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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.73 no.2 São Paulo Apr./Jun. 2021

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602021000200006 

    ARTIGOS
    OCEANO

     

    Conexão oceano, ciência e sociedade

     

     

    Robson CapretzI; Simone MadalossoII

    ICoordenador de Ciência e Conservação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza
    IIAnalista em política e governança pela Rare Brasil

     

     

    "Pus o meu sonho num navio e o navio em cima do mar; depois, abri o mar com as mãos, para o meu sonho naufragar" [1]. No poema "Canção", Cecília Meireles narra como levou os seus anseios e desejos para o mar, a fim de que lá eles afundassem e se perdessem para nunca mais retornarem. No entanto, ao contrário do que a poeta fluminense descreve nos versos de sua famosa obra, o oceano é o lugar onde os sonhos nascem, onde a vida como a conhecemos surgiu, além de ser também peça fundamental na construção de um futuro sustentável para o nosso planeta.

    No clássico livro A terra é azul: por que o destino dos oceanos e o nosso é um só?, de 2009, a bióloga marinha Sylvia Earle já nos fazia refletir sobre a influência oceânica em nossas vidas. "Mesmo que você nunca tenha a chance de ver ou tocar o oceano, o oceano toca você a cada respiração, cada gota de água que você bebe, cada mordida que você consome. Todos, em todos os lugares, estão inextricavelmente conectados e são totalmente dependentes da existência do mar", brilhantemente colocou a autora [2].

    E não é para menos. De acordo com o Serviço Nacional de Oceano dos Estados Unidos, os organismos marinhos respondem por 50% a 80% de toda produção de oxigênio presente na atmosfera terrestre [3] - número bem maior do que o produzido pela Amazônia ou por qualquer outra floresta tropical. Mas os benefícios do oceano não param por aí. Os serviços ecossistêmicos do mar se estendem para os variados aspectos da vida, como a produção de alimentos e fármacos, sequestro e estoque de carbono, controle de erosão, regulação climática, manutenção da biodiversidade, beleza cênica, controle de doenças e depuração de poluentes, apenas para citar al-guns [4]. Contudo, diferentes estudos apontam que dadas as rápidas mudanças que vêm ocorrendo tanto com os humanos quanto com os processos biofísicos, emissões de carbono, aumento e migrações da população e sobre-exploração de espécies, muitos dos sistemas e serviços podem entrar em colapso até o final do século XXI [5].

    Diferentemente dos continentes, o oceano não tem fronteira. É, portanto, um símbolo de união entre os povos, conectando culturas e pensamentos e mostrando como todos nós dependemos uns dos outros e da natureza. Às vezes, pode parecer difícil tatear o impacto do oceano em nossas vidas, mas alguns números nos ajudam a ter uma visão mais clara. Somente no Brasil, 26% da população vive em municípios da zona costeira, o que é justificado por fatores históricos da ocupação do território brasileiro e pela tendência mundial das pessoas em buscarem áreas próximas ao litoral para viver [6].

    No mundo, cerca de 40% da população vive numa distância de até 100 quilômetros da costa [7]. Para além disso, a maioria das pessoas consideradas pobres e famintas vivem em áreas rurais, dependendo diretamente da agricultura, pesca, floresta e outros animais para sua subsistência [8]. E são esses os lugares mais afetados por eventos climáticos. Dessa população, a maior parte encontra-se concentrada nas regiões costeiras, consequentemente os ecossistemas costeiros e marinhos são algumas das áreas mais afetadas em todo o mundo [9].

    O oceano movimenta na economia entre US$ 3 trilhões e US$ 6 trilhões por ano no mundo [10]. Somente a pesca e a aquicultura contribuem, anualmente, com US$ 100 bilhões, um número que se traduz em cerca de 260 milhões de empregos em todos os continentes. Tal panorama deve ser amplificado com a produção de dados, criação de novas políticas públicas e financiamentos para o setor. Um exemplo disso são dados da FAO que estimam que no Brasil, até 2025, a produção da pesca e aquicultura nacional deve crescer 104% [11].

    Já a influência do oceano sobre a cultura dos povos se torna evidente quando olhamos para populações tradicionais e seus modos de vida, que estão intrinsecamente ligados ao uso dos recursos naturais. Inúmeras pesquisas apresentam a diversidade de práticas para gestão dos ecossistemas via conhecimento ecológico tradicional, que inclui mecanismos sociais de adaptação, acumulação e transmissão de conhecimento [12]. O modelo de desenvolvimento focado apenas no crescimento econômico e o distanciamento da ciência do saber tradicional excluiu e limitou ao longo de anos populações, que por meio de inúmeras adaptações conseguiram, apesar de aspectos de vulnerabilidade, se tornarem resilientes. O surgimento dos movimentos sociais, a exemplo da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos (Confrem) e do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP) surgiu com intuito de dar voz a essas comunidades perante conflitos e na busca da sustentabilidade dos seus modos de vida. Contudo, é perceptível um distanciamento da academia de tais populações ainda hoje.

    A importância dos ambientes marinhos para a vida humana muitas vezes é subestimada em função da baixa disponibilidade e/ou ausência de dados de biodiversidade. Um exemplo disso é a ausência de um monitoramento pesqueiro nacional - a última publicação do boletim estatístico de pesca ocorreu em 2011. A necessidade de melhoria nas políticas públicas relacionadas ao uso e conservação dos oceanos está diretamente atrelada à produção de conhecimento científico, ao conhecimento tradicional, bem como a integração com demais atores da sociedade.

    Nesse contexto, a proclamação da Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável, que vai de 2021 a 2030, é um marco histórico que permitirá debates e produção de conhecimento por meio da construção colaborativa com diferentes atores da sociedade. No Brasil, a Década está sendo conduzida pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), representante científico na Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI), da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, a Rare Brasil e a Confrem são as representantes da sociedade civil organizada que fazem parte do comitê de assessoramento para a gestão do Plano Nacional da Década do Oceano no país.

    Em seus 30 de atuação, a Fundação já apoiou mais de 1.600 projetos de conservação em todo o Brasil, que juntos resultaram na descoberta de aproximadamente 170 espécies da fauna e flora - 100% dos projetos apoiados são baseados em ciência e voltados para a resolução de questões importantes para a conservação da natureza e para a sociedade. Historicamente, os projetos marinhos têm sido um dos focos de atenção da entidade: cerca de 25% de todo o apoio destinado a iniciativas científicas pela Fundação estiveram relacionados com a ciência oceânica. Outra entrega foi a organização, em setembro de 2019, do Conexão Oceano, evento realizado em parceria com a Unesco Brasil, a COI da Unesco e o Museu do Amanhã.

    A Rare, por sua vez, atua no Brasil desde 2014 por meio do programa Pesca para Sempre, que promove a gestão sustentável da pesca artesanal ancorada em três pilares: 1) viabilizar a inclusão financeira e o mercado justo para os pescadores artesanais; 2) estabelecer e fortalecer a gestão pesqueira compartilhada de base comunitária; e 3) apoiar acesso a direitos para exercício da cidadania por meio do suporte na definição e operacionalização de políticas públicas e na governança, visando priorizar o acesso e uso dos recursos pesqueiros pelos pescadores e pescadoras artesanais marinho-costeiros. A conexão entre a academia, o governo, os movimentos sociais, populações locais e demais organizações é essencial para o desenvolvimento do programa. Nos dois ciclos já realizados de 2015 até 2017 e de 2017 até 2019, foi possível aferir o impacto e a eficácia do programa, em especial as campanhas, por meio de pesquisa quantitativa socioeconômica e comportamental. Atualmente, a organização atua no estado do Pará em 12 reservas extrativistas, categoria de uso sustentável das áreas protegidas do Sistema Nacional de Unidades de Conservação.

    A Confrem é um movimento social que possui como missão desenvolver, articular e implementar estratégias visando o reconhecimento e a garantia dos territórios extrativistas tradicionais costeiros e marinhos na dimensão social, cultural, ambiental e econômica, garantindo os seus meios de vida e produção sustentável. Seus objetivos incluem: 1) lutar pelo reconhecimento e andamento dos processos de solicitação de novas reservas marinhas; 2) assegurar o direito à produção do espaço próprio dos extrativistas; 3) promover o contato entre as reservas extrativistas brasileiras; 4) garantir a manutenção dos saberes das populações tradicionais pesqueiras e 5) garantir a conservação dos rios, mares, manguezais e fauna marinha e costeira.

    Durante as oficinas realizadas pela Década, foi possível reunir comunicadores, jornalistas, influenciadores, acadêmicos, pesquisadores, representantes do poder público, setor privado e organizações da sociedade civil para discutir e levantar estratégias sobre como comunicar as questões do oceano para diferentes públicos, demonstrando sua transversalidade e a forma como se relaciona com o dia a dia das pessoas. Com o início da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável neste ano, certamente muitas outras conexões serão feitas Brasil afora, criando uma rede interligada de conhecimento para a proteção dos nossos mares.

     

    CIÊNCIA E SOCIEDADE

    Para conectar o maior número de atores e engajar a sociedade nas temáticas relacionadas à proteção do oceano, informação de qualidade é essencial. Segundo a publicação Indicadores Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação [13], elaborada pelo MCTI, com dados referentes a 2014, existem no país 317 mil pesquisadores, seja na iniciativa pública ou privada, e um contingente semelhante de pessoal de apoio (292 mil). Em 2018, 74 mil artigos brasileiros publicados em periódicos científicos foram indexados pelo Scopus (principal banco de dados de periódicos científicos do mundo) - valor 1,7% acima da produção do ano anterior e equivalente a 2,63% de todos os artigos indexados no planeta.

    Quando olhamos estritamente para a ciência oceânica, os dados são animadores. Segundo o Relatório Mundial sobre a Ciência Oceânica: o estado atual da ciência oceânica no mundo [14], lançado em 2017 pela COI, a produção nesse campo do conhecimento está crescendo. "Entre 2010 e 2014, foram publicados mais de 370 mil manuscritos na área de ciência oceânica e mais de dois milhões de artigos foram citados. De fato, existe alguma relação entre quantidade e qualidade no desempenho da ciência oceânica; entretanto, países com os maiores números de publicações não são necessariamente os mais citados", destaca a COI. O Brasil é o 11º país com mais publicações, com cerca de 13 mil artigos no período.

    O documento também traz o chamado índice de especialização, com os pontos fortes e fracos de cada nação nas diversas áreas da ciência oceânica. Em geral, o país tem uma produção científica acima da média mundial, com destaque para os estudos de funções e processos de ecossistemas marinhos, saúde do oceano e crescimento azul. Por outro lado, os campos de clima, tecnologia e engenharia estão abaixo da média global e têm um grande potencial de desenvolvimento.

    Com a produção científica em andamento, também é necessário fazer a interface com a sociedade. Contudo, a formulação dos projetos e pesquisas muitas vezes é top-down, não atendendo interesses dos territórios e populações locais, nem devolvendo os resultados aos principais envolvidos. A produção científica descolada da realidade e sem a participação cidadã deixa de exercer seu papel social de transformação.

    Por isso, é importantíssimo que as comunidades tradicionais se sintam parte integrante do processo científico, como reconhecimento de sua relevância para o território e valorização de seus saberes, refletindo assim novas práticas sustentáveis na conjugação de esforços para a conservação. Para além, é essencial que os financiadores solicitem que projetos e pesquisas sejam correspondentes aos anseios da sociedade. Um exemplo de tal alinhamento pôde ser visto recentemente no litoral da Paraíba, com a criação de uma nova Unidade de Conservação (UC), a Área de Proteção Ambiental (APA) Naufrágio Queimado, que aumentou de 0,5% para 10,7% a extensão de preservação costeira no estado. O território se estende pelo litoral dos municípios de João Pessoa e Cabedelo, com uma abrangência de aproximadamente 420 quilômetros quadrados (cerca de 42 mil hectares).

    Para se chegar ao modelo de APA, audiências públicas estimularam o diálogo entre diversos atores, incluindo a comunidade pesqueira da região, para que a nova unidade de conservação coexistisse com a atividade econômica local. A proposta de criação elaborada pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) [15] observava que, no estado e em todo o país, a pesca artesanal é de grande importância econômica e social, considerada um modo de vida e parte integrante da cultura das populações locais. "A poligonal foi cuidadosamente desenhada para minimizar, se possível zerar, os impactos negativos sobre as atividades existentes, em especial a pesca comercial artesanal e a pesca amadora desenvolvidas na região", diz o documento. Com isso, a UC, além de integrar a conservação com a geração sustentável de emprego e renda na região, ainda mantém viva, por meio do turismo histórico e natural, aspectos relevantes da memória e cultura paraibana.

    Outro caso emblemático é o município de Guaraqueçaba, no litoral norte do Paraná, e onde a Fundação Grupo Boticário mantém a Reserva Natural Salto Morato, uma reserva particular do patrimônio natural aberta à pesquisa científica e visitação turística, contribuindo para movimentar parte da economia local. Trata-se de uma região no coração da Grande Reserva Mata Atlântica - o maior remanescente contínuo do bioma - e que, por isso, tem rica biodiversidade e é alvo de grande atenção da comunidade científica. Já identificando essa tendência, os engenheiros florestais Ana Livia Kasseboehmer, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e Ivan Crespo Silva, do Departamento de Ciências Florestais da Universidade Federal do Paraná (UFPR), publicaram em 2008 um estudo sobre a produção científica que tinha o patrimônio natural de Guaraqueçaba como objeto de estudo.

    Como é comum em localidades litorâneas, a cidade de 8 mil habitantes tem na pesca artesanal, com o aproveitamento comercial do excedente, e na agricultura de subsistência (baseada sobretudo na mandioca, na banana e no arroz) a sua base de sobrevivência [16]. Kasseboehmer e Silva, que analisaram 109 documentos científicos publicados e entrevistaram 80 famílias, chegaram à conclusão de que, "na maioria das vezes, os resultados das pesquisas acabam por não serem disponibilizados para o público, que fica sem um retorno sobre as informações que ajudou a levantar".

    Projetos de gestão de base comunitária desenvolvidos pela Rare se debruçam sobre os pilares destacados anteriormente e atuam estrategicamente na remoção de barreiras que impedem a atividade pesqueira de ter uma gestão mais sustentável. Entre os anos de 2017 e 2019, as principais barreiras encontradas em 10 UC dos estados do Pará, Maranhão, Piauí, Pernambuco e Alagoas incluíram a falta de dados para tomada de decisão, baixa participação social, falta de credibilidade e apoio político e falta de investimento na atividade pesqueira. A organização possui parcerias com governo, academia, sociedade civil e movimentos sociais. Dessa forma, por meio de monitoramento pesqueiro, capacitações e assistência técnica aos tomadores de decisão de nível nacional, estadual e local e às comunidades locais são realizadas campanhas de marketing social para a mudança de comportamento de todos os atores. A teoria da mudança é definida em cada área de atuação e orienta de maneira simplificada as dimensões que devem ser aperfeiçoadas nos projetos para promover conhecimento, atitude e práticas voltadas à conservação dos recursos naturais e à melhoria da qualidade de vida das comunidades pesqueiras, tornando-se fonte de referência para a construção de indicadores quantitativos de avaliação de resultado e impacto de programa.

    Reforça-se assim a importância da participação social e comunicação na condução de projetos e trabalhos científicos que envolvam, direta ou indiretamente, as comunidades sobre as quais elas se debruçam. Felizmente, de modo geral, temos no Brasil importantes entidades da sociedade civil organizada que atuam na articulação entre ciência e sociedade. Podemos citar com destaque organizações como Rare, WWF, Liga das Mulheres Pelo Oceano, Oceana, Conservação Internacional, Fundação Grupo Boticário, Instituto Linha D'água, Painel Mar, Fórum do Mar e outras. Os movimentos sociais são esse importante elo entre as organizações, academia e as populações locais, uma vez que se constituem com representatividade, dando voz às necessidades locais.

     

    DEMANDAS E DESAFIOS

    Mesmo com uma ciência oceânica de qualidade - que carece de mais recursos e estrutura - e com uma rede de instituições atuantes para a articulação das informações científicas para o público em geral, em que ponto precisamos melhorar e concentrar nossos esforços de maneira a garantir a sustentabilidade dos mares? Como atuar para que a proteção de habitats marinhos e a manutenção e o fortalecimento de serviços ambientais provenientes do oceano também reflitam e contribuam para fortalecer a sociedade e a sua resiliência? As respostas, obviamente, não são simples.

    Assim como estudar o oceano requer uma visão multidisciplinar, a atuação prática para solucionar os problemas referentes a ele também. Ainda que esteja inserido no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 14, todos os outros influenciam diretamente a saúde do oceano. Sua sobrevivência, portanto, exige que a sustentabilidade seja aplicada em todos os aspectos da vida em sociedade.

    Uma das demandas mais importantes a serem endereçadas num futuro imediato é a proteção de habitats sensíveis e das populações tradicionais que contribuem para seu uso e conservação. O Brasil, em especial, conta com ambientes marinhos únicos no mundo, como o arquipélago de Abrolhos e os manguezais amazônicos. Um modelo de desenvolvimento econômico que não contemple a conservação da natureza alinhada ao desenvolvimento social será insustentável. A exploração de óleo e gás é um exemplo disso.

    Em 2019, um vazamento de óleo de proporção continental atacou o litoral brasileiro nordestino, prejudicando a biodiversidade e atividades socioeconômicas como a pesca e o turismo. Até hoje não se sabe a origem do material poluente que manchou nossas praias, o que reforça a necessidade de termos organismos internacionais de atuação e fiscalização, assim como tecnologia capaz de prever e monitorar a movimentação do óleo no oceano e gestão eficaz dos órgãos governamentais responsáveis. Atualmente, um projeto vem sendo desenvolvido pelas organizações Rare, Oceana e Conservação Internacional para mitigar os problemas enfrentados pelas comunidades pesqueiras afetadas pelo óleo e pela covid-19.

    A resolução de problemas sociais tem sido uma demanda histórica para a busca de um oceano mais saudável. Entre as principais está o saneamento básico e a diminuição do lixo no mar. O último relatório das Organizações das Nações Unidas (ONU) sobre a população global projetou que, em 2100, a quantidade de pessoas no planeta pode chegar a 10,9 bilhões, levantando preocupações quanto à pressão sobre as cidades, em especial em áreas sensíveis como o acesso à água. Atualmente, quase 100 milhões de brasileiros não têm acesso à coleta de esgoto e apenas 46% dos esgotos do país são tratados [17]. Já no tocante ao lixo, dentre os materiais encontrados no mar, é possível citar papel, tecido, madeira, metal, plástico, vidro, borracha e misturas, que são originados a partir de diversas atividades humanas [18]. Segundo estimativas do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), os custos aproximados dos danos ambientais para os ecossistemas marinhos somam US$ 13 bilhões por ano [19].

    Outra grande preocupação tem sido a manutenção dos estoques pesqueiros. Os peixes respondem por cerca de 17% de toda a proteína animal consumida no mundo e 7% de toda a proteína (de origem animal ou não) [20]. No entanto, o nível de estoques pesqueiros em condições de sustentabilidade biológica caiu de 90% em 1990 para 65,8% em 2017 [20]. Esse quadro se deve à disseminação de práticas inadequadas de pesca e à negligência de governos na gestão pesqueira. Colabora ainda para essa situação de estresse a maior frequência de eventos climáticos extremos, que provocaram 82% a mais de desastres naturais no mundo nos últimos 20 anos em comparação com o mesmo período anterior [21]. Isso também gera uma pressão sobre as cidades costeiras, que precisam se adaptar, muitas vezes com pesados investimentos em infraestrutura e contenção de danos.

    O monitoramento do oceano e a criação de um sistema único de dados capaz de reunir informações ambientais sobre a costa brasileira de forma contínua, sistemática e participativa tem sido um dos principais tópicos das oficinas de construção do Plano Nacional para a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável. É certo que a construção de uma base de dados nacionais terá de envolver não apenas as universidades, mas também as organizações da sociedade civil, os órgãos públicos e as populações locais. Possibilitando assim decisões mais assertivas para que políticas públicas sejam formuladas e pactuadas de maneira segura, garantindo longevidade a seus benefícios.

    O oceano é geralmente definido como uma grande massa azul de água que cobre 363 milhões de quilômetros quadrados, o equivalente a 72% da superfície da Terra. No entanto, é preciso reforçarmos a ideia de que ele é mais do que isso. O oceano é uma rede que toca todos e tudo a todo instante. Ele é, na verdade, uma grande teia azul de água e vida que atinge 7,7 bilhões de pessoas e influencia 100% do nosso planeta. Um lugar não onde sonhos naufragam, mas onde eles nascem. Ações locais são imprescindíveis para gerarem impactos de transformação global, da mesma forma que dependemos do oceano, ele depende de nós para continuar provendo serviços ecossistêmicos fundamentais para a vida na Terra.

     

    REFERÊNCIAS

    1. Meireles, C. Os melhores poemas Cecília Meireles: Seleção de Maria Fernanda. Global. São Paulo. 2002.

    2. Earle, S. A Terra é azul - Por que o destino dos oceanos e o nosso é um só?. Sesi-SP. São Paulo. 2017.

    3. National Ocean Service. "How much oxygen comes from the ocean?" Disponível em: <https://oceanservice.noaa.gov/facts/ocean-oxygen.html>. Acesso em: 30 out. 2020.

    4. Gerling, C. [et. al] [org.]. "Manual de ecossistemas marinhos e costeiros para educadores". Comunnicar. Santos. 2016. Disponível em: <https://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/ManualEcossistemasMarinhoseCosteiros3.pdf>. Acesso em: 30 out. 2020.

    5. Ostrom, E. "Sustainable social - Ecological systems: an impossibility?" In: Annual Meetings of the American Association for the Advancement of Science, 15-19 February. San Francisco. 2007.

    6. IBGE -Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Atlas Geográfico das Zonas Costeiras e Oceânicas do Brasil. IBGE. Rio de Janeiro. 2011. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv55263.pdf>. Acesso em: 30 out. 2020.

    7. ONU - Organização das Nações Unidas. Factsheet: People and Oceans. 2017. Disponível em: <https://www.un.org/sustainabledevelopment/wp-content/uploads/2017/05/Ocean-fact-sheet-package.pdf>. Acesso em: 30 out. 2020.

    8. FAO - Food and Agriculture Organization of The United Nations. General situation of world fish stocks. Disponível em: http://www.fao.org/newsroom/common/ecg/1000505/en/stocks.pdf Acesso em: 17 de nov. 2020.

    9. Adger, W. N. [et al]. "Social-ecological resilience to coastal disasters". Science. Vol. 309 no. 5737 pp. 1036-1039. Agosto 2005.

    10. UK Government - Office for Science. Foresight future for the sea - a report from the Government Chief Scientific Adviser 2018. Londres. 128p.

    11. FAO - Food and Agriculture Organization of The United Nations. "El estado mundial de la pesca y acuicultura. Contribución a la seguridad alimentaria y la nutrición para todos". Roma. 224 pp. 2016.

    12. Berkes, F.; Colding, J.; Folke, C. Rediscovery of traditional ecological knowledge as adaptive management. Ecological Applications 10: 1251-1262. 2000. Disponível em: Rediscovery of Traditional Ecological Knowledge as Adaptive Management (fws.gov). Acesso em 15 de nov 2020.

    13. MCTIC - Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Indicadores Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação. MCTIC. Brasília. 2019. Disponível em: <http://antigo.mctic.gov.br/mctic/export/sites/institucional/indicadores/arquivos/Indicadores_CTI_2019.pdf>. Acesso em: 30 out. 2020.

    14. Unesco - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. "Relatório mundial sobre a ciência oceânica: o estado atual da ciência oceânica no mundo, resumo executivo". Unesco. Paris. 2018. Disponível em: <https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000249373_por>. Acesso em: 30 out. 2020.

    15. Santos, B. [et al.]. Proposta de Criação do Parque Estadual Marinho do Naufrágio Queimado. João Pessoa. 2018. Disponível em: <http://sudema.pb.gov.br/consultas/downloads/unidades-de-conservacao/proposta-criacao-parque-queimado.pdf>. Acesso em: 30 out. 2020.

    16. Kasseboehmer, A.; Silva; I. C. "O olhar do pesquisador sobre Guaraqueçaba, Paraná: diagnóstico e análise crítica da produção científica relacionada ao município. Floresta, Curitiba", v. 39, n. 3, p. 643-658, jul./set. 2009. Disponível em: <https://revistas.ufpr.br/floresta/article/view/15363/10321>. Acesso em: 30 out. 2020.

    17. Trata Brasil. Esgoto. Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/saneamento/principais-estatisticas/no-brasil/esgoto>. Acesso em: 30 out. 2020.

    18. Turra, A. [et. al]. "Lixo nos mares: do entendimento à solução". Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. São Paulo. 2020.

    19. Pnuma -Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. "Valuing plastics: The business case for measuring, managing and disclosing plastic use in the consumer goods industry". PNUMA. 2015. Disponível em: https://wedocs.unep.org/bitstream/handle/20.500.11822/9238/-Valuing%20plastic%3a%20the%20business%20case%20for%20measuring%2c%20
    managing%20and%20disclosing%20plastic%20use%20in%20the%20consumer%20goods%20industry-2014Valuing%20plasticsF.pdf?sequence=8&isAllowed=y
    >. Acesso em: 30 out. 2020.

    20. FAO - Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. "The state of world fisheries and aquaculture". FAO. Roma. 2020. Disponível em: <http://www.fao.org/documents/card/en/c/ca9229en>. Acesso em: 30 out. 2020.

    21. UNDDR - Escritório das Nações Unidas para Redução dos Riscos de Desastres. The Human Cost of Disasters 2000-2019. UNDDR. 2020. Disponível em: <https://www.undrr.org/publication/human-cost-disasters-2000-2019>. Acesso em: 30 out. 2020.