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    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.71 no.4 São Paulo out./dez. 2019

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602019000400003 

    BRASIL
    UNIVERSIDADE

     

    30 anos de autonomia das estaduais paulistas

     

     

    Mariana Garcia de Castro Alves

     

     

    O Decreto nº 29.598/1989, assinado pelo então governador Orestes Quércia (1938-2010), que deu autonomia de gestão financeira às universidades estaduais paulistas vem sendo celebrado como marca de uma decisão acertada que elevou a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) a posições significativas em rankings de produtividade. Pelo decreto, um percentual fixo da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) passou a ser destinado às universidades. Inicialmente estabelecido em 8,4%, em 1995, no governo de Luiz Antonio Fleury Filho, o percentual foi ampliado para 9,57% do ICMS. Reafirmado anualmente nas leis orçamentárias da Assembleia Legislativa, o texto que garante o repasse de percentual consta apenas desse decreto.

    Evento realizado em 15 de agosto na USP comemorou os trinta anos do decreto. Com organização do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp), a comemoração ocorreu junto com reunião dos conselhos universitários da USP, Unesp e Unicamp, na qual moção de apoio à autonomia foi aprovada. Essa forma de autonomia financeira não é adotada em nenhuma outra unidade da federação e nem nas universidades federais. Único no mundo, o modelo permitiu níveis de excelência às três instituições. Atualmente, mais de um terço (35%) de toda a produção científica nacional indexada na base de dados Web of Science vem da USP, Unesp e Unicamp.

     

    CONDIÇÃO PARA ESTABILIDADE

    A estabilidade orçamentária, conquistada com a autonomia, veio resolver muitas questões das universidades paulistas. "O problema da insegurança financeira era muito aflitivo para as universidades", lembra Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, então secretário de Ciência e Tecnologia e um dos responsáveis pela proposta que culminou na autonomia. Segundo Belluzo, a insegurança orçamentária tinha um impacto muito negativo sobre os programas de pesquisa: "a pesquisa exige um fluxo de recursos regular: você não pode interromper uma pesquisa no meio porque isso gera danos nos resultados", pontua.

    O presidente do Cruesp e reitor da Unicamp, Marcelo Knobel, compara o período anterior à autonomia com o que ocorre hoje nas universidades federais: "De fato, tudo o que as federais precisam, fora os salários, acaba sendo negociado no ministério. A autonomia permitiu manter a estabilidade para que as universidades (estaduais paulistas) tivessem condições de preparar o seu planejamento estratégico, estabelecer prioridades e, com isso, crescer, sempre dentro de um limite financeiro", ressalta Knobel.

     

    CONJUNTURA DA ÉPOCA

    A discussão pela autonomia foi demorada, principalmente pelo debate sobre os critérios para o estabelecimento do porcentual, conta Belluzzo. "Eu estava fora do governo, mas o governador de então, Orestes Quércia, me falou 'olha, eu queria que você viesse aqui para implantar a autonomia financeira porque acho que isso não é legal, fica todo tempo com conflitos até entre os secretários'", conta o economista da Unicamp. Naquele momento, as universidades estavam pontilhadas de greves. A insatisfação era principalmente com salários, corroídos pelos altos índices inflacionários e defasados frente aos das federais. Os ares da redemocratização em uma conjuntura específica permitiram que a instabilidade orçamentária fosse superada: "Teve o apoio muito decisivo do Ulisses [Guimarães, presidente do MDB e de quem Belluzzo era assessor] e da maioria do pessoal da universidade", resume. A autonomia, entretanto, não foi inscrita constitucionalmente.

     

    DESAFIOS

    Hoje, com o declínio da arrecadação e o aumento de custos das universidades, o aperfeiçoamento do modelo entra em debate. "Um dos efeitos produzidos por essa depressão na qual o Brasil entrou, por conta do tal do ajustamento, foi que a receita fiscal caiu muito", afirma Belluzzo. Como o ICMS é um imposto sobre o consumo, quando há retração das transações, há o declínio da arrecadação. Isso afeta diretamente o orçamento das universidades.

     

     

    Para aperfeiçoar esse modelo, de acordo com Belluzzo, seria necessário criar um fundo de prevenção com aplicações financeiras, bem administrado, para atender às exigências de um período de retração. Além disso, planejar a expansão e preservar o caráter público da universidade, sem cobrança de mensalidade. "Hoje os aposentados da previdência têm um peso enorme no orçamento das universidades", constata. No caso da Unicamp, na época da assinatura do decreto, o comprometimento com aposentados era de 2% da folha. Hoje, atinge 35%.

    Na opinião de Belluzzo, é preciso autocrítica: "Como houve um período de crescimento econômico muito expressivo, sobretudo no período Lula, em torno de 4%, a receita fiscal cresceu muito. Minha opinião é que faltou cuidado. Algumas universidades montaram, outras não, um fundo de estabilização para atender ao momento de queda da receita". Na visão de Knobel, o aprimoramento é necessário: "Nesse momento, a gente está vivendo numa recessão, então é um modelo que a gente tem realizado com muito sucesso, mas eu não considero que seja um modelo fechado", afirma o reitor da Unicamp. Para Knobel, as universidades têm trabalhado nesse aprimoramento criando mecanismos de controle, de transparência, e trazendo a participação da sociedade em suas decisões.

    A proposta de federalização de todos os impostos e o fim do ICMS em uma iminente reforma tributária afetariam severamente as universidades estaduais, não apenas as paulistas. Essa é a preocupação atual nas discussões do Cruesp. Para o presidente do conselho, trata-se de um momento em que as universidades estão sendo muito atacadas: "Momento de fragilidade institucional, em que essas questões devem ser colocadas de maneira muito clara", alerta. "A autonomia financeira é uma condição para você garantir uma autonomia científica, de investigação, de debates. Ela existe para proteger a verdadeira autonomia da universidade", esclarece Belluzzo.

    E Knobel completa: "uma autonomia plena se dá com essa conjunção de fatores que a gente com muito esforço e custo conseguiu construir aqui no estado de São Paulo e que tem resultados impressionantes dos quais nos orgulhamos muito", finaliza.