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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.71 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2019

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602019000400008 

    ARTIGOS
    MULTILINGUISMO

     

    Apresentação: o multilinguismo em oito quadros

     

     

    Gilvan Müller de Oliveira

    Professor associado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde coordena a Cátedra Unesco em Políticas Linguísticas para o Multilinguismo (UCLPM/UFSC) (2018-22), que envolve 22 universidades em 13 países. Contato: gimioliz@gmail.com

     

     

    Este Núcleo Temático, organizado pela Cátedra Unesco em Políticas Linguísticas para o Multilinguismo (UCLPM), com sede na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, insere-se no âmbito do Ano Internacional das Línguas Indígenas das Nações Unidas, para chamar a atenção da comunidade científica brasileira e dos demais países de língua portuguesa para problemáticas e oportunidades do atual momento histórico em relação à diversidade linguística e cultural do mundo.

    A Cátedra Unesco em Políticas Linguísticas para o Multilinguismo é uma rede de pesquisa constituída de universidades, institutos, redes especializadas e academias de 13 países em quatro continentes para gerar conhecimento sobre os diferentes contextos do multilinguismo, sobre as políticas linguísticas desenvolvidas nesses contextos e as suas implicações para o desenvolvimento sustentável dos cidadãos, comunidades linguísticas, regiões e países.

    Os produtos da Cátedra - publicações, eventos, mobilidade acadêmica, capacitação em nível de pós-graduação, serviços de consultoria a comunidades linguísticas e governos - dialogam com os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, que em sua maioria não podem ser cumpridos a contento - por exemplo na área da educação, da saúde, da paz… - a não ser que as línguas dos implicados nos processos de desenvolvimento sejam levadas em conta. A Cátedra pretende, assim, que ninguém fique para trás em termos linguísticos e que as línguas possam ser entendidas crescentemente como direitos e ao mesmo tempo como recursos das suas comunidades linguísticas, rumo a um recurso compartilhado que se chama multilinguismo.

    O Ano Internacional das Línguas Indígenas ora em curso é uma das iniciativas na mesma direção, é uma observância das Nações Unidas para 2019, coordenada pela Unesco, com o objetivo de promover a conscientização sobre os perigos por que passam as línguas indígenas em todo o mundo, e para favorecer o estabelecimento de vínculos entre as línguas, o desenvolvimento, a paz e a reconciliação. As ameaças pelas quais passam as línguas indígenas são um sintoma das ameaças contra a vida e os direitos sociais e econômicos dos povos indígenas.

    Cerca de 370 milhões de pessoas constituem os povos indígenas hoje, distribuídos em quase cinco mil culturas diferentes em 90 países, ou pouco menos do que a metade de todos os países do mundo. A maioria das 2.442 línguas ameaçadas de extinção no mundo hoje são indígenas, em conformidade com o Atlas Unesco das Línguas do Mundo em Perigo [1]. Todas as 180 línguas indígenas brasileiras (274 pelos critérios de autodeclaração do Censo Demográfico do IBGE de 2010) estão incluídas em uma das cinco categorias do índice de vitalidade negativa do Atlas: vulnerável, definitivamente em perigo, severamente em perigo, criticamente em perigo e extinta, o que nos dá uma demonstração da importância da temática para o Brasil.

    Para mais além dos muitos aspectos relativos às línguas indígenas propriamente ditas, este dossiê traz uma amostra da complexidade do multilinguismo hoje no mundo, das suas muitas camadas e imbricações.

    Teresa Moure, no primeiro artigo, afirma que na Galiza, sua terra, a língua também está enferma, como as línguas indígenas, e que os galegos são, por muitas razões, indígenas no contexto da lusofonia. Realiza com o seu artigo uma importante reflexão sobre o conceito de indígena e sua extensão, e nos mostra como as dinâmicas linguísticas dos Estados Nação e da globalização ameaçam mesmo comunidades linguísticas muito maiores e mais numerosas.

    Christopher Stroud e Jason Richardson mostrarão que ainda que o multilinguismo ofereça uma maneira de superar as diferenças e abrir espaços para o engajamento e a empatia com os outros, as suas construções contemporâneas na África do Sul, tanto na política quanto na prática cotidiana, continuam a reforçar as divisões racializadas herdadas dos usos históricos da linguagem como ferramentas do colonialismo, através dos mecanismos de governança no apartheid, o sistema de exploração e de racismo institucional sancionado pelo Estado. Abrem uma discussão fundamental sobre os modelos de gestão das línguas pelos Estados.

    No momento seguinte o dossiê focaliza, no artigo de Umarani Pappuswamy e no artigo de Bapuji Mendem e Arulmozi Selvaraj (este disponível somente na versão on-line da Ciência & Cultura no SciELO), o complexo multilinguismo da Índia. O primeiro apresenta um quadro da diversidade linguística do país, à luz dos dados do Censo Linguístico da Índia e discute em seguida dois tópicos inter-relacionados, o estatuto das minorias étnicas e as políticas de reversão da perda linguística. O segundo explorará uma vertente histórica, demonstrando como se conformou, ao longo dos séculos, a sociedade indiana multilíngue.

    Mais adiante, Gatut Susanto e Suparmi nos apresentam um panorama sobre outro dos países mais multilíngues do mundo, a Indonésia, focalizando as políticas de registro, conservação, promoção e revitalização das línguas indígenas do país. A comparação entre as discussões para a Índia e a Indonésia trazem para o público de língua portuguesa muitas informações novas e sugestões importantes para o trabalho com as línguas indígenas.

    Edleise Mendes mantém o foco no multilinguismo e na interculturalidade, abordando a situação da educação escolar indígena do Brasil. Além de apresentar um panorama da situação, discute se e em que medida a interculturalidade como princípio operacional está presente nas escolas indígenas brasileiras.

    Os dois últimos artigos trazem para o palco outro dos grandes contextos do multilinguismo do século XXI: as migrações internacionais e a conformação de cidades plurinacionais e de Estados pós-nacionais. Vicent Climent-Ferrando tematiza o interessantíssimo caso de Barcelona, Espanha, demonstrando que as cidades se tornaram um laboratório de experimentação com o multilinguismo. Magomed Omarov, por sua vez, discute a situação e as políticas para os imigrantes internacionais na Federação Russa, o quarto maior receptor de imigrantes no mundo, com mais de 11 milhões, e nos apresenta as tensões que a imigração provoca na natureza e nas ações do Estado.

    As identidades, o racismo, as minorias, os conflitos étnicos, as políticas públicas, a educação, as migrações, os direitos, a economia, entre outros, são temas discutidos neste Núcleo Temático pelos pesquisadores da Cátedra Unesco em Políticas Linguísticas para o Multilinguismo, quase todos coordenadores da Cátedra nas suas respectivas universidades em sete diferentes países e em quatro continentes. A análise e o fomento do multilinguismo vai se constituindo assim, mais e mais, no século XXI, como uma linguística das sociedades, associada, via políticas linguísticas, com equidade, desenvolvimento e justiça social.

     

    NOTAS

    1. http://www.unesco.org/languages-atlas/index.php