchan nos mostra novamente, no quinto artigo, a importância da primatologia para o entendimento do fenômeno humano, desta vez a partir de uma interessante reflexão sobre as possibilidades de diálogo com a antropologia sociocultural. Em seu artigo, ela ressalta a importância dos estudos de primatas para a discussão das características tradicionalmente atribuídas unicamente aos humanos modernos.

    Já no âmbito dos estudos envolvendo populações humanas contemporâneas, o sexto artigo, escrito por Pedro Da-Gloria e Barbara Piperata, apresenta os resultados de suas pesquisas junto a populações ribeirinhas da Amazônia. O foco do artigo recai sobre os modos de vida dessas populações a partir de uma perspectiva biocultural, ou seja, buscando considerar tanto a biologia como a cultura para compreender a dinâmica comportamental dessas populações. O artigo trata de temas como saúde bucal, medidas corporais, dieta e balanço energético, e, por fim, traça possibilidades de integração de estudos com populações do presente e do passado.

    Para encerrar, Letícia Müller e Hilton Silva retomam a história da bioantropologia e o diálogo interdisciplinar, tendo como foco o PPGA/UFPA. Se no primeiro aspecto os autores entrelaçam os fios históricos da antropologia biológica aos níveis mundial, nacional (Brasil) e regional (Pará), no segundo discutem as possibilidades e alcances do modelo institucional dos "quatro campos" [3], há muito presente em outros contextos nacionais, mas que apenas recentemente ganhou materialidade no país.

    Dentro do lastro temporal aludido (últimos 60 anos), talvez esta seja a primeira iniciativa no país de reunir e divulgar para um público científico mais amplo o que tem sido feito no âmbito da bioantropologia brasileira. Sendo assim, convidamos os leitores para que incursionem, ainda que de forma introdutória, pelo instigante universo da antropologia biológica feita no país. No mais, agradecemos imensamente à equipe editorial da revista pelo espaço aberto, e a cada um dos autores por suas preciosas e respectivas contribuições, sem as quais essa iniciativa não seria possível.

     

    NOTAS E REFERÊNCIAS

    1. Gaspar Neto, V. V. "Biological anthropology in Brazil: a preliminary overview". In: Vibrant - Virtual Brazilian Anthropology, 14 (3), e143034, 2017.

    2. Larsen, C. S. Our origins: discovering physical anthropology. New York: W. W. Norton & Company. 4 ed, 2017.

    3. O modelo da antropologia quatro campos (four-fields anthropology) corresponde a: (a) uma representação muito comum, notadamente nos Estados Unidos, da antropologia como uma ciência composta por quatro grandes áreas (arqueologia, antropologia sociocultural, antropologia biológica e linguística); (b) arranjos institucionais em que as quatro áreas citadas anteriormente encontram-se reunidas, seja num mesmo departamento, faculdade ou programa de pós-graduação.