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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.71 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2019

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602019000400016 

    ARTIGOS
    MULTILINGUISMO

     

    O papel das línguas indígenas na evolução e crescimento do multilinguismo na índia

     

     

    Mendem BapujiI; S. ArulmoziII

    IProfessor assistente na Universidade KL, Índia. Contato: mendembapuji@gmail.com
    IIProfessor assistente na Universidade de Hyderabad, Índia. Contato: arulmozi@gmail.com

     

     

    Se analisarmos a história linguística da Índia, existem muitas teorias especulativas sobre o momento e o local de surgimento de diferentes grupos linguísticos e a natureza do contato com os grupos já existentes na região. Diversos antropólogos, historiadores e linguistas como Kuiper [1], Thapar [2] e Krishnamurti [3], bem como outros, apresentaram suas ideias sobre o advento de diferentes grupos linguísticos, especialmente o indo-ariano (um sub-ramo da família de línguas indo-europeias) e sua confluência com o dravidiano (um grande grupo independente de línguas, concentrado principalmente nos estados do sul e central da Índia). As teorias sobre o surgimento dos diferentes grupos linguísticos na Índia geralmente não se apoiam em evidências arqueológicas ou históricas, mas em evidências linguísticas (lexicais e sintáticas) de textos anteriores - por exemplo, escritos em sânscrito védico - e os textos subsequentes.

    De acordo com Kuiper [4], o primeiro grupo linguístico que chegou à Índia foi o ariano, por diferentes grupos que compartilhavam a mesma vida cultural e falavam uma forma antiga de linguagem indo-ariana. Segundo Thapar [2; p.16-17] indo-arianos:

    "eram basicamente uma comunidade pastoral que mantinha os rebanhos de gado como sustentáculo econômico, falando uma forma de indo-ariano antigo e praticando certos rituais. Os não-arianos com quem entraram em contato e que não subiram ao seu nível eram chamados d:saordasyu-; eram de pele escura () e falavam indistintamente (mṛdhrawa:caḥ). Muito provavelmente estes poderiam ser os falantes das línguas dravídicas; algumas tribos provavelmente também falavam as línguas munda. Vários clãs de arianos migraram do Irã sob a liderança de Indra, que ajudou diferentes grupos a se moverem para o leste e atravessarem os rios Ravi, Beás e Sutlej. "Indra lidera os clãs dos arias através de regiões difíceis de atravessar" ( 6.22.7). Alguns desses clãs pareciam ter uma origem mista, possivelmente através de casamentos com não-arianos, por exemplo, os Purus, Ya:du e Turvasa, que foram aceitos na sociedade ariana." (citado em [3, p.35-36])

     

     

    Quando os grupos arianos começaram a migrar para a Índia, algumas comunidades indígenas que provavelmente falavam línguas dravídicas foram absorvidas nesses grupos arianos por meio de casamentos. A mistura de grupos não-arianos com arianos resultou no surgimento de várias palavras estrangeiras (em dravidiano) na literatura Rig Veda relacionadas a plantas, animais, áreas geográficas, nomes pessoais e alguns nomes tribais. Kuiper [4] e Das [6] discutem a existência de palavras estrangeiras na literatura Rig Veda. Por exemplo, "nome". A figura 2 ilustra a distribuição de vários grupos linguísticos e seus assentamentos em áreas geográficas específicas da Índia.

     

     

    EMERGÊNCIA DO BILINGUISMO

    À medida que aumentava na Índia o número de diferentes grupos arianos que praticavam a mesma cultura, surgiam diferenças culturais e linguística em relação aos grupos remanescentes que habitavam a região e que não foram assimilados aos bandos arianos. Àquela altura, observa-se que o encontro cultural e linguístico deu origem a uma espécie de bilinguismo desenvolvido entre os dois grupos. Não havia evidências, no entanto, de que tipo de competência bilíngue eles tinham na época. Enquanto as diferenças aumentavam, o grupo dravídico, com pele escura e tratado como da:sa ou da:syu ("desigual ao nível dos arianos"), migrava para a parte central da Índia, também conhecida como Dandaka:raNya, que já estava ocupada por uma comunidade de falantes de línguas munda. Assim, conforme se deslocavam, os dravidianos tiverem que se confrontar com outro grupo linguístico, da família munda - outra instância que abriu caminho para a situação bilíngue. Ou seja, devido ao confronto com o grupo ariano, os grupos de língua dravídica se deslocaram e mais uma vez tiveram que enfrentar as diferenças culturais e linguísticas com outro grupo, as comunidades de línguas munda. Portanto, os dravidianos do noroeste encontraram os arianos, supostamente bilíngues, e na Índia central encontraram os grupos de língua munda, também considerados bilíngues, o que permite supor que os dravidianos enfrentaram os grupos arianos e munda em dois lugares e tempos diferentes.

    Aqueles grupos dravidianos que não puderam coexistir com as comunidades de língua munda migraram para a região sul da Índia e fizeram suas línguas florescerem como línguas literárias majoritárias na região. Alguns grupos menores, no entanto, permaneceram na Índia central. A terceira situação de emergência do bilinguismo ocorreu quando os grupos de língua indo-ariana começaram a se espalhar para a Índia central - que consiste em partes dos estados indianos Maharashtra, Madhya Pradesh, Chattisgarh, Odisha e Andhra Pradesh - e os povos indígenas pertencentes a ambas famílias de línguas dravídica e munda se mudaram para regiões mais interiores e para as entranhas de áreas montanhosas.

     

    SURGIMENTO DE OUTROS GRUPOS LINGUÍSTICOS NA ÍNDIA

    Ao lado dos grupos de falantes de idiomas dravídicos, indo-arianos e da família munda que entraram na Índia estão os grupos falantes da língua tibeto-birmanesa. Como discutido na Pesquisa Linguística da Índia [7, p.42]

    "Os tibeto-birmaneses parecem ter migrado primeiro de seu assento original nos cursos superiores dos [rios] Yang-tse e Hoang-ho em direção às águas do Irrawaddy e do Chindwin. Mais tarde, acredita-se que alguns seguiram o curso superior do Brahmaputra, do Sanpo, ao norte do Himalaia. Alguns deste grupo atravessaram a bacia hidrográfica e ocuparam as colinas no lado sul da cordilheira do Himalaia, ao longo de Assam, no leste, até o Punjab, no oeste. Alguns outros grupos ocuparam as colinas de Garo e depois o que é conhecido como o estado de Tippera."

    Outros membros das comunidades de língua tibetano-birmanesa ocuparam o vale de Assam e mais tarde as colinas de Naga. Posteriormente, os grupos se espalharam por quase todo o nordeste indiano.

    Após muitos séculos, os sultões de Delhi invadiram a região e estabeleceram seu governo por volta de 1206 d.C. Durante esse período, a cultura islâmica e a língua persa chegaram à Índia, marcando o desenvolvimento do "hindustani", um idioma misto de hindi e urdu. Mais tarde, no século XV, os mongóis ocuparam a Índia e, nesse intervalo, muitas línguas receberam seu espaço, sendo utilizadas em diferentes contextos: o persa como língua da corte, o árabe para cerimônias religiosas, o urdu como língua da classe dominante e o chagatai turco nos estágios iniciais de seu governo. Posteriormente, durante a era das descobertas e do comércio, muitas línguas europeias entraram na Índia. Alguns desses idiomas são o português, o dinamarquês, o inglês e o francês - este ficou restrito a Pondicherry (assentamento de colonos franceses na Índia que durou até 1954) e o inglês subiu ao nível de idioma oficial no país.

    A história de migrações no território indiano, como se pode ver, contribuiu para a variedade de línguas e famílias linguísticas encontradas na Índia atualmente. As línguas indo-arianas dividem-se em línguas indo-arianas antigas, médias e modernas; o dravidiano em dravidiano sul I, dravidiano sul II, dravidiano central e dravidiano do norte; as línguas munda em superior e inferior; e tibeto-birmanês nas línguas siníticas, bodicas, daicas, burmicas e barmicas. Mais tarde, como mencionado, o persa, o árabe, o urdu, o hindustani, o português, o dinamarquês, o inglês e o francês entraram na Índia. Nessa situação, pode-se chamar a Índia de um país multilíngue ou de uma nação de vários idiomas?

     

    PERFIL LINGUÍSTICO DA ÍNDIA

    O perfil linguístico da Índia varia de diferentes perspectivas. O Censo da Índia, que é a única fonte para a estimativa de idiomas no país, varia entre as suas edições na lista linguística e no número de idiomas elencados. O Censo da Índia de 2011 [8], por exemplo, agrupa os idiomas conforme exposto na tabela 1. Se compararmos o total de idiomas listados e não listados [9] que aparecem nos censos de 2001 e de 2011, há uma variação na soma final: em 2001, eram 122 idiomas e, em 2011, 121. O motivo da variação se refere à exclusão do simte (língua pertencente à família sino-tibetana) e do persa - que não contabilizaram número suficiente de falantes em 2011 - e a inclusão do sopvoma ou mao, uma língua angami que contabilizou mais de dez mil falantes em toda a Índia no censo de 2011.

    Reddy [10] afirma que o número total de idiomas falados na Índia de acordo com o censo apresenta diferença em relação ao número real estimado - que seria de cerca de 200 línguas faladas no país, 80% das quais indígenas e minoritárias/secundárias. O Censo da Índia de 2011 [8] relacionada os 22 idiomas listados na Constituição do país como oficiais e mais 100 idiomas não oficiais. Uma estimativa mais real para o número de idiomas em cada um das famílias de línguas, no entanto, seria como segue na tabela 2.

     

     

    Com base no perfil linguístico acima, todas as 215 línguas são classificadas em vários grupos, a saber, línguas principais/secundárias, literárias/não literárias e listadas/não listadas (na Constituição) [10]. O status e as dimensões sociolinguísticas, políticas e econômicas da classificação dicotômica das línguas principais e secundárias podem ser vistos na tabela 3.

     

    CONTATO E CONVERGÊNCIA

    Na história dessa terra antiga que é a Índia, a linguagem tem sido uma força bidirecional, empregada para vinculação e identidade. Além de configurar uma força bidirecional, a língua também funciona como um elemento de ligação em muitos lugares da Índia, onde os idiomas pertencem a diferentes famílias de línguas que são "geneticamente" diferentes. De acordo com Reddy, "Com sua tolerância linguística motivada pela exogênese da sobrevivência, as pessoas aprenderam os idiomas de seus vizinhos para a comunicação entre grupos. Muitas vezes, esse era um processo unidirecional - o grupo minoritário e menos privilegiado optando pelo código do grupo maior e mais privilegiado -, mas a interação sempre teve o impacto bidirecional, levando ao compartilhamento mútuo de características e influências" [11, p.1]. A figura 3 ilustra a distribuição geográfica de cada família de idiomas, que se estabeleceram no subcontinente indiano.

    O aprendizado de línguas vizinhas abriu caminho para o estabelecimento do bilinguismo, em geral, e do multilinguismo, em particular, na Índia. De acordo com Ramaiah & Reddy [12], a maioria dos falantes de línguas secundárias é bilíngue ou multilíngue e o bilinguismo ou multilinguismo encontrado no país é iletrado. Assim, os falantes iletrados das línguas indígenas indianas são os principais veículos para o transporte inconsciente de características linguísticas de uma família para outra. Pandit [13] afirma ainda que o bilinguismo na Índia é estável e insubstituível, lançando as bases para a convergência cultural. Ou seja, segundo o autor, uma vez que a cultura é codificada na língua, a convergência cultural, por sua vez, abriu caminho para a convergência linguística, resultando em comunhão entre as línguas indianas.

    Na Índia Central, especialmente no estado de Odisha, se pode ver a confluência de diferentes grupos linguísticos e a coexistência de vários grupos étnicos e indígenas - ao menos 62 comunidades indígenas podem ser facilmente observadas na região. É o local onde muitas características linguísticas foram transferidas ou migradas de um grupo linguístico para outro e onde o aspecto iletrado do bilinguismo ou multilinguismo parece ter desempenhado um papel vital na transferência desses traços. A Índia Central, representada por Odisha, apresenta-se como uma área sub-linguística, com a difusão de traços de cada um dos grupos linguísticos nos outros, todos envolvidos ativamente na situação de contato, conforme detalhado em Reddy [14, 15]. Como Mohanty [16, p.18] ressalta, com razão, a região de Odisha atua como um corredor de convergência através do qual muitas características linguísticas migraram de uma família de línguas para outra.

     

    SURGIMENTO DA COMUNHÃO ENTRE OS IDIOMAS INDIANOS

    Conforme mencionado, o contato prolongado entre os vários grupos linguísticos abriu caminho para a difusão de traços de grupo para outro. Essa influência mútua e a troca de traços linguísticos fizeram com que diferentes grupos surgissem de uma maneira semelhante, independentemente da afiliação genética, conforme postulado por Emeneau em seu artigo seminal de 1956 [17]. O autor afirma que houve uma enorme quantidade de troca entre as línguas indianas, o que levou a uma profunda convergência entre as línguas pertencentes às famílias indo-ariana, dravídica e munda. Convergência, de acordo com Brown [18], é o processo no qual duas variedades linguísticas se tornam mais parecidas umas com as outras; tipicamente, uma variedade fora do padrão se tornando mais parecida com o padrão.

    Para que se descubra o que é comum entre os idiomas, é possível utilizar técnicas que auxiliam no diagnóstico, como as técnicas tipológicas e históricas postuladas por Reddy para as línguas manda e Kkvi [11]. Usando tais abordagens, primeiro é preciso procurar todas as regras gramaticais compartilhadas entre as fronteiras genéticas das famílias de línguas, que são identificadas com base nas semelhanças estruturais registradas nos dados de campo. Em segundo lugar, para cada item gramatical que os idiomas compartilham, a fonte (ou seja, o doador) e a meta (ou seja, o destinatário) devem ser identificados para que se determine para qual grupo o recurso é natural e onde ele está - se uma inovação ou empréstimo devido ao contato. Na ausência de registros históricos, isso pode ser feito comparando os idiomas envolvidos (especialmente os dravidianos e indo-arianos) com outros geneticamente relacionados, mas fora da área de contato. Com base nisso, pode-se dizer que a convergência é atribuída à emergência de um dos grupos linguísticos nas proximidades. Por fim, esse tipo de abordagem contribui para a noção de que a área em que se trabalha passa por uma convergência real - formando uma área linguística em miniatura por si só [12].

     

    CARACTERÍSTICAS COMUNS DAS Á REAS LINGUÍSTICAS E SUB-LINGUÍSTICAS

    A palavra "sprachbund" foi usada pela primeira vez em 1923, por Trubetzkoy (conforme citado em Emeneau [17]), ao dizer que diferentes idiomas dos Balcãs meridionais apresentavam semelhanças gramaticais que não são atribuídas à herança genealógica, mas à convergência. Mais tarde, em 1943, Velten traduziu a palavra para o inglês como "área linguística" [17]. Após treze anos de tradução, em 1956, Emeneau usou o termo para o contexto indiano, definindo-o como "uma área geograficamente contígua, caracterizada pela existência de características linguísticas comuns compartilhadas por idiomas geneticamente não relacionados" [17].

    Como visto nas seções acima, as línguas do subcontinente indiano ganharam semelhanças independentemente de suas relações genéticas, como é o caso dos elementos a seguir, resultado da profunda convergência entre as línguas no país: ordem das palavras, sons de retroflexão, ausência de preposições, sincretismo de caso, marcadores de perguntas sim/não, substituição de distinções inclusivas exclusivas de pronomes a verbos, reduplicação morfológica, eco-formação, verbos compostos (bait jaaiye, deklijiye, aajaaiye etc.), particípio conjuntivo (gharjaa-karkhanakaa-khar so gaya), causadores (pina "bebida" (tr), pi-l-ana "causativo", pi-l-wana).

    As características acima são alguns exemplos do que de comum pode ser observado em idiomas indianos, independentemente da afiliação genética. Esses traços comuns somente surgiram por causa da população de bilíngues ou multilíngues iletrados, portadores inconscientes de traços linguísticos de uma família de línguas para outra.

     

    PROPORÇÃO MULTILÍNGUE ENTRE INDIANOS (EVIDÊNCIAS DO CENSO)

    O Censo da Índia, criado em 1872, é um órgão autônomo diretamente ligado ao Ministério do Interior que tem como principal dever coletar os dados do censo a cada dez anos. Em agosto de 1961 foi criada no órgão uma divisão específica de linguagens, com a finalidade de auxiliar o registrador geral da Índia na apresentação sistemática de tabelas de idiomas através do processo de racionalização e classificação das informações relacionadas à língua materna coletadas durante a enumeração do censo. A organização segue a classificação estabelecida por Grierson para idiomas e dialetos indianos na Pesquisa Linguística da Índia realizada entre 1894-1928. A divisão de linguagens também trabalha para produzir o esboço gramatical dos idiomas específicos de cada estado, juntamente com suas estatísticas demográficas, proporção bilíngue e trilíngue da população em todo o país e outras informações sociolinguísticas.

    Os dados da tabela 4 mostram que 96,71% da população indiana têm um dos 22 idiomas oficiais como língua materna e que o restante 3,29% da população possuem como língua materna idiomas não listados na Constituição (acima de 10.000 falantes) e idiomas secundários (comunidades com menos de 10.000 falantes). As estatísticas do Censo da Índia mostram também que a maioria da população indiana que fala idiomas oficiais é monolíngue e que, por outro lado, os falantes dos idiomas não oficiais são bilíngues ou multilíngues (estes são mais numerosos no norte da Índia em comparação com outras partes do país). Nesse contexto, como tratar a Índia como um país multilíngue, dado que o multilinguismo pode ser visto somente em "ilhas" - como áreas de fronteira, áreas linguísticas e sub-linguísticas, áreas espalhadas com comunidades indígenas e em algumas cidades. Ou seja, a Índia não é um país multilíngue, mas uma nação de muitas línguas com "ilhas" de bilinguismo e multilinguismo.

     

     

    Violação dos artigos 350A e 350B Os artigos 344 (1) e 351 da Constituição indiana listam catorze idiomas como línguas oficiais da República da Índia, a saber: assamês, bengali, gujarati, hindi, canarim, caxemira, malaiala, marata, oriá, punjabi, sânscrito, tâmil, telugu e urdu. Posteriormente, outros oito idiomas passaram a também ser reconhecidos, totalizando atualmente 22 línguas oficiais: sindi, em 1967; konkani, manipuri e nepali, em 1992; e bodo, dogri, maithili e santali, em 2003. Esses 22 idiomas são usados para fins oficiais e administrativos dos respectivos estados nos quais eles são falados e recebem apoio do governo da Índia para o enriquecimento da literatura, educação e cultura. Outra grande vantagem para esses idiomas é que eles também encontram um lugar nas notas da moeda indiana. O restante dos idiomas falados na Índia - que não recebem nenhum tipo de benefício do governo - é tratado como "não listado" (na Constituição), no caso de idiomas com mais de 10.000 falantes; e como idiomas secundários ou minoritários (idiomas com menos de 10.000 falantes).

    Durante a redação da Constituição da Índia, o comitê responsável entendeu a situação linguística indiana, ou seja, de um país de muitas línguas, e foi garantido no texto o direito educacional por meio do artigo 350A, que estabelece que a "autoridade dentro do Estado deve fornecer instalações adequadas para instrução na língua materna no estágio primário da educação de crianças pertencentes a grupos minoritários linguísticos; e o presidente poderá emitir as instruções para qualquer estado que considerar necessário ou adequado para garantir o fornecimento de tais instalações". Filhos de minorias linguísticas da Índia, independentemente de sexo, região e casta, portanto, gozam do direito de passar pela educação primária em sua própria língua materna. Isso, no entanto, nunca foi implementado no caso de crianças pertencentes a línguas indígenas, que contribuíram para a evolução e o crescimento do multilinguismo. Como resultado, as crianças indígenas do país são privadas da educação na língua materna, o que acaba resultando em pobreza e desemprego entre o grupo.

    Outro artigo da Constituição, 350B, determina que um oficial especial nomeado investigue todos os assuntos relacionados à salvaguarda dos direitos das minorias linguísticas sob a Constituição e, nesses casos, o presidente pode dirigir ou pedir ao oficial que apresente o relatório diante de cada casa do parlamento e que o envie aos governos dos estados envolvidos. No contexto do bilinguismo e do multilinguismo, Pearl e Lambert [19] defendem que os falantes de mais de uma língua terão melhores habilidades cognitivas. No caso de crianças indígenas, no entanto, apesar de serem bilíngues ou multilíngues, elas não conseguem ingressar nos grupos dominantes devido ao fato de que sua instrução se dá em outras línguas (dos estados) que não a língua materna. Por esse motivo Reddy afirma que a maioria dos povos indígenas da Índia são bilíngues ou multilíngues iletrados [11]. Ele enfatiza que, se essas pessoas tiverem a oportunidade de receber educação em sua língua materna, terão sucesso nos grupos dominantes.

     

    EXCLUSÃO DE IDIOMAS MINORITÁRIOS POR DIVISÃO DE IDIOMAS (CENSO DA ÍNDIA)

    A divisão especial de idiomas do Censo da Índia não inclui em seus levantamentos, por motivos desconhecidos, as comunidades linguísticas que têm menos de dez mil falantes. Esses idiomas são tratados como "outros idiomas", à parte dos idiomas listados (oficiais) e não listados na Constituição do país, recebem menos importância e são negligenciados já há muitas décadas. Esses falantes de "outros idiomas", no entanto, consistem em 0,15% da população total da Índia. Além disso, os idiomas não oficiais e os "outros idiomas" são os principais contribuintes para a evolução e o desenvolvimento do bilinguismo ou do multilinguismo na Índia.

     

    DIVERSIDADE LINGUÍSTICA E BIODIVERSIDADE

    O tema da diversidade ecológica é discutido diariamente por pessoas no mundo todo, mas de acordo com Bapuji [20], quando discutimos a biodiversidade, devemos discutir também a diversidade linguística. A diversidade linguística e a biodiversidade seriam, assim, conceitos dicotômicos e inseparáveis. Nesse contexto, Mohanty afirma: "A ecodiversidade ou a biodiversidade só é possível na Índia quando a diversidade linguística é mantida" [21]. Para ele, o motivo da coordenação desses dois conceitos reside na reciprocidade: as comunidades que vivem no seio da natureza conhecem muito bem o ecossistema, que está codificado no seu idioma.

    Para provar seu ponto de vista, o linguista realizou, em 2013, uma breve pesquisa com 20 alunos sobre o ecossistema no campus da Escola de Humanidades da Universidade de Hyderabad (Índia). A pesquisa tinha como objetivo tornar as instalações da Escola de Humanidades limpas e bonitas. Quando perguntou aos alunos como eles fariam isso, muitos deles responderam que seria necessário cortar muitas plantas e colocar um gramado no lugar. As razões apontadas se relacionavam ao fato de que a maioria dos estudantes que fizeram parte da pesquisa não conheciam os nomes de muitas plantas e seus usos. O resultado da pesquisa apoia, portanto, a noção de que a manutenção da diversidade linguística é necessária para manter também a biodiversidade. As culturas, tradições, as percepções do mundo são expressas através da linguagem, que está relacionada à ecologia. Um esforço no sentido de estudar essas línguas secundárias, portanto, poderia impedir a perda de sistemas de conhecimento, tradições, culturas e, finalmente, as próprias línguas, que contribuem para a evolução e o desenvolvimento do bilinguismo ou multilinguismo na Índia.

     

    CONCLUSÃO

    Levando-se em consideração a população total da Índia, 96,71 por cento dos habitantes têm como língua materna um dos idiomas listados na Constituição do país, e os 3,29 por cento restantes possuem, também como língua materna, idiomas considerados como não oficiais. Se os estudiosos afirmam que a Índia é um país multilíngue, isso ocorre por causa dessa minoria populacional, que geralmente fala mais de um idioma - sendo, portanto, os principais contribuintes para a evolução do bilinguismo e multilinguismo na Índia. Tais idiomas devem ser incluídos no Censo da Índia nominalmente, independentemente da força e do número da população falante. São línguas nas quais a filosofia e o modo de vida indianos são preservados e mantidos - e, se esforços forem realizados no sentido de preservação e proteção das próprias línguas, a diversidade linguística será mantida, trazendo benefícios diversos, inclusive para manutenção da biodiversidade do país.

     

    AGRADECIMENTOS

    Somos muito gratos a Gilvan Müller de Oliveira, Panchanan Mohanty, G. Uma Maheswara Rao e B. Ramakrishna Reddy por suas valiosas sugestões e ajuda na preparação deste artigo.

     

    REFERÊNCIAS:

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    3. Krishnamurti, B. Dravidian languages. Cambridge: Cambridge University Press. 2003.

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    5. Joseph, T. "How genetics is settling the aryan migration debate".The Hindu , 16 de junho de 2017. Disponível em: https://www.thehindu.com/sci-tech/science/how-genetics-is-settling-the-aryan-migrationdebate/article19090301.ece

    6. Das, R. P. "The hunt for foreign words in the Rgveda". Indo-Iranian Journal, 38(3), 207-238. 1995

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    8. Census of India 2011. Paper 1 of 2007: Language. New Delhi: Office of the Registrar General, India.

    9. Nota do editor: A Constituição da Índia lista as línguas oficiais do país.

    10. Reddy, R. B. 2018. "Odisha as Mini linguistic area". Indian Linguistics. pp 77. 1-19.

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    15. 1980. Reddy, R. B.. "Convergence in central India: Explorations into a micro-linguistic area". International Journal of Dravidian Linguistics 34: 229-255. 2007.

    16. Mohanty, P. "Dravidian substratum and indo-aryan languages". International Journal of Dravidian Linguistics, v. XXXVII, nº.1, 1-20. 2008.

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