SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.75 issue2 author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

    Related links

    • On index processCited by Google
    • Have no similar articlesSimilars in SciELO

    Share


    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.75 no.2 São Paulo Apr./June 2023

    http://dx.doi.org/10.5935/2317-6660.20230021 

    ARTIGO

     

    Buracos Negros Supermassivos: qual é a importância deles no Universo? Os buracos negros estão entre os mais eficientes geradores de energia do Universo e podem ter impactado até a nossa própria existência

     

     

    Thaisa Storchi Bergmann

    Orientadora da Pós-Graduação do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e fundadora do grupo de pesquisa AGNIFS - AGN Integral Field Spectroscopy. É pesquisadora 1A do CNPq, membro da Academia Brasileira de Ciências ABC e da Academia Mundial de Ciências TWAS. Ganhadora do prêmio internacional L'Oreal/UNESCO Para Mulheres na Ciência (2015) e da Medalha Nacional do Mérito Científico (2018), tem participado de comitês da UNESCO de apoio à ciência. É revisora dos principais periódicos internacionais de astrofísica e tem sido membro de comitês de alocação de tempo em vários telescópios internacionais, inclusive dos telescópios espaciais Hubble e James Webb

     

     


    RESUMO

    Buracos Negros Supermassivos (Supermassive Black Holes - SMBH) são verdadeiros "monstros" que chegam a ter mais de um bilhão de massas solares e dos quais nada escapa, nem mesmo a luz. Eles habitam o núcleo das galáxias massivas e têm um papel fundamental em sua evolução. Se não fosse por eles, poderíamos nem estar aqui. É que os SMBHs estão entre os mais eficientes geradores de energia do Universo - energia que acaba por ser depositada na galáxia ao seu redor, moldando a sua evolução. Isso é discutido neste artigo por meio da observação da alimentação e retroalimentação dos SMBHs em galáxias que abrigam núcleos ativos (Active Galactic Nucleus - AGNs). Para mapear e quantificar esses fenômenos, bem como a energia depositada nas galáxias, temos observado: (1) o inflow do gás em diferentes escalas, "engatilhado" pela interação entre galáxias nos AGNs mais luminosos, fazendo o gás migrar até o centro através de espirais nucleares até a "broad line region" (BLR) e o disco de acreção que alimenta o SMBH; (2) a emissão de radiação, jatos e ventos originários do disco de acreção que interagem com o meio circundante na galáxia, aquecendo-o e produzindo outflows que regulam a evolução da própria galáxia.

    Palavras-chave: Buracos Negros; Galáxias; Universo; Evolução; Sgr. A*; Cosmologia.


     

     

    Introdução

    Neste artigo, apresento os Buracos Negros Supermassivos (Supermassive Black Holes - SMBH) e discuto meu trabalho sobre seus processos de alimentação e de retroalimentação e a importância desses processos para a evolução do Universo. A retroalimentação dos SMBHs nas galáxias pode cessar a formação das estrelas ao longo de sua evolução e, por isso, o SMBH da nossa galáxia, Sagittarius A* (Sgr A*), pode ter impactado até a nossa própria existência. Para uma discussão mais aprofundada sobre esse último aspecto, bem como a possível influência de buracos negros estelares para a vida na Terra, recomendo a leitura do livro que finalizei recentemente, intitulado "My News Explica Buracos Negros" [1].

    Neste texto, apresento os resultados obtidos a partir de minhas observações e de meu grupo de pesquisa. Colaboradores nos meus projetos sem os quais eles não seriam possíveis, incluem, em particular, Rogemar Riffel, Bruno Dall'Agnol de Oliveira, Rogério Riffel, Jáderson Schimoia, Sandro Rembold e Rodrigo Nemmen, entre muitos outros, com quem publiquei mais de 250 artigos científicos.

     

    O que é um Buraco Negro?

    Um BH (do inglês Black Hole) é uma consequência da gravidade: se houver condições de se concentrar matéria em um raio pequeno o suficiente para que sua velocidade de escape seja igual à velocidade da luz, temos a formação de um deles. Seu campo gravitacional é tão intenso que nada dele escapa, nem mesmo a luz (ou qualquer radiação eletromagnética). A viagem para dentro de um BH é uma viagem sem volta: se você dentro dele cair, nunca mais vai sair!

    Karl Schwarzschild, em 1916, foi o primeiro a obter a solução das equações de campo de Albert Einstein para um BH sem rotação, e derivou o "raio de Schwarzschild", que define o "Horizonte de Eventos", a partir do qual nada escapa, como ilustrado na Figura 1. A gravidade é tão grande que a curvatura do espaço-tempo torna-se infinita e, por isso, surge um buraco ali. Para se ter uma ideia do extremo da situação, é só calcular o RS para a Terra: 9mm. Para transformar nosso planeta num buraco negro, teríamos que concentrar todo o nosso planeta em uma "bolinha" com esse raio.

     

     

    A maioria dos BHs apresenta rotação, e sua solução a partir das equações da relatividade geral foi derivada somente mais tarde, em 1963, por Roy Kerr.

     

    Buracos Negros Estelares

    Até a primeira metade do século XX, os cientistas em geral, inclusive o próprio Einstein, acreditavam que os BHs eram uma previsão teórica e que não existiriam na natureza. Entretanto, na década de 1970, descobriu-se a estrela Cygnus X-1 (primeira fonte de raios-X na constelação do Cisne) que se move em torno de um ponto escuro que, pelas velocidades observadas, tem massa de ~10 massas solares. A única conclusão possível foi de que era um sistema duplo, em que a estrela escura seria um BH estelar.

    Hoje sabemos que os BHs estelares são o núcleo colapsado que resulta da explosão de uma estrela Supernova. Todas as estrelas que se formam com massa maior do que ~10-15 massas solares vão acabar como supernovas. As mais massivas vão gerar BHs e, assim, pode-se estimar a existência de ~100 milhões de BHs estelares em galáxias como a nossa, a Via Láctea.

    Mas a maioria das galáxias abriga também no seu centro um SMBH, com massa entre 1 milhão e 10 bilhões de massas solares, os quais acredita que tenham se formado com as galáxias, no primeiro bilhão de anos do Universo.

     

    Buracos Negros Supermassivos (SMBHs)

    Quasars

    A existência de SMBHs no Universo começou a ganhar apoio quando os astrofísicos descobriram os quasars (do inglês Quasi-Stellar Radio Sources). Primeiramente observados na década de 1950 em levantamentos do céu em radiofrequência, receberam esse nome porque, nos telescópios óticos, tinham aparência estelar. Em 1963, Maarten Schmidt descobriu, no espectro ótico, linhas de emissão de Hidrogênio com um alto redshift, que coloca esses objetos a distâncias muito grandes. A partir do brilho aparente e da distância, concluiu-se que a luminosidade dos quasars chegava a ~100 vezes a da Via Láctea.

    Fonte de energia dos quasars

    Além de serem os objetos mais luminosos do Universo, os quasars apresentam variabilidade, revelando que sua radiação provém de uma região do tamanho aproximado do Sistema Solar (dias a semanas-luz). Como uma região tão pequena pode gerar potência 100 vezes maior do que de todas suas estrelas?

    A conclusão foi de que há outra fonte de energia, mais eficiente do que a nuclear (que é a fonte de energia do Sol e demais estrelas) no centro das galáxias: a captura de matéria por um SMBH. A energia potencial gravitacional da captura de matéria se transforma em energia radiativa e cinética de ventos e jatos.

    Podemos fazer uma analogia com uma Hidroelétrica: a queda da água (energia gravitacional) move uma turbina que alimenta um gerador de energia elétrica. A diferença é que a queda num SMBH é muito maior: podemos dizer que seu poço de potencial gravitacional é o mais profundo que existe! E quanto maior a taxa de matéria que cai no SMBH, maior é a taxa de energia liberada.

    Hoje sabemos que os quasars são núcleos de galáxias distantes que abrigam um SMBH no seu núcleo capturando matéria a uma taxa muito alta. Observações com o Telescópio Hubble na década de 1990, com qualidade de imagem ~400 vezes melhor do que dos telescópios terrestres, permitiram observar a galáxia no entorno do quasar. As mais distantes dessas galáxias se formaram no primeiro bilhão de anos do Universo (que tem hoje 13,7 bilhões de anos), o que indica que os SMBHs se formaram nessa época, junto com as galáxias.

     

    O disco de acreção

    O SMBH não emite radiação (a menos da radiação de Hawking, desprezível para BHs estelares e supermassivos). Então, de onde sai a luminosidade observada? Ela sai de um disco de plasma (gás totalmente ionizado) em rotação, chamado de disco de acreção. A Figura 2 mostra uma concepção artística deste disco, que se forma por conservação de momentum angular da matéria que é capturada. A viscosidade do disco produz seu aquecimento e perda do momentum angular, fazendo com que a matéria espirale para o centro até cair no SMBH. No processo, o disco se aquece e irradia, com as partes centrais emitindo raios-X e ultravioleta. Campos magnéticos são amplificados no centro do disco, colimando jatos de partículas ali gerados. Voltando à analogia com a hidroelétrica, o disco de acreção seria equivalente ao conjunto turbina + gerador da hidroelétrica.

     

     

    SMBHs no núcleo de todas as galáxias massivas

    Um resultado que se consolidou na década de 1990, graças ao Telescópio Espacial Hubble, é que os SMBHs encontram-se no núcleo de praticamente todas as galáxias massivas próximas com bojo estelar - a concentração central de estrelas presentes nas galáxias elípticas e espirais.

     

    Galáxias ativas

    Existem galáxias próximas com emissão nuclear semelhante à dos quasars, mas com luminosidade mais baixa. São as chamadas galáxias ativas, que também têm um SMBH no seu centro capturando matéria através de um disco de acreção. Diz-se que elas têm um núcleo ativo (Active Galactic Nucleus - AGN). Os quasars são também AGNs, os mais luminosos que existem. Podemos dizer que os mais distantes e luminosos eram onde os SMBHs estavam se formando, e agora "crescidos" habitam o núcleo das galáxias massivas; quando capturam matéria, "acendem" de novo seus AGNs.

     

    O AGN

    O AGN é formado pelo conjunto SMBH, disco de acreção e de nuvens circundantes que configuram a chamada região de linhas largas (Broad Line Region - BLR). Mais para fora, à medida que a temperatura diminui, temos nuvens mais frias, com gás molecular ou poeira, na forma de um toroide que circunda o disco e a BLR. Parte das nuvens da BLR alimenta o disco de acreção e parte delas são ejetadas por ventos resultantes de instabilidades da sua pressão de radiação. Jatos de partículas relativísticas também podem surgir a partir da concentração de campos magnéticos na parte central do disco.

     

    Observando a alimentação de um Buraco Negro Supermassivo

    Discos de acreção e seu entorno

    Os discos de acreção têm dimensões típicas de dias-luz. São formados por plasma - gás completamente ionizado, com temperatura central entre 100.000 K e 1.000.000 K, que decresce a 10.000 K na sua borda exterior. A essa temperatura, começa a haver recombinação de átomos de Hidrogênio na borda do disco e ali começa a BLR. As nuvens da BLR orbitam o SMBH a velocidades de milhares de km/s e emitem linhas espectrais, de Hidrogênio, Hélio e outros elementos.

    A razão entre o raio de uma galáxia e o do disco de acreção é da ordem de 1.000.000, como ilustrado na Figura 2. Como esses discos estão muito distantes, no centro das galáxias, não é possível resolvê-los espacialmente (ou seja, obter uma imagem como a da Figura 2) para a maioria das galáxias.

    Primeiras imagens de discos de acreção

    Em 2019, foi divulgada a primeira imagem da parte interna do disco de acreção da galáxia elíptica M87 contendo a sombra do horizonte de eventos (HE), através do Event Horizon Telescope (EHT): oito rádio-observatórios observando na faixa milimétrica do espectro eletromagnético, através da técnica de interferometria intercontinental, simulando abertura do tamanho da Terra. Isso foi necessário para resolver o diâmetro angular do HE, equivalente a observar uma laranja na Lua. Em maio de 2022, o EHT divulgou a segunda imagem de um HE: o de Sgr A*, o SMBH da nossa galáxia, a Via Láctea (figura de capa), ~1500 vezes menor que o de M87, mas com um tamanho angular no céu semelhante, pois está ~2.000 vezes mais próximo.

    Minha descoberta!

    Nas demais galáxias, com os recursos instrumentais atuais, observamos o disco de acreção, bem como a BLR, como um "ponto" no centro da galáxia. Mas podemos observar seu espectro: a radiação emitida em função do comprimento de onda, ilustrado na Figura 3 para a galáxia NGC1097. Ao observar seu núcleo, descobri uma estrutura inesperada no perfil da linha Hα, emitida pelo átomo de Hidrogênio quando ele é ionizado. A base da linha tem perfil largo com dois picos, um desviado para o azul (em relação ao centro da linha) e outro desviado para o vermelho. Modelos teóricos mostram que ele é gerado em um anel de gás que circunda o disco de acreção, na parte mais interna da BLR, com velocidade > 5.000 km/s. Como o disco está inclinado em relação ao plano do céu, através do efeito Doppler da luz, observamos a radiação do lado que se aproxima desviada para o azul e a do lado que se afasta desviada para o vermelho e, por isso, aparecem os dois picos. Após essa descoberta, observamos que sua emissão varia devido à variação da fonte de iluminação, a parte mais interna do disco. Depois demonstramos que esse anel apresenta instabilidades na forma de braços espirais e parece estar presente na maioria dos Núcleos Ativos [3].

     

     

    Abastecendo o disco de acreção

    Durante as duas últimas décadas, por meio da colaboração AGNIFS - AGN Integral Field Spectroscopy (IFS, em português, Espectroscopia de Campo Integral), envolvendo pesquisadores do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IF-UFRGS) e do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), estudamos como o gás chega até a região central para alimentar o disco de acreção em galáxias ativas próximas. A IFS permite mapear tanto a distribuição espacial do gás como também o seu movimento. A Figura 4 mostra isso nos ~2.000 anos-luz centrais da galáxia ativa NGC7213: as estrelas estão em rotação, com uma amplitude da sua velocidade de 50 km/s, enquanto o gás, também em rotação, tem uma velocidade bem mais alta, de 200 km/s, em um padrão "distorcido", que parece se correlacionar com a distribuição de gás e poeira revelada no painel da direita da Figura 4. Como a galáxia está inclinada em relação a nós, com o lado noroeste mais próximo, o afastamento no lado próximo e aproximação no lado distante podem ser interpretados como movimento do gás para o centro da galáxia através de braços espirais nucleares, ou inflows. Estes braços devem alimentar o disco de acreção que, por sua vez, alimenta o BNS. Resultados semelhantes têm sido encontrados para outras galáxias ativas.

     

     

    Em Storchi-Bergmann & Schnorr-Müller (2019) [5], fizemos um compilado destes inflows nos ~2.000 anos-luz centrais para várias galáxias ativas, onde também discutimos como o gás chega a esta região. Além dos movimentos internos do gás dentro das galáxias ativas, essa compilação e trabalhos nossos posteriores mostram que o gás que alimenta o AGN se origina de interações com galáxias vizinhas, como acontece com o quasar da Figura 5.

     

     

    E as estrelas?

    Nosso grupo AGNIFS tem também estudado a população de estrelas na região central das galáxias ativas. Encontramos um excesso de estrelas jovens no entorno dos AGNs mais luminosos, o que interpretamos como sendo porque o AGN precisa de gás para se alimentar e este gás, ao se deslocar em direção ao centro, existindo em quantidade necessária, forma estrelas no seu caminho, nas regiões circumnucleares (~1.000-3.000 anos-luz centrais) [6].

     

    A retroalimentação dos SMBHs

    A radiação, ventos e jatos dos AGNs acabam por influenciar a evolução das galáxias em que estão, pois aquecem, agitam e empurram o gás ao seu redor - a partir do qual novas estrelas se formariam, impedindo que isso aconteça e, portanto, regulando o próprio crescimento da galáxia.

    Gás ionizado

    Nossos estudos do movimento do gás em AGNs revelam, além dos inflows, outflows (fluxos de gás para fora). É que a radiação bem como as instabilidades no disco de acreção empurram o gás circum-nuclear da galáxia e são observadas como "cones de ionização", estruturas bipolares nas imagens que mostram a distribuição do fluxo em linhas de emissão de gás ionizado, como a do [OIII]5007A, ilustrado na Figura 5, para o quasar J135251.21+654113.2 (que chamaremos de J13+65). Essa figura mostra imagens do Hubble: (1) do contínuo, revelando a distribuição das estrelas da galáxia hospedeira (contornos em branco); (2) em um filtro de banda estreita centrado em 5007A que isola a emissão do gás [OIII] ionizado pela radiação do quasar (em laranja e violeta). Esse gás se estende para além da componente estelar da galáxia, no caso revelando o feedback radiativo do AGN. Além disso, em Dall'Agnol de Oliveira (2021) [8], pudemos mapear a cinemática do gás ionizado, que revelou a presença de outflows coespaciais com a emissão.

    "A radiação, ventos e jatos dos AGNs influenciam a evolução das galáxias em que estão, pois aquecem, agitam e empurram o gás ao seu redor, impedindo a formação de novas estrelas e portanto regulando o próprio crescimento da galáxia."

    A Figura 5 também mostra que, no caso do quasar, há uma forte interação com uma galáxia companheira, que deve ter sido a responsável por enviar gás para o centro e provocar o surgimento do AGN.

     

    Gás molecular

    O feedback do AGN não ocorre somente no gás ionizado; observações recentes no infravermelho próximo, que mapeiam o gás molecular H2 quente (~2000K) [9] e na faixa milimétrica do espectro, com o Atacama Large Milimetric Array (ALMA), que mapeiam o gás molecular frio da molécula de CO, indicador da molécula de H2, têm revelado outflows também nessas fases do gás, em geral, mais massivos do que os observados no gás ionizado.

     

    Modelos de evolução do Universo

    Modelos cosmológicos de evolução do Universo têm demonstrado que, sem levar em conta os efeitos de retroalimentação da fase ativa das galáxias, as mesmas resultam muito mais massivas do que se observa hoje em dia. É, portanto, fundamental mapear e quantificar esses processos de retroalimentação como fizemos em J13+65 para fornecer vínculos para modelos de evolução das galáxias. Uma simulação recente que leva em conta a retroalimentação é a chamada "Ilustris-TNG", desenvolvida por pesquisadores do Center for Astrophysics (https://www.tng-project.org/), de Harvard (EUA), e seus colaboradores.

    "Os AGNs têm um papel importante na formação das estrelas de suas galáxias, ou seja, as galáxias seriam bem diferentes, possivelmente bem maiores, se não fosse o feedback de seu SMBH."

     

    O futuro

    Nosso grupo AGNIFS, em uma proposta liderada por Rogemar Riffel, conseguiu tempo de observação no Telescópio Espacial James Webb (JWST), para observar a cinemática de mais uma fase do gás molecular: o H2 "morno", que emite no infravermelho médio. Somente com o JWST está sendo possível observar diretamente outflows (e eventualmente inflows) nessa fase em alta resolução, o que será fundamental para poder avaliar o feedback dos AGNs em todas as fases do gás. Também vamos participar do Legacy Survey of Space and Time (LSST), que será realizado no Observatório Vera Rubin, vizinho ao Gemini Sul e SOAR no Cerro Pachón, Chile, que entrará em operação em 2024. Este projeto vai permitir o mapeamento do disco de acreção via a técnica de "Reverberation Mapping" (https://agn.science.lsst.org/).

     

    Conclusão

    Os SMBHs estão no centro de todas as galáxias com bojo estelar - galáxias elípticas e espirais. Nos primeiros bilhões de anos do Universo, a alta taxa de acreção de matéria aos SMBHs gerou os quasars, os AGNs mais luminosos que existem. No Universo atual, a maioria dos SMBHs está quiescente, sendo ativados quando capturam matéria; a galáxia fica ativa, com um AGN no seu centro. Meu trabalho e de meus colaboradores tem se concentrado nos processos de alimentação (feeding) e retroalimentação (feedback) em AGNs.

     

    Quanto ao feeding

    Em grandes escalas, a ativação do AGN parece ser devida a interações entre galáxias: quanto mais forte a interação, mais luminoso é o AGN. Em escalas de ~2.000 anos-luz, observamos escoamento do gás (velocidades de ~100-200 km/s) em estruturas espirais (taxas ~0.1-1 massa solar/ano). Também estudamos a população estelar nesta região e encontramos um excesso de estrelas jovens, que interpretamos como sendo devido ao excesso de gás na região: o mesmo gás que alimenta o AGN, no seu caminho para a região central da galáxia, dá origem à formação de novas estrelas.

    Dentro dos ~3 anos-luz centrais, observamos os perfis das linhas de emissão que mostram nuvens em órbita do SMBH com velocidades de ~5.000 km/s, onde, em alguns casos, observamos também estruturas espirais.

    Quanto ao feedback

    Mapeamos as ejeções de gás em grande escala a sua maioria bipolares e cônicas em gás ionizado que se estendem a mais de 10.000 anos-luz do núcleo, com velocidades de até 1.000 km/s e taxas de ejeção de matéria de algumas massas solares por ano. Nos AGNs mais luminosos se estendem além dos limites da galáxia favorecendo escape da radiação de AGNs luminosos ao meio intergaláctico. Temos mapeado também o gás molecular quente (> 2.000K), frio (<100K) e com o JWST vamos mapear o morno. O mapeamento dessas ejeções e a luminosidade do disco permitem calcular os efeitos de "retroalimentação" dos SMBHs, que regulam o crescimento das galáxias, fornecendo os vínculos necessários a modelos cosmológicos do Universo.

    "Nosso SMBH deve ter tido um papel importante no passado, quando era mais ativo, influenciando inclusive o nosso destino: se a nossa galáxia fosse maior e mais massiva, talvez nem houvesse as condições propícias para o surgimento do Sol aqui no nosso cantinho."

    Esse feedback mostra que os AGNs têm um papel importante na formação das estrelas de suas galáxias, ou seja, as galáxias seriam bem diferentes, possivelmente bem maiores, se não fosse o feedback de seu SMBH. Esse feedback evita que a galáxia forme estrelas "demais". O Sgr A*, nosso SMBH, deve ter tido um papel importante no passado, quando era mais ativo, influenciando inclusive o nosso destino: se a nossa galáxia fosse maior e mais massiva, talvez nem houvesse as condições propícias para o surgimento do Sol aqui no nosso cantinho, a 27 mil anos-luz do centro da Via Láctea [10].

     

    Referências

    1. STORCHI-BERGMANN, T. Mynews Explica Buracos Negros. São Paulo: Ed. Almedina, 2023.

    2. SCHIMOIA, J. S.; STORCHI-BERGMANN, T.; NEMMEN, R. S.; WINGE, C.; ERACLEOUS, M. Short Timescale Variations of the Halpha Double-peaked Profile of the Nucleus of NGC 1097. The Astrophysical Journal, v. 748, n. 2, 2012.

    3. STORCHI-BERGMANN, T.; SCHIMOIA, J. S.; PETERSON, B. M.; ELVIS, M.; DENNEY, K. D.; ERACLEOUS, M. et al. Double-Peaked Profiles: Ubiquitous Signatures of Disks in the Broad Emission Lines of Active Galactic Nuclei. The Astrophysical Journal, v. 835, n. 2, 2017.

    4. SCHNORR-MÜLLER, A.; STORCHI-BERGMANN, T.; NAGAR, N. M.; FERRARI, F. Gas inflows towards the nucleus of the active galaxy NGC7213. Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, v. 438, n. 4, 2014.

    5. STORCHI-BERGMANN, T.; SCHNORR-MÜLLER, A. Observational constraints on the feeding of supermassive black holes. Nature Astronomy, v. 3, p. 48-61, 2019.

    6. RIFFEL, R.; DAHMER-HAHN, L. G.; RIFFEL, R. A.; STORCHI-BERGMANN, T.; DAMETTO, N. Z.; DAVIES, R. et al. Gemini NIFS survey of feeding and feedback processes in nearby active galaxies - VI. Stellar populations. Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, v. 512, n. 3, 2022.

    7. STORCHI-BERGMANN, T.; OLIVEIRA, B. D.; MICCHI, L. F. L.; SCHMITT, H. R. , FISCHER, T. C.; KRAEMER, S. et al. Bipolar Ionization Cones in the Extended Narrow-line Region of Nearby QSO2s. The Astrophysical Journal, v. 868, n. 1, 2018.

    8. OLIVEIRA, B. D.; STORCHI-BERGMANN, T.; KRAEMER, S. B.; VILLAR MARTÍN, M.; SCHNORR-MÜLLER, A.; SCHMITT, H. R. et al. Gauging the effect of supermassive black holes feedback on quasar host galaxies. Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, v. 504, n. 3, 2021.

    9. RIFFEL, R. A.; STORCHI-BERGMANN, T.; RIFFEL, R.; BIANCHIN M.; ZAKAMSKA, N. L.; RUSCHEL-DUTRA D. et al. The AGNIFS survey: spatially resolved observations of hot molecular and ionized outflows in nearby active galaxies. Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, v. 521, n. 2, 2023.

    10. STORCHI-BERGMANN, T.; NEMMEN, R. S.; ERACLEOUS, M.; HALPERN, J. P.; WILSON, A. S.; FILIPPENKO, A. V. et al. Evolution of the Nuclear Accretion Disk Emission in NGC 1097: Getting Closer to the Black Hole. The Astrophysical Journal, v. 598, n. 2, 2003.