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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.71 no.3 São Paulo jul./sept. 2019

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602019000300013 

    ARTIGOS
    100 ANOS DO ECLIPS EDESOBRAL

     

    Einstein e o Brasil

     

     

    Roberto Vergara Caffarelli

    Universidade de Pisa e Instituto de Física da Universidade de São Paulo

     

     

    Não sei responder, até agora, à pergunta: quem foi o primeiro no Brasil a ter conhecimento das teorias de Einstein e quando isto se deu? É uma pergunta interessante, porque está ligada à história da cultura científica no Brasil, um assunto que não tem merecido muita atenção, comparado, por exemplo, com o interesse pela cultura literária. O que posso dizer a respeito é que encontrei o nome de Einstein em jornais brasileiros, pela primeira vez, em abril de 1919; aliás, seu nome estava escrito errado, sinal de que não era ainda conhecido, porque não encontrei repetição posterior deste fato. Foi num pequeno artigo no Jornal do Comércio, do Rio, destinado a ilustrar a expedição que estava sendo realizada pelas comissões brasileira e britânica a Sobral, no Ceará, a fim de observar o eclipse cujos resultados favoráveis deram tanta fama a Einstein.

    Provavelmente, o artigo foi escrito ou inspirado pelo professor Henrique Morize, diretor do Observatório Nacional, um grande físico brasileiro, atualmente um pouco esquecido pela nova geração, mas que espero volte a ser uma figura conhecida. Ele muito contribuiu para que a expedição inglesa viesse ao Brasil. De fato, Eddington, que nessa ocasião não veio ao Brasil, tendo ido à Ilha do Príncipe, no golfo da Guiné, já tinha estado aqui em 1912 para observar outro eclipse. Ele sabia que podia confiar na organização do prof. Morize e também que podia contar com os fundos do governo brasileiro, porque em 1912 e em 1919 foi promulgada uma lei especial, financiando a organização para recepção das comissões que vieram observar os eclipses desses anos. No dia do eclipse, saiu um artigo muito explicativo, apesar de bastante curto, escrito pelos dois cientistas britânicos, Crommelin e Davidson, que tinham ido a Sobral. Aí encontramos a primeira explicação (ou pelo menos inúmeras informações) sobre a teoria da relatividade e as finalidades do experimento. Provavelmente existem outros artigos desses dois autores, publicados em jornais do Pará, mas ainda não os encontrei.

    O pioneiro na difusão das ideias relativísticas no Brasil é Amoroso Costa, o grande físico-matemático cuja morte trágica num desastre de avião enlutou a festa de recepção de Santos Dumont, naquele longínquo dezembro de 1928. Seis dias depois que os ingleses noticiaram o resultado positivo da observação do eclipse, no dia 12 de novembro de 1919, Amoroso Costa escreveu um curto artigo no O Jornal o que demostra seu conhecimento prévio da teoria da relatividade. Por isto, penso que as ideias relativísticas no Brasil já eram conhecidas antes de 1919.

    Roberto Marinho, que era professor da Escola Politécnica, foi o primeiro a fornecer informações mais detalhadas, em dois artigos que apareceram na Revista de Ciências em 1920, mas que foram escritos em 1919, sem ter conhecimento ainda dos resultados do eclipse. Em 1921, Roberto Marinho escreveu um artigo de divulgação que foi publicado pela Revista do Brasil e pela Revista Brasileira de Engenharia. No artigo escrito em 1919 ele cita oito livros sobre relatividade; na nota biográfica que sobre ele escreveu F. M. de Oliveira Castro, encontramos a afirmação de que "a coleção de livros de Roberto Marinho era excelente. Por volta de 1920, já possuía tudo o que havia de melhor sobre relatividade".

    Amoroso Costa foi um pioneiro: publicou vários artigos e, em 1922, publicou um livrinho magistral: Introdução à teoria da relatividade. Acho que deveria ser reeditado, porque é muito bem escrito.

    O primeiro trabalho original sobre relatividade feito no Brasil deve-se a Teodoro Ramos, cujo nome é tão ligado à fundação da Universidade de São Paulo (USP). Em 1923, publica na Revista Politécnica, de São Paulo, o artigo "A teoria da relatividade e as raias espectrais do hidrogênio", que envia também à Academia Brasileira de Ciências por intermédio do prof. Amoroso Costa.

    Faço esta pequena bibliografia para fazer ver que quando Einstein chegou ao Brasil, além da fama de tipo folclorístico que se havia criado em torno dele, existiam pessoas que conheciam suas teorias, que estavam interessadas na sua vinda e em ouvi-lo. Entre outros, poderia mencionar, numa perspectiva um pouco diferente, Pontes de Miranda, o jurista, filósofo e sociólogo que entrou para a Academia Brasileira de Letras. Ele introduziu em seu livro Sistema de ciência positiva do direito uma análise dos fundamentos da teoria da relatividade. O mais interessante é que ele manteve correspondência com Einstein. Remeteu-lhe um artigo seu, onde estudava as implicações metafísicas da teoria da relatividade geral, e o próprio Einstein enviou esse trabalho para o Quinto Congresso Internacional de Filosofia, realizado em Nápoles em maio de 1924. Quando Einstein esteve no Rio em 1925, os dois se encontraram e discutiram o tema; cada um acabou mantendo o próprio ponto de vista.

    Foi nessa época que Einstein veio ao Brasil. Mas por quê? Na realidade, essa viagem foi organizada pelos argentinos. Em 1923, o escritor, jornalista e professor da Universidade de La Plata, Leopoldo Lugones, se encontrava na Alemanha. Preocupado com a situação pessoal de Einstein, que, como ouvimos do professor Guido Beck, havia recebido ameaças e já estava sendo submetido a uma certa perseguição, Lugones procurou fazer com que se oferecesse a Einstein uma cátedra na Argentina. Houve um movimento muito grande, os argentinos não conseguiram que Einstein ficasse permanentemente, mas obtiveram sua anuência para uma visita e uma série de conferências. Leopoldo Lugones teve a possibilidade de influenciar Einstein porque os dois ingressaram no mesmo dia na Comissão de Cooperação Intelectual da Liga das Nações, em 1924 [1].

    Einstein foi então para a Argentina. Possivelmente (não posso dizer certamente) uma componente da decisão que tomou estava ligada ao seu desejo de viajar, manifestado naquela época, foi para o Japão, foi aos Estados Unidos, foi à Espanha... Einstein passou pelo Rio de Janeiro no dia 21 de março de 1925, a caminho de Buenos Aires e desembarcou por algumas horas.

    Foi então que o convidaram a passar uma semana ano Rio, por ocasião de sua viagem de regresso à Europa. O convite lhe foi transmitido por Aloysio de Castro, que era o integrante brasileiro da Comissão de Cooperação Intelectual, e por Paulo de Frontin [2].

    Algumas fotografias ilustram essas horas que Einstein passou no Rio de Janeiro. A figura 1 contém um autógrafo de Einstein, ainda a bordo do navio Cap. Polônio, endereçando uma saudação ao Brasil. Numa entrevista concedida no navio, antes que se realizassem contatos oficiais, Einstein já tinha manifestado a intenção de, na volta, passar alguns dias no Rio, porque sabia que a paisagem era belíssima. Está claro que ele aceitou o convite com prazer. A figura 2 ilustra o desembarque de Einstein, acompanhando a comitiva que fora recepcioná-lo. Ao lado de Einstein está Aloysio de Castro, sempre muito elegante, e logo atrás Isidoro Kohn, representando a comunidade israelita. Essa comissão tinha sido organizada pela Academia Brasileira de Ciências, cujo presidente era Henrique Morize. A figura 3 é um close-up, em que podemos ver Einstein todo de branco, com um guarda-chuva que o acompanhará durante toda essa primeira e breve estadia. Na figura 4 vê-se também Paulo de Frontin, reconhecível pela barba e bigodes característicos, e ainda Aloysio de Castro. A figura 5 testemunha o número de pessoas presentes. A intelectualidade do Rio foi receber Einstein nessa ocasião. Na figura 6, à direita de Einstein no carro em que deu um passeio pela cidade, identifiquei Alfredo Lisboa, que era um engenheiro famoso naquela época. Depois desse passeio pela cidade, Einstein foi ao Jardim Botânico e na figura 7 ele está entre o prof. H. Morize e o diretor do Jardim Botânico, o dr. Pacheco Leão. O Jardim Botânico causou-lhe forte impressão. A figura 8 mostra um grupo de pessoas, entre as quais Antônio de Azevedo, que era vice-presidente do Senado, Isidoro Kohn e Assis Chateaubriand. Há mais uma fotografia (Figura 9) com estas mesmas pessoas, onde podemos também identificar Guilherme Guinle, que sempre trazia seu apoio financeiro aos empreendimentos culturais da época, e Aloysio de Castro, médico, poeta e acadêmico. Deve ter sido tirada depois do almoço oferecido a Einstein no restaurante do Copacabana Palace Hotel.

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    Einstein embarcou nas primeiras horas da tarde para a Argentina, onde passou mais de um mês. Na volta, deu alguns seminários em Montevidéu e finalmente, no dia 4 de maio, chegou novamente ao Rio. Ficou hospedado no melhor apartamento do Hotel Glória. Nesse apartamento, no dia do desembarque, Einstein concedeu uma entrevista, cuja leitura é muito interessante porque o jornalista fez perguntas pouco ortodoxas, às quais Einstein respondeu com sua originalidade. No dia seguinte, Einstein subiu o Pão de Açúcar, que muito o impressionou; aliás, as declarações de Einstein sobre o Rio são sempre de grande entusiasmo. Na figura 10 vemos Einstein ao lado do presidente da República, Artur Bernardes, a quem visitou no dia 6 de maio. A figura 11 ilustra a sua primeira conferência no Clube de Engenharia. Nesse dia (6 de maio) Einstein tinha realizado um verdadeiro tour de force: depois do presidente da República, visitou o ministro da Agricultura, o ministro da Justiça e o prefeito do Distrito Federal. Depois de passar pela legação alemã, foi visitar os jardins e finalmente, às quatro horas da tarde, foi ao Clube de Engenharia para proferir sua primeira conferência sobre a teoria da relatividade restrita. Tendo conseguido uma reconstrução parcial dessa conferência, gostaria de citar alguns trechos:

     

     

     

     

    ".... Recebido com prolongada salva de palmas, Einstein ocupou lugar na mesa ao lado do presidente, que rememorou a sua vinda ao Rio, apresentando o ilustre conferencista. A expectativa era intensa, assim como o calor, que gradativamente ia transformando o salão num banho turco".

    "Einstein tinha entrado vagarosamente, as sobrancelhas caracteristicamente erguidas, como mostram os seus retratos, vestindo um fraque preto; os cabelos desciam abundantes sobre o pescoço, numa sugestão impressionante de vigor físico e moral, cabelos crespos qual lã muito fina, onde já se viam numerosos fios brancos. Sentado à direita do dr. Getúlio das Neves, que tinha à esquerda o senador Sampaio Correia, Einstein corria os olhos sobre a assistência, completamente indiferente ao discurso introdutório do presidente da sessão".

    "Como este se alongava, um cavalheiro espadaúdo e de óculos, onde pareciam faiscar sinais algébricos, irrita-se e rosna: 'é gafe tratar o Frontin de sábio e de eminentíssimo e chamar o homem de ilustre professor apenas'. Um rapaz, de olhos cansados talvez pelo abuso das equações, redarguiu: 'é mania brasileira de falar'. E outro, com a irreverência do estudante, 'quando se recebe um visitante destes, dá-se logo a palavra. Isso não passa de verborragia'. Chios enérgicos, aqui e ali, quando o dr. Getúlio exclama afinal: 'Cedo a palavra ao ilustre professor Albert Einstein'".

    Logo de pé, o célebre físico caminha na direção do quadro-negro, entre palmas, poltronas que se arrastam, pessoas que sobem em cadeiras e até em mesas, enquanto outras se amontoam junto ao cavalete.

    "Messieurs!" - exclama Einstein e, com uma voz meiga, que corresponde perfeitamente ao clarão meigo do seu olhar, começa a palestra naquele francês pitoresco, em que alguns termos alemães despontam pronunciados na língua de Racine. Os fotógrafos explodem o magnésio, juntam ao calor ambiente uma densa e detestável fumaça e finalmente se retiram.

    Einstein prossegue serenamente, esforçando-se por fazer compreender a sua teoria a todos quantos têm a honra de ouvi-lo. A não ser os privilegiados que se colocaram rente ao sábio, as demais pessoas escutam a dissertação com dificuldade, perdendo, às vezes, frases inteiras, de modo que todos se espremem, sobem em móveis ou na ponta dos pés, colocam a mão na orelha. A assistência ia comprimindo o filósofo, cuja voz diminuía à medida que os ouvintes, em semicírculo, dele se aproximavam. Imponente, nos braços de uma poltrona, numa atitude de colosso de Rodew, o professor Petrus Verdier, da Escola de Belas-Artes, com sua barba de coevo de Péricles e seus óculos de contemporâneo de Harold Lloyd, rabisca nervosamente o perfil do conferencista, pensando possivelmente numa próxima medalha. E sua, sua tremendamente, como a assistência em peso, da qual pessoas se desagregam incessantemente, substituídas por outras, curiosas de ouvir, de contemplar o mestre. Nas escadas do Clube de Engenharia, há assim um vaivém constante e na calçada, em frente à porta, movem-se grupos: - "O Einstein está falando, ali em cima". "É verdade. Vou subir...a entrada é franca". "Eu não, não entendo nada...em matemática nunca passei da conta de dividir". "Que me importa. Eu quero só ver o colosso, até já".

    Einstein, no entanto, desenvolvia a sua conferência, desenhando figuras e fórmulas no quadro-negro, para tornar mais fácil a compreensão da matéria exposta:

    "Do mesmo modo que a termodinâmica estabelece, como postulado, a impossibilidade do moto contínuo, a teoria da relatividade estabelece, como postulado, a velocidade da luz como velocidade que não pode ser superada. Talvez ao metafísico repugne aceitar esse limite; o físico, porém - e a teoria da relatividade é obra de físico e não de metafísico - recusa-se a trabalhar usando noções e grandezas que não são passíveis de medida, e assim parece-lhe natural basear suas teorias em grandezas mensuráveis, ao invés de introduzir arbitrariamente grandezas fictícias sem definição física e não suscetíveis de medida".

    E assim começa a conferência de Einstein. A única coisa que gostaria de acrescentar, sobre essa conferência, que é bastante longa, relaciona-se às observações do prof. Schenberg sobre causalidade. Em sua conferência, Einstein referiu-se assim à causalidade: "Quanto ao princípio de causalidade, se para determinado observador um fenômeno aparece como efeito de outro, o mesmo se dará com qualquer outro observador. Este resultado é sumamente importante, pois, sendo o tempo relativo poder-se-ia chegar a pensar na possibilidade de que se alteraria a sucessão dos fenômenos (causa e efeito), caso esse em que deixaria de ser válido o princípio fundamental de toda a ciência física. Mas, ao contrário, a teoria da relatividade não contradiz esse princípio. A demonstração fundamenta-se no resultado dessa teoria, segundo o qual não se podem produzir na natureza, com respeito a nenhum sistema, velocidades maiores do que a velocidade da luz. Assim, os fundamentos da teoria da relatividade podem enunciar-se matematicamente da seguinte forma: As leis físicas devem ser formuladas de tal modo que sejam invariantes em relação a toda transformação de coordenadas que não modifique o invariante fundamental".

    E depois continua, falando da teoria da relatividade restrita. O assunto da relatividade geral só deveria ser tratado na segunda conferência, que se realizou dois dias depois na Escola Politécnica.

    Mas voltemos à figura 11. A plateia dessa primeira conferência foi descrita corretamente pelos jornais: um círculo de pessoas oprimindo Einstein. Mais alto de todos, atrás do quadro-negro, reconhecemos Assis Chateaubriand, tomando notas em um pequeno caderno. Quero lembrar que Assis Chateaubriand, nos deixou uma notável descrição da conversa que teve com Einstein durante almoço no Copacabana Palace Hotel, por ocasião do primeiro desembarque, em março.

    A figura 12 mostra Einstein em frente ao Museu Nacional, tendo à esquerda Roquette-Pinto e à direita Miranda Ribeiro. No grupo estão presentes, entre outros, H. Morize, Mário de Souza e Alfredo Lisboa; a visita é do dia 7 de maio.

     

     

    Na figura 13 observa-se Einstein, sempre no Museu Nacional, em frente ao famoso meteorito de Bendengó. Notem os sapatos de Einstein, que Assis Chateaubriand definiu como "quase alpargatas".

     

     

    Na figura 14, vemos um grupo em frente à sede da Academia Brasileira de Ciências, no pavilhão de madeira que tinha servido à exposição da Tcheco-Eslováquia, em 1922. Ao lado de Einstein, vê-se Juliano Moreira, o psiquiatra, que havia estado muitas vezes em Berlim, onde tinha dado conferências e era muito estimado, tendo-se aí casado com uma senhora alemã. Einstein almoçou em casa dele no dia 11. Nessa fotografia é facilmente reconhecível a figura excepcional de Henrique Morize. Vê-se também Francisco Lafayette Pereira, que faria, em francês, o discurso de recepção, na entrega do título de sócio da academia conferido a Einstein. Este já havia recebido dois títulos de lente* honorário e doutor honoris causa da Faculdade de Filosofia. Juliano Moreira saudou Einstein em lugar do prof. Henrique Morize, presidente da academia, adoentado, entregando-lhe o título de sócio correspondente. Depois dos discursos de Francisco Lafayette Pereira e Mário Ramos, Einstein tomou a palavra, desenvolvendo uma rápida comunicação sobre a natureza da luz.

     

     

    Uma recente teoria de Bohr, Kramers e Slater tentava explicar os fenômenos quânticos da luz a partir da teoria ondulatória, evitando os fótons, ou quanta de luz, previstos por Einstein desde 1905. Nessa comunicação Einstein anuncia os resultados preliminares da experiência dos físicos de Berlim, Geiger e Bothe, favoráveis à existência real de quanta de luz.

    Na figura 15 Einstein tem à sua direita Carlos Chagas, cujo centenário será também celebrado proximamente, e à esquerda Carneiro Felippe. Ao lado de Carlos Chagas está Adolf Lutz. É claro que estamos em Manguinhos, que Einstein visitou no dia 8. Nessa visita, Einstein gravou um pequeno improviso em um cilindro de cera. Fui a Manguinhos e vi o ditafone que pertenceu a Oswaldo Cruz, e que era usado especialmente para gravar resultados de análises. É provável que tenha sido esse o aparelho usado por Einstein. Teria o Brasil um dos mais antigos registros da voz de Einstein, num daqueles 7 ou 8 cilindros, que são conservados no museu? Infelizmente esta pergunta fica sem resposta, porque o ditafone está quebrado.

     

     

    A figura 16 foi obtida de um recorte de revista; lamento não poder mostrar o original, que é uma das fotografias mais significativas e expressivas dessa visita. Nela aparece Einstein com o rabino Raffalovich. A foto da figura 17 foi tirada na Escola Politécnica, provavelmente depois da conferência. Não reconheço a todos, mas a figura de grandes bigodes é Guilherme Guinle, o último à direita é Mário de Souza, e também está presente Isidoro Kohn, facilmente reconhecível. Lendo os jornais da época, reconstruí também a descrição dessa conferência que foi muito interessante; vou citar alguns trechos:

     

     

     

     

    "No salão de honra da Escola, mais ou menos às dezesseis e trinta, chegou o prof. Einstein, que tomou assento em frente à mesa, presidida pelo prof. Agostinho dos Reis. Ao lado destes estavam o prof. Morize, diretor do Observatório Nacional e o almirante Gago Coutinho. Em cadeiras dispostas em semicírculo ao redor do conferencista, os professores da Escola e convidados especiais. Ao longo da sala, atrás, a grande maioria dos assistentes e alunos da escola. O prof. Agostinho dos Reis fez breve discurso apresentando Einstein, que se achava aí presente para honrar a Escola com uma preleção sobre suas ideias e teorias". O diretor da Escola Politécnica, falando em português, ergueu sua voz à altura de ser ouvida por toda a casa. Einstein, com aquela sua fisionomia calma, dilatou os olhos vivos como os de uma criança, em uma grande interrogação, tentando decifrar pelos gestos do orador e o jogo fisionômico dos ouvintes o que estaria dizendo a veemência ardente daquela linguagem, para ele estranha. Apenas pronunciadas as últimas sílabas, Einstein levantou-se e começou a falar. Ao murmúrio esquisito que envolvia a sala, talvez a ressonância ricocheteante da voz do eminente diretor da escola que acabara de discursar, sucedeu um silêncio profundo, que a fonética metálica do mestre alemão feria pausadamente. Felizmente, graças às medidas tomadas a fim de evitar a invasão do recinto por grande número de pessoas, Einstein pôde desenvolver a sua teoria em um ambiente de silêncio e de atenção, e dessa maneira os cientistas brasileiros acompanharam a sua exposição."

    "Os efeitos que a teoria do conferencista produzia sobre as respectivas convicções filosóficas foram notados nos gestos de alguns dos assistentes. Assim, por exemplo, foi visto o almirante Gago Coutinho, conhecidamente contraditor de Einstein, sobrecarregar num índice de incredulidade inabalável, aqueles sulcos voltairianos de sarcasmo, que lhe desciam dos lábios num cunho característico da sua fisionomia. Os gráficos de Einstein não o demoviam, parece, das suas ideias já adquiridas sobre a mecânica clássica".

    "O prof. Morize, esguio, emergia do colarinho alvo e proporcional: as linhas severas de sua fisionomia, como um sistema de coordenadas imóvel, não deixavam transparecer sua opinião, senão a grande curiosidade de ver algo de novo. O sr. Licínio Cardoso, na primeira fila, tinha ar de quem, acompanhando a exposição feita, contrapunha mentalmente aos princípios da mecânica einsteiniana os dogmas de August Comte. Parecia também um irredutível. Um cavalheiro moreno e gordo, careca e cético, oscilava a cabeça e dizia ao vizinho, de vez em quando: "romances, ideias fantasistas... na prática, na realidade, isto é nada". O prof. Einstein chegara a um ponto em que declarava que a geometria euclidiana não corresponde à grande realidade do universo. Só o prof. Sodré da Gama se mostrou entusiasmado. A cada traço de giz, que feria o quadro-negro pela mão segura de Einstein, na demonstração esquemática de suas ideias, o jovem professor de cálculo da Escola Politécnica movimentava a cabeça num sinal de plena aprovação. Sublinhava, numa aderência de opinião concordante, o discreto sorriso de vitória que o conferencista esboçava, ao evidenciar a falsidade de certas noções corrente e aceitas. Mas Einstein foi, para muitos, uma decepção. A sua doutrina, que segundo o pensamento geral só podia ser exposta e entendida através da floresta inextricável dos sinais abstratos da matemática, foi exposta sem equações, sem integrais, sem cálculos complicados. Com o poder lógico das palavras e com os recursos gráficos de alguns desenhos, fez compreender as principais conclusões da sua teoria. A crítica de algumas definições e princípios da mecânica clássica, como da geometria de Euclides, adquiriram uma clareza inesperada, para prejuízo de muitos".

    Na figura 18, aparecem participantes da recepção oferecida ao ilustre visitante pelo Clube Germânia. Einstein está ao lado do ministro da Alemanha, Knipping; à sua direita estão Mário de Souza e Assis Chateaubriand. Estavam presentes também o ministro da Áustria, os banqueiros Stahmer, Gutchow e Erb e o sr. Rudge. A fotografia seguinte (Figura 19) foi tirada no Observatório Nacional. Da esquerda para a direita, sentados, aparecem Domingos Costa, Alfredo Lisboa, Alex Corrêa Lemos, Einstein, Henrique Morize, que era o diretor do Observatório, Isidoro Kohn e José Inácio Azevedo do Amaral. O prof. Lélio Gama é o quinto da comissão brasileira que foi observar o eclipse de Sobral em 1919. Ele discutiu com Einstein a pesquisa que estava desenvolvendo, referente a um estudo de medidas astronômicas para detectar variações do polo terrestre. Einstein fez algumas sugestões, que anteciparam o desenvolvimento desses estudos.

     

     

     

     

    Na figura 20, aparecem junto a Einstein Salomão Hazan, o rabino Raffalovich, Dora Hazan e vê-se também a cabeça de Isidoro Kohn. É um flagrante de um almoço. Einstein também participou de um almoço em casa de Aloysio de Castro, que causou alvoroço devido a algumas declarações suas, muito comentadas pelos jornais e revistas da época. A recepção da colônia israelita realizou-se no Automóvel Clube: na figura 21, vemos Einstein subindo as escadas. Na figura 22 vê-se parte da assistência, mas a fotografia não dá ideia da quantidade de pessoas presentes: o primeiro andar, ladeado de amplos terraços, estava repleto. A fotografia seguinte (Figura 23) é um flagrante do discurso em que Einstein está respondendo a todos, tendo ao lado Raffalovich. Nessa oportunidade, Einstein fez uma declaração de religiosidade, acentuando o quanto as ideias religiosas "têm contribuído para orientá-lo na senda do estudo a que se vem dedicando".

     

     

     

     

     

     

     

     

    Estamos chegando ao fim da nossa história. Einstein visitou o Hospital Nacional dos Alienados, centro avançado de tratamento das doenças mentais, cujo diretor era o grande psiquiatra Juliano Moreira. Einstein se interessou pelas várias seções, tendo desejado inclusive conversar com um paciente lá internado. A figura 24 está ligada a um fato especial. O Jornal tinha tomado a iniciativa de uma subscrição pública para doar-lhe uma lembrança; foi escolhida uma caixa contendo quinze pedras preciosas brasileiras em estado bruto e lapidadas. A fotografia representa Einstein na redação de O Jornal. As últimas reproduções são de caricaturas de Einstein.

     

     

     

     

    É difícil concluir esta palestra: vimos as fotografias, reconstruímos o ambiente... insisto em dizer que já naquela época havia pesquisadores, pessoas que escreviam sobre relatividade e outros que tinham procurado entender as teorias de Einstein.

    Havia também opositores, como vimos. Por exemplo, quando Einstein chegou ao Rio, Gago Coutinho (que aliás deixou contribuições não só como pioneiro da aviação, mas como escritor sobre história da navegação e que em 1926 escreveu um livrinho contra a relatividade, publicado pela Universidade de Coimbra) escreveu um longo artigo, bastante hostil à relatividade. Seria interessante saber porque havia opositores e como se propagava essa hostilidade. Em seu artigo, Gago Coutinho escreve: "O eclipse total do Sol que em 1919 foi observado na cidade de Sobral, estado do Ceará, tornou-se muito popular, porque ao fazer a sua propaganda internacional Einstein e os seus partidários não deixam nunca de aproveitar aquele eclipse, afirmando que essa experiência confirmou plenamente a teoria, de uma maneira que não podia ser mais satisfatória. O próprio professor, ao passar no Rio em março deste ano, afirma: 'o problema concebido pelo meu cérebro, incumbiu-se de resolvê-lo o luminoso céu do Brasil'. Assim, o relativismo aproveita romanticamente o prestígio popular dos primitivos descobridores para fazer a conquista intelectual da América".

    Pouco depois da partida de Einstein, no dia 16 de maio, O Jornal publica um artigo de Licínio Cardoso, que era professor de mecânica racional na Escola Politécnica, intitulado "Relatividade imaginária". Licínio diz que comprou muitos livros sobre relatividade e leu todos, mas não conseguia aceitar a teoria. Assim julga o livro de Einstein La théorie de la relativité restreinte e genéralisée: "A cada página, pode-se dizer, da obra eu encontrava proposições análogas: umas confundindo o objetivo com o subjetivo, outras afirmando coisas de impossível realização, outras estabelecendo conceitos elementaríssimos e velhos como se fossem novos, tudo, está claro, no meu fraco entender; outras produzindo afirmações incompreensíveis como esta "nous verrons plus tard que ce raisonnement qui s'appelle dans la mécanique classique le théorème de la composition des vitesses n'est pas rigoureux et, par consequente, que ce theoréme n'est pas vérifié em réalité". O que tem a lei abstrata da composição das velocidades com a velocidade particular de cada corpo? Sempre a confusão entre o abstrato e o concreto... "O ponto central da crítica deste extremado expoente da escola positivista parece-me ser o seguinte: "Demonstrei que o professor Einstein, confundindo os pontos de vista abstrato e concreto, toma por objetivo o que é subjetivo e vice-versa e não distingue entre ciência abstrata e relações particulares das existências concretas".

    Esse artigo, como se poderia esperar, deu origem a uma forte polêmica. Na Academia Brasileira de Ciências, onde Licínio Cardoso leu seu artigo no dia 26 de maio, ele foi criticado por Adalberto Menezes, Alvaro Alberto, Inácio do Amaral e Roberto Marinho.

    Einstein permaneceu no Rio de Janeiro do dia 4 até dia 12 de maio; recebeu presentes, levou consigo a lembrança de uma recepção calorosa e a visão duma natureza encantadora e deixou no Brasil a visão do que ele tinha de melhor: a sua inteligência e a sua bondade.

    À Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, à Biblioteca Municipal de São Paulo (em particular às seções de periódicos e microfilmagem dessas instituições) e ao sr. Geraldo Nunes, responsável pelo gabinete fotográfico do Instituto de Física da USP, quero agradecer pela eficiência no atendimento de meus inúmeros pedidos.

     

    NOTAS DO EDITOR:

    1. Em 1922 já havia uma discussão na Instituição Cultural Argentino Germana para convidar Einstein para ir à Argentina. Em outubro do mesmo ano, o físico Jorge Duclout propôs ao Conselho da Universidade de Buenos Aires que fizesse um convite a Einstein para dar uma série de palestras.

    2. Ainda antes da partida de Einstein da Alemanha, o rabino Raffalovih enviou um convite a Einstein, em nome de Aloysio de Castro e de Paulo de Frontin, convidando-o a visitar a capital brasileira quando de seu retorno da Argentina. Ele acrescentou que a comunidade judaica, que ele liderava, teria uma grande honra em saudá-lo. Einstein aceitou o convite, o qual foi reforçado quando de sua primeira passagem pelo Rio.

     

     

    Artigo publicado originalmente na revista Ciência&Cultura, 31(12), dezembro de 1979. Disponível na Hemeroteca da Biblioteca Nacional.