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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.72 no.1 São Paulo jan./mar. 2020

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602020000100003 

    BRASIL
    IDHA

     

    A desigualdade escondida nos índices

     

     

    Leonor Assad; Patricia Mariuzzo

     

     

    A ONU divulgou em dezembro último o Relatório 2019 de Desenvolvimento Humano. Com o subtítulo "Além da renda, além das médias, além dos dias de hoje: desigualdades no desenvolvimento humano no século XXI", são 366 páginas de discussões, apoiadas em dados, gráficos e tabelas, que alertam para a necessidade de se combater as desigualdades que estão por toda parte e não dizem respeito apenas às questões de renda e riqueza. O Relatório enfatiza, por exemplo, a importância da educação de qualidade em todas as idades, inclusive no ensino pré-primário. Destaca também que parte das causas das desigualdades são desequilíbrios de poder que, para serem superados, exigem a adoção de medidas antitruste.

     

     

    Em que pesem as críticas à metodologia ajustada em 2010, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma média geométrica dos índices normalizados do desempenho médio dos países nas principais dimensões do desenvolvimento humano: vida longa e saudável, conhecimento e padrão de vida decente (figura 1).

     


    Figura 1 - Clique para ampliar

     

    Os índices brasileiros têm apontado melhorias. A esperança média de vida ao nascer passou de 72,9, em 2010, para 75,7, em 2018 - um ganho de quase três anos. Já a expectativa de anos de estudo passou de 13,8 para 15,4 no período. Por outro lado, o ganho na escolaridade média foi menor em oito anos, passando de 7,2 para 7,8 anos.

    Segundo Olavo Nogueira Filho, diretor de políticas educacionais da Todos Pela Educação, uma organização civil sem fins lucrativos, os indicadores de escolaridade no Brasil têm forte relação com a evasão escolar - principalmente, entre o fim do ensino fundamental e início do ensino médio. Nogueira Filho destaca que "em que pese alguns poucos estados terem conseguindo avançar mudanças importantes, essa é uma agenda que o Brasil ainda não enfrentou a contento. E aqui o problema é, fundamentalmente, um problema de modelo pedagógico que perdura há muitos anos, de um ensino médio arcaico, que não dialoga com os anseios da juventude nem com as demandas da contemporaneidade". Segundo ele, a boa notícia é que a partir de 2020, a chamada "reforma do ensino médio», disparada em 2017/2018, finalmente começará a ganhar contornos mais concretos nas redes de ensino. No entanto, Nogueira ressalta: "a proposta não resolverá todos os problemas, mas a depender da qualidade da sua implementação, pode ser um passo na direção correta".

     

    CRESCIMENTO LENTO E DESIGUAL

    Apesar de ser publicada anualmente desde 1990, a análise do IDH não pode ser feita pontualmente. Os contrastes regionais em países de grandes dimensões como Brasil, China e Rússia - os dois primeiros na categoria de desenvolvimento humano alto - são maiores do que em países como a Rússia. Dos quatro países do BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) - conforme designação adotada no Relatório - as maiores taxas de crescimento médio anual do IDH no período 2010-2018 foram observadas na Índia e na China, países de contrastes geográficos e culturais. De todo modo, ainda que perdendo posições em relação a 2017, no período 2010-2018 o Brasil teve crescimento médio superior aos vizinhos Argentina e Uruguai, que se encontram na categoria de desenvolvimento humano muito alto.

    A posição do Brasil muda quando é feita a correção considerando a desigualdade, por meio do índice de GNI que varia de 0 (igualdade absoluta) a 100 (desigualdade absoluta). No cenário mundial, o Brasil figura como um país altamente desigual. Dos 53 países com desenvolvimento humano alto, somente quatro - Brasil (53.3), Botswana (53.3), Santa Lucia (51,2) e África do Sul (63) - receberam índice de desigualdade superior a 50. A Noruega, por exemplo, que desde 2013 apresenta o maior IDH, alcançou um índice de desigualdade de 27,5. E mais, apenas seis países, todos no continente africano, alcançaram índice de desigualdade superior ao do Brasil: Moçambique (54), Lesoto (54,2), República Central Africana (56,2), Zâmbia (57,1), Namíbia (59,1) e África do Sul (63). Por isso, quando se desconta a desigualdade, o Brasil perde 23 posições no ranking mundial, a maior dentre todos os países.

     

    O VALOR DA EDUCAÇÃO

    A renda nacional bruta per capita teve um aumento de mais de 32% entre 2010 e 2018. Nogueira Filho, aponta que a educação é uma importante ferramenta para abrir horizontes e democratizar oportunidades. "Um ensino de qualidade, que prepare para o mercado de trabalho e para uma vida autônoma, é um vetor muito poderoso para romper de maneira definitiva o ciclo vicioso da pobreza e da baixa mobilidade social que castiga o Brasil", salienta. Segundo ele, o desafio é grande, porque, novamente, o desafio diz respeito à qualidade da aprendizagem (e não escolaridade apenas) - o que exige esforço estratégico da gestão pública e monitoramento constante da sociedade.

     

     

    Entretanto, horizontes, oportunidades e renda não são iguais para todos. Segundo o relatório da ONU, as disparidades de gênero continuam sendo uma das formas mais persistentes de desigualdade em todos os países e é uma das maiores barreiras ao desenvolvimento humano. Com demasiada frequência, mulheres e meninas são discriminadas na saúde, na educação, em casa e no mercado de trabalho. Considerando o índice de desigualdade de gênero, o Brasil ocupa a 89ª posição, atrás de países como Líbano (93ª posição no IDH) e China, que ocupa a 39ª posição em desigualdade de gênero. Apesar do porcentual de mulheres com mais de 25 anos que possuem alguma educação secundária ser maior do que o de homens (61% contra 57,7%), a taxa de participação no trabalho é de 74,4% para homens e de 54% para mulheres, considerando os com mais de 15 anos de idade.

    O relatório de 2018 do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), principal avaliação de qualidade da educação básica do mundo, divulgado em dezembro de 2019, aponta que o Brasil vem conquistando pontuação crescente desde 2006: 20 pontos a mais em leitura e 14 pontos a mais em matemática e em ciências. Em 2018, o exame avaliou 600 mil alunos de 15 anos de 79 países ou regiões e o Brasil ocupou a 42ª posição em leitura - foco desse ano no exame, a 58ª posição em matemática e a 53ª em ciências. Entretanto, do total de estudantes que fizeram o exame, 43% não alcançaram o nível considerado mínimo em nenhuma das áreas do conhecimento. Em matemática, esse índice cai para 32%, sendo que a média é de 76% para estudantes de países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), por vezes chamada de Grupo dos Ricos, visto que os 36 países membros produzem juntos mais da metade de toda a riqueza do mundo.

    O PISA também evidencia as desigualdades brasileiras. Estudantes de estratos sociais mais altos recebem mais apoio emocional dos pais (18,4% contra 7,7% dos mais pobres) enquanto os mais pobres têm mais apoio emocional dos professores (12%, contra 10,6% dos ricos). Estudantes de estratos sociais mais baixos tendem a ser mais cooperativos entre si (11,9% contra 10,3% dos ricos), enquanto que os mais ricos se consideram mais competitivos (13,6% contra 8,9%).

    Ou seja, desenvolvimento humano elevado depende de justiça social, educação e renda. E como assinala Nogueira Filho, exige um projeto de país que combine diferentes reformas e políticas para diminuir os abismos.