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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.75 no.4 São Paulo oct./dic. 2023

    http://dx.doi.org/10.5935/2317-6660.20230061 

    REPORTAGEM

     

    O consumo de combustíveis fósseis e o alarmante efeito nos biomas brasileiros: avanços da matriz energética brasileira e os desafios no cenário atual das mudanças climáticas

     

     

    Priscylla Almeida

    Jornalista e produtora de conteúdo para áreas de saúde e ciência, marketing e publicidade. Apaixonada por filmes, gatinhos e pela rotina dinâmica que a comunicação traz: o contato com gente, a curiosidade de assuntos diversos, a troca

     

     

    O mundo tem até 2030 para reduzir em 43% as emissões de gases de efeito estufa, se quiser impedir consequências climáticas irreversíveis decorrentes do aumento de 1,5 ºC do aquecimento global, segundo o último relatório divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU. São menos de seis anos para evitar que seja ultrapassado o limite estabelecido no Acordo de Paris, em 2015. Contudo, estima-se que essa temperatura será atingida nos próximos cinco anos, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM).

    A queima de combustíveis fósseis para consumo de energia é responsável por 80% das emissões de dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O), os principais gases do efeito estufa. O desmatamento de florestas tropicais como a Amazônia corresponde aos outros 20% dessas emissões. Somados tornam-se os principais causadores pelo aumento da temperatura terrestre e toda uma cadeia de efeitos ambientais, climáticos e sociais (Figura 1).

     

     

    "Estamos cada vez mais impactados. Devemos considerar que a emergência climática é um problema de ordem complexa e planetária, que evoca ações imediatas para o seu enfrentamento. Conviveremos com essas consequências por muito tempo e o termo 'emergência climática' vem para dar o verdadeiro sentido de urgência, já que não estamos mais falando do futuro, e sim do agora", alerta Adriana Kataoka, professora do Departamento de Ciências Biológicas e coordenadora do Comitê Gestor de Educação Ambiental da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro).

    "Conviveremos com essas consequências por muito tempo e o termo 'emergência climática' vem para dar o verdadeiro sentido de urgência, já que não estamos mais falando do futuro, e sim do agora."

    Para José Eduardo Viglio, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os impactos das mudanças climáticas já são sentidos no mundo todo. "As mudanças climáticas causadas, sobretudo, pelo uso de combustíveis fósseis nos últimos séculos, têm efeitos globais, embora afetem localidades e regiões de modo particular".

     

    Impactos nos biomas brasileiros

    O Brasil é um dos países mais afetados pelo aumento do aquecimento global, já que suas dimensões continentais acabam sendo expostas inevitavelmente e atingidas de forma direta. No país, o aumento da temperatura ocasiona a perda de áreas costeiras decorrente da elevação do nível do mar, em eventos climáticos extremos, em mudanças dos padrões de chuva, nas conhecidas ondas de calor, incêndios florestais, perda da biodiversidade, chuvas ácidas, aumento da frequência de secas e, consequentemente, em crises hídricas. "Sendo totalmente dependente de hidrelétricas (um total de 73,6% de toda energia gerada no ano passado), quando ocorrem situações de secas extremas com os reservatórios a níveis críticos, o uso das usinas termoelétricas é ativado para substituir ou complementar a demanda da população, gerando assim mais impactos com o aumento na queima de combustíveis fósseis", analisa José Eduardo Viglio, que é um dos autores do estudo "Narrativas científicas sobre petróleo e mudanças do clima e suas reverberações na política climática brasileira". Prova disso foi a pior crise hídrica vivenciada pelo país, em 2021, cujas precipitações foram as mais baixas dos últimos 91 anos.

    "É necessária uma mudança profunda que vai além de uma mudança de comportamento, mas perpassa o modelo de desenvolvimento econômico, envolvendo mudanças políticas e culturais."

    O estado do Amazonas vive uma verdadeira crise ambiental, onde recentemente uma onda de fumaça provocada pelas queimadas cobriu a capital Manaus, deixando o ar praticamente irrespirável. Somente nos últimos três meses, foram mais de 15 mil focos de incêndio, sendo 72 queimadas registradas somente em três dias do mês de novembro, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

    A mudança do clima no mundo se manifesta diretamente nos biomas brasileiros, intensificando a severidade e a frequência de secas que, combinadas com o extremo calor, criam condições para queimadas mais devastadoras. Somente em 2023 foram mais de 9 milhões de hectares atingidos pelas chamas no país, segundo dados do MapBiomas.

     

    Avanços no panorama brasileiro

    Atualmente, o consumo de combustíveis, como gasolina, diesel, carvão e gás natural, representa 82% das fontes de energia utilizadas no mundo, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA). Felizmente, o Brasil tem uma situação bem diferente da média global, com 48% de sua energia produzida por meio de fontes renováveis. Além disso, o país lidera o ranking de matrizes energéticas mais renováveis no mundo, segundo dados do Ministério de Minas e Energia.

    A capacidade geográfica do Brasil também o deixa em uma posição vantajosa para a geração de energia renovável, como, por exemplo, as hidrelétricas, possuindo inclusive a maior bacia hidrográfica do mundo. No entanto, o consumo desse tipo de energia vem caindo, principalmente por conta das crises hídricas cada vez mais recorrentes, cujas secas e escassez têm papel crucial no ciclo hidrológico e na disponibilidade de água (Figura 2).

     

     

    "O Brasil tem avançado na produção de energia renovável com uma série de políticas de incentivo voltadas tanto para residências quanto para comércios, ajudando a alavancar o uso dessas fontes de energias."

    Assim, outras fontes renováveis e competitivas surgem para minimizar esses efeitos. Esse é o caso da energia solar, que se tornou a segunda maior fonte de energia no Brasil - atrás apenas da hidrelétrica - apresentando um crescimento de 64%, em 2022, em relação ao ano anterior, segundo levantamento da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR). "O Brasil tem avançado na produção de energia renovável com uma série de políticas de incentivo voltadas tanto para residências quanto para comércios, ajudando a alavancar o uso dessas fontes de energias, que não são as principais, e aumentando também o estímulo global nesse sentido", declara José Eduardo Viglio.

    Em se tratando de energia eólica, o Brasil mantém o sexto lugar no ranking mundial, segundo dados do Global Wind Energy Council (GWEC), um fato bastante relevante se considerarmos que, em 2012, o país ocupava o 15º lugar. E não menos importante, a biomassa representa cerca de 8,55% dentro de toda matriz energética brasileira, segundo informações do Ministério de Minas e Energia. Versátil, essa fonte de energia resulta também em biocombustíveis, biogás, alimentação animal, fertilizantes, produtos químicos e o chamado bioplástico ou plástico verde: que mesmo sendo considerado pela ONU uma solução sustentavelmente brasileira, ainda apresenta controvérsias e requer um olhar mais cauteloso em todo seu processo de origem.

     

    Desafios da transição energética no cenário atual: como avançar ainda mais?

    Mesmo sendo referência no âmbito da energia renovável, o Brasil ainda tem desafios a enfrentar para uma transição energética efetiva e progressiva. "Como é o exemplo da energia hídrica que, apesar de ser considerada limpa, não está totalmente isenta de impactos. Para as mudanças climáticas este tipo de energia é positivo sim, mas, em termos de efeitos diretos e regionais, também há impactos, talvez em menor proporção, mas que devem ser observados", pondera José Eduardo Viglio.

    Além disso, não há uma solução de forma única para cada região do país: são necessárias dinâmicas diferentes de acordo com suas diversidades. A transição energética é um processo complexo que requer planejamento, investimento e cooperação entre governos, indústria e sociedade. "É necessária uma mudança profunda que vai além de uma mudança de comportamento, mas perpassa o modelo de desenvolvimento econômico, envolvendo mudanças políticas e culturais", destaca Adriana Kataoka. "Precisamos, portanto, falar em mudanças de paradigmas, já que, de forma direta ou indireta, cada um contribui com a manutenção de um modelo de desenvolvimento econômico pautado no acúmulo, no enriquecimento de uma minoria em detrimento de uma maioria que não tem acesso a esses recursos".

    Felizmente, a AIE projetou que o consumo de combustíveis fósseis terá significativa queda nos próximos dez anos e entrará em declínio permanente à medida que as políticas climáticas entrarem em vigor. Isso implica no envolvimento de tecnologia, mas ela sozinha não é a solução. "É necessária uma forma de combate no âmbito global para a implementação de políticas públicas voltadas para questões de sustentabilidade e de enfrentamento das mudanças climáticas", reforça Adriana Kataoka. "Tudo isso passa pela aquisição de informação e, principalmente, pela ampliação da consciência de que somos responsáveis pelas emissões e também pela solução dos danos ao planeta".