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Ciência e Cultura
versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660
Cienc. Cult. vol.76 no.2 São Paulo abr./jun. 2024
http://dx.doi.org/10.5935/2317-6660.20240028
ARTIGO
Einstein e a relatividade restrita
Mario Schenberg
Físico, matemático, político e crítico de arte brasileiro. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Física (1979-1981) e diretor do Departamento de Física da Universidade de São Paulo (1953- 1961), onde também foi professor catedrático
RESUMO
Aos 16 anos, Einstein já questionava os conceitos vigentes de espaço e tempo. Ele imaginou uma onda eletromagnética e um observador movendo-se à velocidade da luz, percebendo que a onda pareceria parada, o que contradizia a natureza das ondas eletromagnéticas. Essa percepção levou à formulação da teoria da relatividade restrita, destacando a importância das experiências de pensamento em seu método científico. Einstein acreditava que as teorias nasciam da imaginação humana e eram validadas pela experiência, desafiando a visão de que a experimentação direta gerava conceitos fundamentais. Sua abordagem diferenciava-se da interpretação tradicional do método científico, especialmente em comparação com Newton.
Palavras-chave: Einstein; Física; Ciência; Teoria da relatividade; Relatividade restrita.
Eu vou adotar uma tática diferente, digamos assim, da que foi usada pelo professor Nussenzveig nesta extraordinária conferência que ele fez. Não vou tentar fazer nenhuma exposição sistemática da relatividade restrita, mas vou fazer uma espécie de ataque, à maneira de guerrilhas, pegar um ponto, pegar outro ponto etc., de maneira a elucidar determinados aspectos, sem nenhuma intenção de fazer uma exposição muito coordenada, nem te dar um quadro geral, o que, aliás, não seria possível no tempo limitado de que disponho aqui.
A teoria da relatividade restrita, ao que tudo indica - e o próprio Einstein confirma isso em suas notas autobiográficas - foi uma ideia que apareceria muito cedo em sua mente. Aos 16 anos de idade, ele já tinha encontrado uma dificuldade nos conceitos de espaço e de tempo vigentes naquela época. A experiência que ele imaginou foi muito simples. Eu também não vou analisá-la em profundidade, vou apenas citá-la para que se tenha uma ideia. Ele imaginou o seguinte: uma onda eletromagnética propagando-se, por exemplo, uma onda plana e um observador que pudesse mover-se com a velocidade da luz. Para este observador, a onda deveria aparecer como parada, o que seria inteiramente incompatível com o caráter de uma onda eletromagnética que tem que ser um fenômeno propagatório. E isso é muito interessante, porque mostra muito do método de pensamento dele que, já aos 16 anos de idade, estava bastante elaborado como se vê, já sentia que havia uma dificuldade essencial em relação aos conceitos de espaço e tempo, quer dizer, deveria ser impossível um observador mover-se com a velocidade da luz. Se o observador não pudesse atingir a velocidade da luz, não haveria dificuldades, mas isso seria completamente incompatível com as ideias de espaço e de tempo que existiam naquela época, que não impediam que o observador se movesse até com velocidade maior do que a da luz. Aliás, existem até trabalhos interessantes, como o de Sommerfeld, sobre o que um observador veria movendo-se com a velocidade superior à luz. É um trabalho muito interessante, porque, de certo modo, prevê certos resultados da radiação de Tcherenkov.
Bem, não vamos entrar neste ponto aqui, porque apenas nos interessa, mais exatamente, ver a maneira de Einstein pensar. Este método das experiências de pensamento (Gedanken Experiment) sempre foi decisivo em sua obra. Ele fazia uma experiência mental, em vez da experiência ser feita com aparelhos. E isso é muito interessante para o método da física, porque Einstein acreditava que o método da física depende muito menos da experiência do que se supõe. Na época dele, admitia-se que de resultados experimentais, por indução, obtinham-se os conceitos fundamentais da física. Ele, aparentemente, nunca acreditou nisso, pensava que o contrário é o que acontece, o que depois ficou formulado bem explicitamente. Uma determinada teoria é imaginada pelo físico e depois submetida ao teste da experiência que pode invalidá-la, porém, a experiência nunca permitiria descobrir os conceitos fundamentais. Mas ele considera mesmo, e eu vou só citar de passagem a teoria da relatividade geral, que esta teoria mostrou, como ele afirmou em seu livro "Como vejo o mundo", que se podia explicar os efeitos da gravitação da teoria de Newton por um esquema completamente diferente, um esquema de ideias com outros conceitos, e que, portanto, um fato experimental não determinava os conceitos necessários para sua elucidação. A descoberta do conceito seria eminentemente um ato criador da imaginação humana. Estou me referindo a isso, a guisa de introdução, porque sem compreender este ponto fica muito difícil avaliar realmente porque o método científico de Einstein era um método científico diferente. Aliás, deve-se observar que a ideia do método científico foi em grande parte baseada sobre a regra de Newton, mas não sobre o pensamento de Newton, e pela regra de Newton foi como interpretada por seus discípulos. E como em geral acontece com os discípulos, eles deturpam as ideias do mestre quando não são mais talentosas do que ele, pois então consertam os erros do mestre. Porém, os discípulos de Newton eram muito menos talentosos do que o mestre, de modo que eles, em geral, deturparam muito as ideias de Newton, que como o Nussensvieg, já se referiu em relação às concepções de Newton sobre a teoria corpuscular da luz. Aliás, a concepção de Newton da luz continuou desconhecida durante séculos e mesmo até agora ainda não se sabe exatamente qual é o conjunto das ideias de Newton. Ele já tinha compreendido, nem podia deixar de compreender, porque já conhecia o fenômeno da difração da luz, que esta tivesse aspectos ondulatórios. E então imaginou uma coisa muito complicada, que até hoje não foi possível entender bem, sobre a existência dos dois aspectos - o ondulatório e o corpuscular. Há um texto dele no qual se referindo a difração diz que na difração os corpúsculos luminosos têm caprichos, o que já dava uma ideia da presença de um efeito de probabilidade. Devido ao capricho do corpúsculo, o que este faria quando encontrasse uma fenda de difração? Daí poderia surgir a introdução de um conceito de probabilidade. E atualmente então podemos ver como foi gigantesca a capacidade de intuição de Newton. Einstein mesmo no prefácio de uma edição moderna da "Óptica" da Newton usou as seguintes palavras: "Newton, para quem a natureza não tem segredos". Quer dizer, é difícil contar alguma coisa da física moderna que não tenha algum eco da obra de Newton. Eu me lembro que, uma vez, estava lendo a ótica de Newton e no meio disso, não tendo nada a ver com o assunto, você encontra a seguinte nota: "que as forças que atuam dentro dos átomos devem ser de natureza elétrica". Hora, essa é uma observação espantosa, porque no tempo dele, a rigor, não se sabia nem de átomos, nem de eletricidade. Ele teve a intuição de que as forças que atuam dentro dos átomos eram de natureza elétrica. Mas isso mostra bem como a capacidade teórica de um grande físico vai muito à frente da experiência: a de Newton estava uns 300 anos adiante das experiências da sua época. Assim, a ideia de que houvesse um método certo irregular para extrair de fatos experimentais os conceitos teóricos, hoje em dia, aparece completamente falsa. Procurarei fazer uma comparação entre Einstein e Newton, tendo em vista a teoria da relatividade restrita, quanto as ideias de espaço e de tempo.
Como todos sabem, Newton tinha uma ideia sobre espaço e tempo de resto bastante obscura até agora, que seria a de espaço e tempo absolutos. Para se ver como essa ideia era misteriosa, observemos que no famoso Scholium generale da obra fundamental de Newton sobre a mecânica, Philosophiae naturalis principia mathematica, está afirmação que o espaço absoluto é o sensório de Deus. O que é uma ideia realmente muito difícil de compreender, de saber o que ele queria dizer com isso. Certamente esta ideia sugere inúmeras reflexões, mas de fato, não há uma clareza absoluta sobre o que Newton entendia por espaço absoluto e tempo absoluto. Será talvez algo para a física do futuro elucidar. Mas, na época de Einstein, prevalecia uma visão como essa, não só sobre o espaço e o tempo, como também interpretações deturpadas das ideias de Newton sobre a massa e a força. Einstein pensava na época, e com toda a razão, que a situação era caótica e que havia uma série de fatos experimentais inexplicáveis pela física newtoniana. Aliás, vou chamar mais uma vez a atenção sobre a deturpação que se faz da história da física. Nos livros didáticos, afirma-se costumeiramente que as ideias de Einstein que levaram à relatividade restrita foram baseadas nas experiências de Michelson-Morley. Nas notas autobiográficas de Einstein, e mesmo nos papéis que ele deixou, não há nenhuma menção dessa experiência, e parece mesmo que ele não a conhecia ao elaborar a sua teoria da relatividade restrita. Einstein desconhecia inúmeros trabalhos, mas era uma ignorância genial que, às vezes, permitia que ele refizesse melhor as coisas que os outros tinham feito pior, como, por exemplo, no caso da mecânica estatística. Neste caso, ele confessa que reconstruiu este tipo de mecânica por causa de sua ignorância, porque desconhecia os trabalhos sobre a mesma, não só os mais recentes, mas até mesmo alguns de Boltzmann. Tendo de refazer tudo desde o começo, seguiu um caminho mais interessante que os outros antes dele (Figura 1).
Parece que Einstein não conhecia a experiência de Michelson, e que nos trabalhos de Lorentz apenas tivesse sabido do primeiro, desconhecendo, por exemplo, o trabalho no qual foram introduzidas as denominadas transformações de Lorentz. Naturalmente, depois ele ficou conhecendo, depois foi um grande amigo de Lorentz. E assim foi seguindo o seu próprio método, sem se preocupar muito nem com os trabalhos experimentais, nem com os trabalhos teóricos de outros físicos. Os teóricos ele provavelmente não lia, e dos experimentais devia ter um conhecimento muito vago. Aliás, esta atitude muito curiosa não desapareceu de todo com Einstein, que procurava abordar diretamente os problemas sem muita preocupação com os trabalhos dos outros. Outros físicos também tinham essa atitude. Pauli, que foi seu professor e de quem fiquei muito amigo, me dizia que em 1951: "eu não leio mais a Physical Review, pois os artigos lá publicados são muito maçantes e não vale a pena lê-los". Naturalmente, Pauli sabia das coisas, porque as pessoas queriam contar para ele, o que era suficiente para orientá-lo. Talvez, essa maneira de proceder nem sempre tenha dado bons resultados: creio que uma das coisas que Einstein poderia ter usado e teria alterado as suas ideias sobre a teoria unitária fosse o trabalho de Kottler, um físico austríaco de muito talento.
Einstein, em suas notas autobiográficas, achava a situação da física muito confusa, pensando que era preciso introduzir um princípio muito geral, do tipo dos dois princípios da termodinâmica, aos quais ele se referia explicitamente. Devia ser um princípio impeditivo, como os da termodinâmica, e este princípio foi o de que não poderia haver uma propagação instantânea de uma ação de um ponto do espaço para o outro. Isso punha abaixo a simultaneidade absoluta. Aí é que está o ponto essencial. Naquela época se julgava que dois acontecimentos que fossem simultâneos para um observador teriam que ser necessariamente para qualquer outro. Essa ideia de simultaneidade absoluta parecia evidente, se bem que não pareceu evidente, por exemplo, a Kant. Este, na "Crítica da Razão Pura", achava que a simultaneidade dos acontecimentos que ocorrem em lugares diferentes deve ser uma simultaneidade construída. Einstein provavelmente não sabia desta observação de Kant. Não sei talvez uma leitura mais aprofundada dos apontamentos de Einstein permitisse saber disso. Pois bem, o princípio geral introduzido por Einstein impedia a simultaneidade absoluta, ou seja, a propagação instantânea das ações. Talvez o aspecto mais importante da teoria da relatividade restrita seja este, o de relativizar o conceito de simultaneidade, isto quanto aos conceitos, pois quanto aos resultados observáveis o próprio Einstein, em seu livro "Como vejo o mundo", achava que a consequência mais importante desta teoria foi a descoberta da equivalência entre massa e a energia expressa na famosa equação E = mc2. Pelo menos ele pensava assim em 1933. Não sei se depois mudou de opinião sobre esse ponto. Aliás, creio que a maneira como foram feitas as deduções no trabalho fundamental de Einstein, de 1905, foi mais ou menos arranjada, porque muitas vezes a pessoa pensa de um modo e quando redigi procura tornar a coisa mais compreensível para os outros escrevendo de modo diferente. Procurou então basear a teoria da relatividade restrita em dois princípios. Aqui novamente aparece o seu gênio de maneira espetacular. Primeiramente por ter compreendido que não havia simultaneidade absoluta, que a simultaneidade devia ser construída. Para Newton, talvez por trás de suas ideias de espaço e de tempo o que existia mesmo era uma ideia de simultaneidade absoluta. Einstein foi quem compreendeu que este era o ponto essencial e que era necessário alterá-lo, que deveria haver então uma lei geral da natureza tal como um princípio da termodinâmica que impedisse a propagação instantânea das ações. Denunciou também um princípio de relatividade que era a generalização do princípio já existente na mecânica newtoniana denominado pelo próprio Einstein de princípio da relatividade de Galileu. Era o seguinte: nenhuma experiência de mecânica que fosse feita dentro de um laboratório em movimento retilíneo e uniforme pode detectar este movimento. Por experiência de mecânica pode-se facilmente detectar se o sistema de referência - o laboratório em que o observador está - sofre uma aceleração, como no caso de um automóvel que acelera e projeta a gente de encontra ao assento. Porém, se estivéssemos num trem movendo-se em linha reta e com velocidade constante e se além do mais as janelas estivessem fechadas, não poderíamos por meios mecânicos detectar tal tipo de movimento. Se olhássemos para fora pelas janelas do trem, então poderíamos inferir uma coisa: que o trem está movendo-se ou as árvores ao longo da ferrovia é que estão em movimento, mas esta não é uma experiência feita dentro do trem e sim uma experiência feita com o trem e com as árvores. Assim, poderíamos reverenciar um movimento retilíneo e uniforme de um sistema de referência em relação a outro. Além do mais, esta experiência não seria puramente mecânica, ela seria mecânica e ótica (ou eletromagnética), porque depende de ver imagens. A extensão do princípio de relatividade que Einstein efetuou em relação ao de Galileu foi o seguinte: nenhuma experiência mecânica e/ou eletromagnética feita dentro de um sistema de referência isolado poderia detectar o estado de movimento retilíneo e uniforme do mesmo. Einstein anunciou também outro princípio que essencialmente seria o seguinte: as leis de propagação da luz independentemente do movimento da fonte luminosa deveriam ser exatamente idênticas para dois observadores iniciais e, portanto, movendo-se em movimento retilíneo e uniforme um em relação ao outro. Então, a partir desses dois princípios, por uma série de raciocínios, ele reencontrou as denominadas fórmulas de Lorentz, que são as transformações das coordenadas espaciais e do tempo de um observador inercial para as de outro observador inercial. Dessas fórmulas de Lorentz, concluiu que não havia simultaneidade absoluta. Portanto, os eventos se classificam em dois tipos. A partir de eventos para os quais a ordem do tempo é independente do observador. São eventos para os quais pode haver uma relação causal. O outro tipo de pares de eventos poderia ocorrer em ordens de tempo opostas para diferentes observadores inerciais. Na discussão de simultaneidade intervêm eventos que não têm a mesma ordem no tempo para todos os observadores inerciais entre os quais não pode haver relações de causalidade (Figura 2).
Creio que na teoria da relatividade restrita a coisa mais importante foi exatamente a crítica ao conceito de simultaneidade - e já aí entra a questão da causalidade. Se Einstein a tivesse aprofundado devidamente, vários aspectos da teoria da relatividade, sobretudo da sua relatividade generalizada, teriam sido modificados. De forma que se poderia dizer que a construção conceitual das relações de espaço e de tempo se baseia fundamentalmente sobre a causalidade. Esta é em parte uma ideia de Kant que se referia apenas ao tempo. Para ele a causalidade era a base do tempo. Nos últimos anos a questão da causalidade tem despertado grande interesse tanto em relação à relatividade restrita como em relação à relatividade generalizada. Eu mesmo procurei reformular certos aspectos desta última baseado no problema da causalidade. É na mecânica quântica sobretudo que o conceito de causalidade tem sido objeto de inúmeras discussões nos últimos anos. É possível mesmo que o fundamento de todas as ideias de espaço e de tempo seja o conceito de causalidade. Nos esquemas geométricos que se seguiram ao trabalho fundamental de 1905, essas coisas ficaram mais fáceis de serem vistas. Foi em 1908, três anos depois de Einstein ter publicado o seu trabalho sobre a relatividade restrita, que o matemático Hermann Minkowski, que fora seu professor, mostrou que o conjunto das fórmulas da relatividade restrita para as mudanças de coordenadas de espaço de tempo de um observador para o outro podiam ser expressas de uma maneira muito simples e interessante com a introdução de um contínuo espaço-tempo a quatro dimensões.
Aqui vou tocar num ponto de grande interesse. O termo relatividade aplicado a teoria de Einstein vem do fato de que os conceitos de espaço e de tempo ficam sendo relativos. O que é que chamamos de espaço para um observador? É o conjunto de eventos simultâneos para ele. Se a simultaneidade se torna relativa, o mesmo ocorre com um conceito de espaço: eventos que são simultâneos para um observador e não são para o outro, isso significa que os dois observadores não tem o mesmo espaço. A relatividade da simultaneidade implica na relatividade do espaço e também do tempo de um observador. Minkowski introduziu um espaço de quatro dimensões pseudo-euclidiano, ou seja, com uma métrica indefinida. Aliás, o professor Muniz Oliva já falou sobre isso, embora de maneira mais geral e aqui vou tomar um caso muito especial. Minkowski tomou uma variedade 4-dimensional denominada espaço-tempo e considerou dois eventos entre os quais existe algo: o intervalo que desempenha um papel semelhante ao da distância na geometria de Euclides; s2 é dado por uma forma quadrática indefinida, isto é, uma soma de 3 quadrados com um dado e um quarto com sinal oposto, por exemplo, s2 = x2 + y2 + z2 - c2t2. Esta "distância" ao quadrado no espaço-tempo pode ser positiva, negativa ou nula. Pois bem, Minkowski mostrou que o espaço de qualquer observador inercial seria mais fácil de sessão plana deste espaço-tempo 4-dimensional e que as fórmulas de Lorentz que davam a passagem do espaço-tempo de um observador para o espaço-tempo de outro observador correspondiam a uma espécie de rotação nesse espaço-tempo 4-dimensional. Tal "rotação" seria expressa por transformações das quatro coordenadas lineares que deixavam invariante essa forma quadrática. Parece que o próprio Einstein não ficou muito entusiasmado com essa ideia e segundo contaram teria até exclamado: "ih! Agora que os matemáticos se meteram vão atrapalhar tudo". Posteriormente mudou de opinião, pois foi o espaço-tempo de Minkowski que lhe deu a pista para construir a relatividade generalizada. Ao passo que o espaço e o tempo separadamente são relativos, Minkownski mostrou que havia algo que não era relativo: o espaço-tempo. Para isso foi preciso ir para uma geometria 4-dimensional. O que, aliás, não era totalmente novo. Já Lagrange via a cinemática como uma geometria 4-dimensional. Evidentemente entre essa concepção de Lagrange e a relatividade restrita a todo um abismo. A ideia de que havia qualquer coisa de absoluto, mas que não seria uma variedade 3-dimensional, mas uma variedade 4-dimensional foi posteriormente muito enriquecida na generalização da relatividade.
Voltando à questão original que Einstein colocava em 1905. Achando a situação da física muito confusa, ele procurava sair dela enunciando um princípio geral, o que levou ao princípio de relatividade restrita e a lei de isotropia de propagação da luz. No fundo, qual era essa confusão que existia na física? É que estava vendo um desacordo: uma parte da física, a mecânica, assentada sobre as leis de Newton, tinha equações variantes pelo grupo de transformações de Galileu ao passo que outra parte, a eletrodinâmica, tinha as equações de Maxwell como outro tipo de invariância matemática, correspondendo ao grupo de transformações de Lorentz. Como a teoria da relatividade restrita predominou, digamos assim, o grupo eletromagnético. Einstein deu preferência ao eletromagnetismo sobre a mecânica newtoniana. Anteriormente predominava a atitude oposta. O próprio Maxwell fez tentativas para deduzir as suas equações a partir de um modelo mecânico newtoniano. Durante todo o século XIX houve tentativas nesse sentido fatalmente destinadas ao fracasso, pois a mecânica newtoniana tinha um grupo de invariância diferente do grupo da invariância da teoria eletromagnética. Com os trabalhos não só de Einstein como os de seus contemporâneos Poincaré e Lorentz, isso ficou bem claro. O grupo eletromagnético de Lorentz passou a ser considerado grupo de invariância de toda a física através do espaço-tempo da relatividade restrita. Uma vez que Einstein tinha privilegiado este grupo, tornou-se necessário mudar as equações da mecânica para adaptá-las de forma a obter equações que fossem invariantes pelo grupo de Lorentz, e não pelo grupo de Galileu da mecânica newtoniana. Enfim, era preciso adaptar as leis da mecânica as do eletromagnetismo. Para isso foi necessário fazer várias mudanças de conceitos. E aí começaram de novo a aparecer coisas estranhas como o conceito de massa variando com a velocidade. Newton já admitira esse conceito que está na primeira parte de sua mecânica. Newton não escrevia a equação fundamental da dinâmica assim como se faz usualmente: a força como sendo igual à massa vezes a aceleração (f = m . a). Para Newton, esta equação era escrita assim: a força era a derivada da quantidade de movimento p em relação ao tempo (f = dp/dp). Portanto, a equação original de Newton podia passar diretamente para a teoria da relatividade, não havia necessidade de alterá-la. Mas Newton foi mais adiante definindo dois conceitos de massa. E este é um ponto que muitas pessoas não entendem e criam confusão. Um dos conceitos de massa era o de que a massa é a relação entre a quantidade de movimento e a velocidade (m = p/v). Sobre esta massa ele dizia explicitamente que não sabia se ela variava ou não com a velocidade. Não havia dados experimentais que permitissem esclarecer este ponto. Por simplicidade ele tomaria esta massa como constante, mas deixou a ressalva de que ela poderia não ser constante. A rigor a equação do movimento da dinâmica de Newton podia ser trazida diretamente para a teoria da relatividade contanto que se pusesse a forma correta para a variação da massa com a velocidade que Newton desconhecia. Aqui Einstein deu um grande passo em relação a Newton descobrindo qual era a lei de variação da massa com a velocidade, o que exigiu a adaptação da mecânica ao eletromagnetismo. E daí chegou a famosa equação E = mc2, que ele considera com toda a razão como a contribuição mais decisiva de toda a teoria da relatividade restrita. Assim, Einstein superou toda a chamada física newtoniana. A variação da massa com a velocidade podia ser observada na época nos raios catódicos que são elétrons movendo-se com grande velocidade. Porém, naquela época, a transformação da massa em energia ou vice-versa estava fora das possibilidades experimentais. Foi tão somente com o desenvolvimento da física nuclear que se pôde obter verificações experimentais da relação entre a massa e a energia. Aliás, pouco tempo depois de Einstein ter obtido esse resultado, o mesmo já serviu para explicar um enigma, o da origem da energia do Sol. Tal problema tinha sido objeto de inúmeras discussões sem sucesso durante todo o século XIX. Por volta da Primeira Guerra Mundial, Jean Perrin já tinha lançado a hipótese de que a fusão de quatro átomos de hélio poderia ser a origem da energia solar. Começou assim a teoria da relatividade a abrir novos horizontes para a astronomia.
A introdução do conceito de espaço-tempo ao qual levou a teoria da relatividade restrita foi decisiva para a evolução da física, possibilitando a generalização da teoria da relatividade com a inclusão da própria gravitação dentro de um esquema geométrico 4-dimensional. Permitiu também, embora de modo não imediato, uma melhor compreensão da questão da causalidade. Realmente o fato de haver uma forma quadrática indefinida da métrica é uma questão da causalidade. Levou a uma mudança muito grande não só do esquema newtoniano, mas de toda a visão do universo.
Embora eu não queira entrar na teoria da relatividade generalizada, assunto que o professor Tiomno irá tratar, vou tocar num ponto que acho essencial. As ideias de Einstein que conduziram à teoria da relatividade generalizada se inspiraram nas ideias geométricas de Riemann, o qual em meados do século passado apresentou uma tese extremamente avançada sobre uma nova concepção de geometria. E havia nesta um ponto a que Einstein não deu a devida importância: Riemann afirmava que temos que distinguir entre espacialidade em si mesma (pois não estava pensando em termos de espaço-tempo) e o espaço com métrica, isto é, com medida. A métrica para Riemann não era uma propriedade do espaço em si, mas algo que reflete as propriedades da matéria e das forças entre as partículas materiais. Bem esta foi uma das coisas que Einstein realizou na relatividade generalizada, mas ao que parece não deu muita atenção a observação na qual Riemann distingue a uma espécie de espacialidade pura sem métrica sem medida. Seria o que atualmente na Matemática se chama de variedade diferenciável sem métrica riemanniana. É um conceito mais primitivo do que a variedade riemanniana. É preciso distinguir entre a variedade diferenciável e a métrica que é uma espécie do campo definido dentro da variedade diferenciável. É daí que nasce realmente o espaço-tempo, pois a variedade diferenciável é um contínuo físico 4-dimensional, mas ainda não um espaço-tempo. Quem se aproximou desse tipo de concepção foi o físico austríaco Kottler, em 1912, curiosamente antes de Einstein ter obtido as equações da relatividade generalizada. Trabalho esse que nunca consegui ver, mas que me foi relatado. Kottler foi, aliás, o descobridor da invariância conforme do campo eletromagnético.
Procurei fazer uma certa crítica sem ser sistemático e o tempo que tive não daria para isso, mas acho importante aplicar em relação à obra de Einstein os métodos que ele mesmo preconizava. Devemos diante de sua obra manter uma atitude crítica, inclusive para melhor compreendê-la. Uma atitude crítica é sempre de certo modo um pé atrás, uma certa desconfiança. Por maravilhosa que pareça uma certa construção teórica devemos sempre ficar pensando se não pode haver uma reformulação da mesma, se não há maneiras alternativas de construí-la. Penso que só assim a obra de Einstein terá toda a importância que merece. Devemos constantemente fazer a comparação entre a sua obra e a mecânica newtoniana por um lado e por outro compará-la com a mecânica quântica. Assim compreenderemos melhor a teoria da relatividade. É o que está acontecendo nesses últimos anos. A propósito lembro-me que Fermi me dizia: "não sei não se a teoria da relatividade generalizada é correta, faltam dados experimentais para confirmá-la plenamente". De fato, naquela época, em 1938, não havia muita base experimental para esta teoria. Agora a situação mudou, depois surgiram novas confirmações experimentais da teoria da relatividade generalizada. Com a teoria da relatividade restrita a situação foi outra: ela teve aceitação imediata e provocou efeitos enormes não só diretamente, mas sobretudo através da mecânica quântica. A teoria da radiação de Dirac foi o primeiro exemplo de uma teoria quântica relativista e ao início da teoria quântica dos Campos. Dirac foi o primeiro a conseguir fundir a relatividade com a mecânica quântica ao descobrir a equação que leva o seu nome, que é a equação de onda relativística do elétron. Aliás, foi também o primeiro a fazer posteriormente uma teoria quântica do campo gravitacional. A teoria da relatividade restrita recebeu confirmações brilhantes ainda mais no campo da física quântica do que no campo da física clássica. Mesmo se nos reportarmos a obra de Einstein, como, por exemplo, ao conceito de fóton, vemos que este só pode ser concebido com clareza dentro de um esquema relativístico. O fóton é essencialmente uma partícula relativística, ao passo que as outras partículas de massa diferente de zero podem ser mais ou menos compreendidas sem a relatividade. Outro exemplo de combinação dessas duas teorias nos é dado pelo estudo de energia nuclear.
Texto publicado originalmente em:
SCHENBERG, M. Einstein e a relatividade restrita. Ciência & Cultura, São Paulo, v. 31, n. 12, 1979.
* Esse texto foi atualizado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.