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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.74 no.3 São Paulo jul./set. 2022

    http://dx.doi.org/10.5935/2317-6660.20220047 

    OPINIÃO

     

    A atuação de José Reis (1907-2002) no Brasil: ciência e divulgação científica nos trilhos do desenvolvimento nacional

     

     

    Luisa MassaraniI; Danilo MagalhãesII

    ICoordenadora do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia e pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). É líder do Grupo de Pesquisa do CNPq Ciência, Comunicação & Sociedade, membro do Comitê Científico da PCST Network, a rede internacional para Public Communication for Science and Technology e coordenadora de SciDev.Net para América Latina e Caribe. Bolsista Produtividade do CNPq 1B e Cientista do Nosso Estado da Faperj
    IIDoutorando do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Integra o Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia

     

     


    RESUMO

    Além de ser o bicentenário da independência do Brasil, o ano de 2022 é um marco na história da divulgação científica: completam-se 20 anos da morte de José Reis. Em homenagem a ele, o principal prêmio da área do país leva o seu nome. Neste texto, discutimos a trajetória desse personagem, que contribuiu significativamente para a consolidação da ciência e da divulgação científica brasileiras.

    Palavras-chave: Divulgação científica; José Reis; História da divulgação científica


     

     

    Introdução

    Neste texto, apresentamos brevemente a trajetória de José Reis (1907-2002), cientista ícone da divulgação científica brasileira. Com uma atuação eclética como cientista, gestor, divulgador e jornalista, ele participou da construção da ciência brasileira e contribuiu significativamente para o jornalismo e a divulgação científicos no país. Em homenagem à sua trajetória, o principal prêmio de divulgação científica e tecnológica do Brasil leva o seu nome.

    Em 2022, completam-se 20 anos de sua morte. Tomamos essa efeméride como oportunidade de apresentar esse cientista e divulgador a um conjunto mais amplo de leitores. Acreditamos que o estudo da trajetória de José Reis apresenta uma importante visão dos caminhos percorridos pela ciência e pela divulgação científica no Brasil no século XX [i].

     

    Ciência e divulgação científica para o desenvolvimento nacional

    O fim da Segunda Guerra Mundial e a corrida armamentista e espacial da Guerra Fria promoveram um contexto de valorização da ciência e tecnologia, com vultosos investimentos especialmente nos Estados Unidos. Esse movimento repercutiu nas ações da comunidade científica brasileira, dando impulso ao processo de institucionalização da ciência e abrindo novas possibilidades de divulgar os conteúdos e métodos científicos. José Reis foi um dos personagens que esteve no centro desses processos.

    Reis foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em 1948, da qual foi o primeiro secretário-geral. Inspirada nas congêneres norte-americana e britânica, criadas no século anterior, a entidade era mais inclusiva do que a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e serviu como um espaço aglutinador da comunidade científica. Desde o início, a SBPC teve (e mantém) entre seus principais objetivos a difusão da ciência, com grandes eventos públicos e publicações como a revista Ciência & Cultura, da qual Reis foi um dos criadores e diretor. Igualmente buscava conscientizar o cientista de seu papel social. Nas palavras de Reis, "decidimos incluir entre as funções da SBPC a necessidade de se criar ou difundir tal consciência social entre os cientistas brasileiros. O que não entendo é um cientista desvinculado da sociedade e da política" [1]. Nas reuniões anuais da entidade, Reis também propôs o concurso Cientistas de Amanhã, voltado para jovens estudantes que se iniciavam no mundo da ciência (Figura 1).

    Engajado na articulação de cientistas, na luta pela profissionalização da ciência e pelo fortalecimento do amparo à pesquisa, Reis foi um defensor da estruturação da carreira de cientista como servidor público em tempo integral, com estabilidade e reajustes salariais compatíveis. Esse princípio, embora sob constante ataque, prevalece até o presente momento, em que a pesquisa científica do país é em grande parte realizada em universidades e instituições públicas (Figura 1).

    Um destaque particular deve ser dado à sua trajetória no jornalismo científico. No pós-guerra, os jornais abriram novos espaços para a ciência, alguns deles criando seções de ciências ocupadas por cientistas e incipientes jornalistas científicos [2]. Em 1947, José Reis foi convidado pelo então diretor do jornal Folha da Manhã (que deu origem à Folha de São Paulo), para escrever sobre questões gerais da administração. Seus textos iniciais refletiam interesses da comunidade científica, como questões relativas à aposentadoria e ao regime de tempo integral. No ano seguinte, Reis passou a escrever sua coluna dominical No Mundo da Ciência. Colaborando com o jornal até a morte, em 2002, Reis escreveu sobre diversos temas de ciência e tecnologia, destacando as pesquisas e os debates que circulavam no meio científico brasileiro e internacional e tornando-se o grande nome do jornalismo científico brasileiro. "Nos países em desenvolvimento", escreveu: "o jornal funciona como escola de tudo, inclusive ciência. A divulgação adquire então, além da função atualizadora, a de ensinar ou recordar grandes princípios básicos e esclarecer o público quanto ao valor do trabalho científico" [3]. Reis também foi um dos articuladores da Associação Brasileira de Jornalismo Científico, criada em 1977, que teve um papel importante no processo de reconhecimento e profissionalização do ofício no país.

     

    "Consciente de que as sociedades estariam cada vez mais dependentes do progresso científico, Reis defendia a urgência de uma política nacional de ciência."

     

    No período entre 1962 e 1967, Reis assumiu a direção de redação do jornal Folha de São Paulo. Segundo o próprio Reis, tratou-se de um período conturbado com o golpe militar de 1964. Em um primeiro momento, os grandes meios de comunicação apoiaram e deram legitimidade ao regime ditatorial. Depois, sofreram com censura e perseguições. Em outras palavras, Reis esteve à frente de um dos principais jornais do país nos primeiros anos de ditadura.

    Em seu ímpeto de "modernização autoritária", o regime militar "foi, simultaneamente, destrutivo e reformador" com relação à ciência [4]. De maneira geral, comprometeu o desenvolvimento científico em várias áreas e prejudicou o status da pesquisa brasileira em nível internacional. A comunidade científica, que tinha dimensões pequenas na década de 1960, foi proporcionalmente um dos setores da sociedade mais atingidos. Por outro lado, o regime entendia o desenvolvimento científico e tecnológico como peça fundamental para a superação do atraso econômico e social do Brasil. Concomitantemente às perseguições, a ditadura investiu na pós-graduação, expandiu e reformou as universidades e repassou uma quantidade importante de recursos para ciência e tecnologia [5].

    Durante o período em que foi diretor de redação da Folha, Reis mobilizou a estrutura do jornal na cobertura, na organização e na premiação de feiras de ciência pelo estado de São Paulo, tornando-se um dos protagonistas no movimento de introdução da atividade no Brasil. O divulgador defendia feiras, clubes e concursos de ciências como importantes meios de estímulo de vocações científicas para jovens.

    Consciente de que as sociedades estariam cada vez mais dependentes do progresso científico, Reis defendia a urgência de uma política nacional de ciência e tecnologia que criasse um ambiente de respeito pela ciência, com valorização salarial, melhoria de infraestrutura, estabilidade das instituições científicas e formação de pessoal desde o ensino básico como forma de evitar a fuga de talentos tão importantes aos países em desenvolvimento [6].

    Para Reis, a divulgação científica é uma atividade baseada no desejo e no dever de transmitir, em termos simples, de maneira ágil e objetiva, os princípios estabelecidos e as metodologias que a ciência emprega, com o objetivo de criar um ambiente de cultura científica para que o grande público cada vez mais se interesse pela ciência, apoie os investimentos no campo e participe ativa e democraticamente dos processos decisórios [7]. Segundo ele, o cidadão precisaria "entender para poder julgar, para poder apoiar sinceramente a própria ciência e o seu desenvolvimento, para poder distinguir entre a verdadeira ciência e a falsa ciência ou as mistificações da ciência" [8].

    Muitos jornalistas científicos frequentemente se veem no papel de entusiastas da ciência e dos cientistas como estratégia de ênfase da importância da ciência para o desenvolvimento cultural e econômico de seus países. José Reis não foi diferente. Com atuação consistente ao longo de décadas, no entanto, é possível constatar que sua visão de divulgação científica sofreu alterações, desde a defesa de que se deveria mostrar uma boa imagem da ciência até a necessidade de discutir controvérsias científicas e implicações socioambientais.

     

    "Para Reis, a divulgação científica é uma atividade baseada no desejo e no dever de transmitir, em termos simples, de maneira ágil e objetiva, os princípios estabelecidos e as metodologias que a ciência emprega, com o objetivo de criar um ambiente de cultura científica para que o grande público cada vez mais se interesse pela ciência, apoie os investimentos no campo e participe ativa e democraticamente dos processos decisórios [7]."

     

    Considerações Finais

    Os 200 anos de independência nos convidam, entre outras, à reflexão sobre qual lugar queremos para a ciência em nossa sociedade. Independentemente das respostas que daremos, é inegável o papel central que a divulgação científica deve ocupar diante dos desafios do nosso tempo.

    A trajetória de cientistas e divulgadores como Reis nos oferece um panorama das formas com as quais se buscou consolidar a cultura científica em nosso país ao longo do século XX. Conhecer e refletir sobre sua longa e consistente trajetória na divulgação científica no Brasil - e desafios enfrentados - é uma fonte de inspiração para dar novas respostas às novas perguntas que surgem a cada dia.

     

    Notas

    [i] Convidamos à leitura da biografia de José Reis (MASSARANI, L.; BURLAMAQUI, M.; ALVES, J. P. José Reis: caixeiro-viajante da ciência. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 2018) e da coletânea José Reis: reflexões sobre a divulgação científica (MASSARANI, L., DIAS E. M. S. José Reis: reflexões sobre a divulgação científica. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz/Casa de Oswaldo Cruz, 2018), que reúne alguns de seus principais textos sobre divulgação científica. O site <http://josereis.coc.fiocruz.br> também traz informações sobre Reis e seu acervo, sediado na Casa de Oswaldo Cruz, na Fundação Oswaldo Cruz. Para uma visão panorâmica sobre a história da divulgação científica no Brasil nestes últimos duzentos anos, pode ser consultado o artigo: MASSARANI, L.; MOREIRA, I. C. Science communication in Brazil: a historical review and considerations about the current situation. Anais da Academia Brasileira de Ciências (Online), v. 88, p. 1577-1595, 2016.

     

    Referências

    1. OLIVEIRA, F. Jornalismo Científico. São Paulo: Contexto, 2010, p. 34.

    2. ESTEVES, B. Os cientistas vão à imprensa: divulgação científica nos jornais brasileiros (1945-1964). In: MASSARANI, L., JURBERG, C.; DE MEIS, L. (eds.). Um gesto ameno para acordar o país: a ciência no 'Jornal do Commercio' [1958-1962]. Rio de Janeiro: Museu da Vida, Fundação Oswaldo Cruz, p. 13-23, 2011.

    3. REIS, J. Para que serve a divulgação científica: reflexões inspiradas por trinta anos nessa atividade (1978). In: MASSARANI, L., DIAS, E. M. S. José Reis: reflexões sobre a divulgação científica. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz/Casa de Oswaldo Cruz, 2018, p. 85.

    4. MOTTA, R. P. S. A ditadura nas universidades: repressão, modernização e acomodação. Ciência e Cultura, v. 66, n. 4, p. 21, 2014.

    5. MOREIRA, I. C. A ciência, a ditadura e os físicos. Ciência & Cultura, v. 66, n. 4, 2014.

    6. REIS, J. Por que a migração de cérebros, e como evitá-la? Folha de São Paulo, São Paulo, 19 de jul. 1970, 6º caderno, p. 57.

    7. MASSARANI, L.; ALVES, J. P. A visão de Divulgação Científica de José Reis. Ciência & Cultura, v. 71, n. 1, 2019.

    8. REIS, J. Divulgação científica, Anhembi (1962). In: MASSARANI, L., DIAS, E. M. S. José Reis: reflexões sobre a divulgação científica. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz/Casa de Oswaldo Cruz, 2018, p. 19-36.