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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.76 no.2 São Paulo abr./jun. 2024

    http://dx.doi.org/10.5935/2317-6660.20240050 

    ENSAIO

     

    O investimento em capital humano: caminho para o desenvolvimento econômico e social

     

     

    José Francisco Gonçalves JúniorI; Odir DellagostinII

    IProfessor no Departamento de Ecologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (UnB) e Licenciado para Período Sabático no Australian River Institute da Griffith University- Austrália. É presidente da TWRA no Brasil
    IIDiretor-presidente da FAPERGS e Presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (CONFAP). É também membro do Comitê Técnico Nacional de Biossegurança, do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, do Conselho Deliberativo do CNPq e preside o Conselho de Administração do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE)

     

     


    RESUMO

    O investimento em capital humano, especialmente na formação de doutores, constitui uma estratégia fundamental para o crescimento econômico e social das nações, desafiando a noção tradicional de riqueza vinculada a commodities. Neste estudo, analisamos o cenário brasileiro por meio de dados sobre investimentos na formação de recursos humanos ao nível de pós-graduação realizados pelas agências de fomento à pesquisa federais e estaduais. Correlacionamos esses dados com informações sobre a produção científica, obtidas da base de dados Scopus. O Brasil apresentou progressos até 2015, porém, desde então, enfrentou uma crise no financiamento à pesquisa e no suporte a estudantes de pós-graduação. Valorizar doutores como ativos essenciais e criar mecanismos eficientes para aproveitar seu potencial é crucial para impulsionar o desenvolvimento econômico e superar a crise de inserção no mercado de trabalho.

    Palavras-chave: Pós-Graduação; Educação Superior; Valoração; Doutor; Pesquisa Acadêmica.


     

     

    Introdução

    A riqueza de um país tradicionalmente se associa à quantidade de commodities agrícolas e minerais disponíveis, bem como à produção industrial e seus valores agregados no mercado internacional. Esses elementos fornecem uma base para estabelecer relações econômicas, como custo-benefício, superávit, lucro e balanços financeiros, valorizando os diversos setores da sociedade. No entanto, o sucesso de alguns países que carecem de abundantes commodities demonstrara haver outras formas de prosperidade [1].

    O investimento na educação e no desenvolvimento das capacidades intelectuais de seu povo tem levado diversos países a serem considerados bem-sucedidos [2]. Além disso, a Organização das Nações Unidades (ONU) [3] defende que o alcance do desenvolvimento sustentável só será possível se os países atingirem plenamente o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4: Educação de qualidade que "busca assegurar educação de qualidade inclusiva e equitativa e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos". Assim, os valores de bens e serviços dessas nações, que se desenvolveram com base no avanço técnico-científico de seus produtos, são o resultado de um extenso investimento em educação em todos os níveis, desde a pré-escola até o doutorado. O investimento em ciência e tecnologia (C&T) tem permitido um aumento significativo no produto interno bruto (PIB) destes países, elevando o nível de desenvolvimento humano (por exemplo, Coreia do Sul e Singapura [1]; e Austrália [4]).

    No caso do Brasil, o investimento em educação é de aproximadamente 6% de seu PIB (cerca de R$ 600 bilhões ou US$ 125 bilhões, dados de 2022). Este valor, que em números absolutos parece muito, não tem sido suficiente para garantir índices satisfatórios da educação brasileira, comparando com outros países [5]. Isso levanta questões sobre o entendimento do real valor desse investimento, sugerindo que o país pode estar subestimando seu potencial e que deveria mudar o seu foco [6].

    Nesse contexto, este artigo vem promover uma reflexão sobre a importância da formação qualificada da população brasileira, com especial ênfase na valorização dos indivíduos que obtêm o título de doutor em diferentes áreas do conhecimento. Esse grupo é considerado um ativo essencial que não apenas enriquece os aspectos culturais e históricos da nação, mas também desempenha um papel fundamental no âmbito econômico. Além de alinhar-se com o ODS 4, que busca uma educação de qualidade, investir na capacitação e na empregabilidade desses doutores pode facilitar a implementação dos Acordos de Paris e do Acordo Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal, oferecendo ao Brasil vias mais acessíveis para cumprir seus compromissos internacionais relacionados à educação e ao meio ambiente [7].

    Contudo, é importante destacar que comparar pessoas a mercadorias é moralmente inadequado, pois pensar em indivíduos gerando lucro e superávit como uma forma de exploração evoca traumas históricos ainda não superados, que causaram grande sofrimento à humanidade [8]. Ao invés disso, é fundamental valorizar o investimento de um país em sua população, considerando capacidades, conhecimentos e criatividades como parâmetros para avaliar seus recursos humanos [6,9]. Ao fazer essas ponderações, gostaríamos apenas de demonstrar que as capacidades de um povo são verdadeiros ativos financeiros quando respeitados todos os arcabouços éticos e morais.

    Este artigo parte da premissa de que, no Brasil, assim como em outros países como a Alemanha [10] e os Estados Unidos da América [2], os doutores recém-titulados enfrentam desafios significativos em relação à sua valorização no mercado de trabalho. Isso ressalta uma situação que tem sido amplamente discutida e que transcende fronteiras, em responder a seguinte questão: como inserir e valorizar uma mão de obra tão especializada na carreira pretendida sem que sua inserção leve anos? Diante disso, nossos objetivos foram: (i) examinar dados governamentais sobre o panorama atual da formação de recursos humanos no âmbito da Pós-Graduação Brasileira; (ii) promover uma reflexão acerca das maneiras de conferir valor a esses recursos humanos e (iii) propor algumas abordagens para gestores tanto governamentais quanto não governamentais, visando à resolução da crise relacionada à inserção desses profissionais no mercado de trabalho.

     

    Material e métodos

    Formação em nível de pós-graduação

    Os dados foram levantados em setembro de 2023 a partir do Portal GeoCapes. Dados sobre a concessão de bolsas de formação em nível de pós-graduação e de pós-doutorado foram obtidos em "Dados Abertos Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes" e "Dados Abertos Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq", bem como dados informados pelas Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (FAPs), como resposta ao levantamento anual feito pelo Conselho Nacional de Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (CONFAP), no ano final do ano de 2022.

    Investimento em pesquisa

    Informações sobre investimentos em pesquisa feitos nas duas últimas décadas foram obtidos em http://dadosabertos.cnpq.br/pt_BR/organization/cnpq, portal de transparência da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), em https://dadosabertos.capes.gov.br/organization/bolsas-e-auxílios, bem como de informações declaradas pelas FAPs.

     

    Produção Científica

    Os dados de desempenho de pesquisa do Brasil foram obtidos por meio da plataforma SciVal® da Elsevier, a qual contabiliza publicações científicas realizadas em periódicos indexados na base de dados Scopus. Dados comparativos da produção científica de diferentes países foram obtidos do portal "Scimago Journal & Country Rank".

     

    Cálculo do Imposto de Renda

    Para base de cálculo do Imposto de Renda para Pessoa Física, utilizamos a ferramenta da Receita Federal. Apesar de o salário modelo proposto neste estudo (R$ 10.000,00) em tese cair na alíquota de 27,5, o imposto no Brasil é progressivo por fixas financeiras, cuja alíquota efetivada em cima do valor alvo é de 17,19 %, conforme descrito a seguinte na Tabela 1.

     

     

    O cenário atual

    A titulação de doutores no Brasil tem crescido aceleradamente (Figura 1). Em 1998, o Brasil titulou 3.915 doutores, em todas as áreas do conhecimento. Com um crescimento médio de 8% ao ano, onde em 2019 o número de doutores titulados alcançou 24.422, um aumento de 6,24 vezes em 21 anos. Com a pandemia, o número de doutores titulados caiu 20% em 2020, comparado com 2019. Em 2021, houve um crescimento de 5% e, em 2022, a taxa de crescimento voltou à média do período anterior à pandemia, ou seja, 8% sem tendo como base o ano anterior. Mesmo assim, o número de doutores titulados foi de 22.926, o que é ainda inferior ao número de 2019. Embora a relação de doutores titulados por 100 mil habitantes tenha crescido de 4,1 em 1998 para aproximadamente 12 doutores/100 habitantes em 2019 (cerca de três vezes), o Brasil ainda forma uma proporção muito mais baixa do que a de países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de aproximadamente 29 doutores formados por ano para cada 100 mil habitantes [11]. Investir na qualificação de doutores é essencial para o desenvolvimento científico e tecnológico do país, além de estimular a produção de conhecimento e inovação em diversas áreas [9]. A China desenvolveu um protagonismo científico e econômico nos últimos 40 anos pelos seus investimentos em educação de alta qualidade, sobretudo na formação de doutores, saindo de 19 doutores, em 1983, para 54 mil, em 2005, formados em universidades chinesas [12]. A formação de recursos humanos altamente qualificados é um fator crucial para o avanço da ciência e para a competitividade no cenário internacional. Portanto, é imprescindível que o país incremente seus investimentos e implemente políticas que incentivem e apoiem a formação de pós-graduandos e doutores.

     

     

    Na produção científica, o Brasil ocupa a 14ª posição ao nível mundial (total de 1.335.665 publicações; Scimago Journal & Country Rank, 2023), com uma contribuição que teve um crescimento até 2021, chegando a 2,8% da produção mundial [13]. O crescimento, ao longo dos anos, acompanhou fielmente o crescimento dos números de mestres e doutores titulados. Com a queda de titulação na pós-graduação em função da pandemia, uma redução no crescimento da produção científica foi observada em 2021 (5% em comparação com 7% no ano anterior). Esta retração se acentuou em 2022, resultando em queda na produção científica em relação ao ano anterior, fato nunca registrado na história recente do Brasil. A queda foi de 7% em relação ao número de artigos publicados em 2021. Entre os 50 países com maior produção científica, esta queda só foi maior na Ucrânia, que chegou a 10%. Cabe lembrar que estamos falando de um país que além de ter enfrentado a pandemia, está também em guerra com a Rússia.

    Outra preocupação em relação à produção científica brasileira é a qualidade, aferida pelo número médio de citações ponderado por área, que os artigos de autores brasileiros recebem. Dados obtidos do SciVal® revelam que a qualidade continua abaixo da média mundial, nota-se que o Brasil cai para a 23ª posição no cenário mundial, com um índice H = 751 (explicação simplificada deste índice ver a sessão referência bibliográfica Wikipédia [14]). A melhoria na qualidade e no impacto da produção científica é crucial para o reconhecimento internacional e para contribuir efetivamente com o avanço da ciência e o enfrentamento de desafios globais (Lopes et al., 2021). Para alcançar esse objetivo, é importante investir em infraestrutura de pesquisa, recursos humanos altamente qualificados, incentivar a colaboração científica nacional e internacional, além de promover políticas que valorizem a excelência e a inovação na pesquisa. Dessa forma, o Brasil poderá potencializar sua posição no cenário científico global, tornando-se não apenas um grande produtor de conhecimento, mas também um protagonista na solução de problemas e no desenvolvimento de novas tecnologias e abordagens para o benefício da sociedade.

    A razão de publicação pelo número de doutores no Brasil de 2000 (2,85) a 2021 (4,90) teve uma média de 3,75 artigos por doutor. Apesar de possuir uma elevada produção científica per capita por doutor, quando comparado com os países da OCDE, ela é quase 3x menor (média = 9,48 artigos/doutor [11]). É notável que os países da OCDE têm direcionado seus esforços para ações científicas que promovam a internacionalização de suas pesquisas, resultando em índices de qualidade mais elevados. Essa estratégia inclui a criação de redes temáticas que organizam e facilitam a colaboração entre cientistas em âmbito internacional. Através dessas redes, os pesquisadores podem estabelecer parcerias com especialistas de outros países, compartilhar conhecimentos e participar de estudos de maior relevância. Lopes et al. (2021) destacou que um terço das publicações brasileiras que estão nos 10% do topo do ranking tem colaborações com outros países. Diante disso, uma das estratégias para o Brasil elevar o nível de sua produção científica e aumentar a visibilidade internacional é o fomento à colaboração internacional entre pesquisadores e instituições de pesquisa. Ao adotar essa abordagem de internacionalização e estabelecer conexões mais sólidas com a comunidade científica global, o Brasil poderá elevar o impacto e a qualidade de suas pesquisas, contribuindo ainda mais para o progresso da ciência e enfrentando desafios importantes ao nível global. Esta perspectiva é mais facilmente atingida com o fomento na formação de doutores, como o programa doutorado sanduíche, e se titularem poderem manter seus contatos ativos com os centros de pesquisa em que trabalharam.

     

    O alicerce para o progresso

    O Brasil tem feito um esforço crescente na formação de mestres e doutores formados desde o ano 2000 (17.611 e 5.318, respectivamente) chegando, em 2019, ao pico de 70.071 mestres e 24.422 doutores titulados (acadêmico + profissional), com uma taxa de crescimento superior a 6% ao ano. No entanto, a pandemia causou uma redução de 15% dos titulados (mestres e doutores) em 2020 em relação aos números de 2019, patamar que permaneceu quase inalterado em 2021 e que teve apenas 3% de crescimento em 2022. Essa é uma situação preocupante, pois o impacto causado pela pandemia está resultando também na diminuição do número de matrículas, apontando para uma tendência de queda na taxa média de formação de doutores. A resiliência do setor acadêmico e científico do Brasil é muito grande, pois, mesmo em meio a um cenário de desinvestimento, o país seguiu apresentando crescimento contínuo na produção científica até 2021 (Lopes et al., 2021) [15]. No entanto, esta resiliência não foi suficiente para manter o crescimento durante a pandemia, e os efeitos nos indicadores científicos começaram a ser sentidos em 2022 e continuarão provavelmente com resultados negativos por mais um ou dois anos. Mais investimentos e estratégias para fixação de jovens doutores, dando condições dignas para poderem seguir produzindo conhecimento e, com isso, seguir contribuindo para o desenvolvimento científico, econômico e social do país, são essenciais neste momento de retomada.

    Considerando que cerca de 31% dos mestres ingressam na formação de doutorado, isso indica que a maior parte desta mão de obra qualificada também representa um ativo na base para o futuro do sistema científico brasileiro. Essas evidências têm implicações significativas para os tomadores de decisão. A retomada do investimento no sistema científico pode resultar em uma rápida recuperação das taxas de crescimento da qualificação da mão de obra brasileira. A qualificação dos doutores é especialmente relevante, uma vez que eles serão responsáveis pela formação dos futuros cientistas do país. Além disso, a qualificação da mão de obra brasileira tem impactos diretos em diversos setores, incluindo o mercado de trabalho, a produção de conhecimento científico e a educação em todos os níveis. Portanto, investir na formação de recursos humanos altamente qualificados é fundamental para o desenvolvimento e avanço da ciência e tecnologia no Brasil.

    "A resiliência do setor acadêmico e científico do Brasil é muito grande, pois, mesmo em meio a um cenário de desinvestimento, o país seguiu apresentando crescimento contínuo na produção científica até 2021."

    Outro aspecto importante é o destino dos doutores formados. No caso brasileiro, 68% dos doutores estão empregados na educação superior, enquanto este número na Alemanha é de 13% [11]. Isso evidencia que no Brasil ainda há uma grande dependência da iniciativa pública para postos de ocupação desta mão de obra. As universidades brasileiras têm historicamente priorizado a formação de docentes e pesquisadores para atuar no ensino superior e na pesquisa acadêmica. Como resultado, muitos doutores acabam buscando oportunidades de trabalho em instituições públicas, como universidades e institutos de pesquisa, onde a contratação é frequentemente realizada por meio de concursos públicos. Estas vagas se tornaram escassas nos últimos quatro anos, o que levou um aumento forte no desemprego neste setor da sociedade [7]. Portanto, o desafio é grande, visto que os recursos dos governos são limitados. Nesse sentido, o caminho deve ser construído em muitas direções como: (i) aumento dos postos nas instituições públicas, como criação de vagas para pesquisadores em instituições de ensino superior (IES) públicas; (ii) Incentivos fiscais às IES privadas em contratar doutores e aumentarem sua participação na produção acadêmica; (iii) Estimular o empreendedorismo para que doutores criem startups vocacionadas a transformar conhecimento e riqueza; (iv) Estimular o setor empresarial a incorporar esses profissionais aos seus quadros funcionais e a investir mais em pesquisa científica, para com isso acelerar o desenvolvimento tecnológico e a inovação de produtos e processos.

    Uma alternativa de ocupação dos jovens doutores, mesmo que de forma temporária, são as bolsas de pós-doutorado. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) possui diversas modalidades de bolsa de pós-doutorado, incluindo a PDJ (pós-doutorado júnior), PDS (pós-doutorado sênior) e PDI (pós-doutorado industrial). A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) mantém o PNPD, Programa Nacional de Pós-doutorado. O número de bolsas disponíveis no sistema cresceu até 2015, alcançando 9.257 bolsas (Figura 2). Entre os anos de 2013 e 2015, o número de bolsas de pós-doutorado disponibilizado pelas duas agências era equivalente a aproximadamente 50% dos doutores titulados. Pode-se considerar este patamar como adequado e importante para permitir que jovens doutores continuem produzindo cientificamente, enquanto buscam uma posição permanente. O problema é que a crise econômica que se acentuou a partir de 2015 e as políticas implementadas pelas agências de fomento levaram a uma redução significativa e progressiva no número de bolsas de pós-doutorado, ao mesmo tempo em que o número de titulados crescia. Em 2022, o número de bolsas disponíveis foi equivalente a 20% do número de doutores titulados, mostrando a necessidade urgente de recomposição no número de bolsas de pós-doutorado.

     

     

    A baixa absorção de doutores pelo setor empresarial no Brasil pode ter diversas causas, como a falta de incentivos e investimentos em pesquisa por parte do setor privado, a desvalorização da ciência e da pesquisa no país, bem como a falta de políticas públicas que estimulem a absorção desses profissionais pelo mercado de trabalho em diferentes setores da sociedade. Além disso, é importante ressaltar que os desafios enfrentados pelos doutores brasileiros no mercado de trabalho não se limitam à escassez de vagas (12x menor que a média global [7]) e à desqualificação para determinadas posições, mas também podem incluir questões salariais, falta de reconhecimento, dificuldades na obtenção de recursos para pesquisa e outras adversidades. São necessárias medidas para incentivar o setor privado a absorver esses profissionais altamente qualificados, promover o investimento em ciência e tecnologia, estimular a inovação e a pesquisa aplicada, além de fomentar políticas que possibilitem a diversificação das oportunidades de trabalho para os doutores brasileiros. Isso pode contribuir para uma maior integração desses profissionais no mercado de trabalho e para o desenvolvimento científico e tecnológico do país como umtodo.

    Embora o Brasil conte com um sistema de formação de recursos humanos altamente qualificado, reconhecido internacionalmente pelos resultados alcançados, as políticas governamentais ainda não conseguiram criar um mecanismo eficiente e ágil para aproveitar todo esse potencial [15]. A educação superior proporciona oportunidades de empregos duradores [11]. Segundo essa organização, as taxas médias de emprego são de 84%, 88% e 92% para graduados, mestres e doutores, respectivamente, mas há um desvio desses números no Brasil (86% para graduados, 73% para mestres e 83% para doutores). Os dados da OCDE também indicam salários maiores (44% para graduados e 91% mestre e doutores quando comparado com o ensino médio) [11]. Como resultado deste mecanismo desfavorável no Brasil (menores possibilidades de emprego e menores salários), muitos desses cidadãos brasileiros qualificados procuram oportunidades fora do país [9], enquanto outros trabalham em atividades que não exigem a formação qualificada, e uma parcela significativa encontra-se desempregada [7]. Essa incompatibilidade entre o mercado de trabalho e esses profissionais representa um prejuízo econômico, devido a todo investimento realizado, e no desenvolvimento do país.

    "Embora o Brasil conte com um sistema de formação de recursos humanos altamente qualificado, reconhecido internacionalmente pelos resultados alcançados, as políticas governamentais ainda não conseguiram criar um mecanismo eficiente e ágil para aproveitar todo esse potencial."

    O investimento brasileiro no setor acadêmico atingiu seu ápice em torno de R$ 5 bilhões em 2014, mas desde então teve um declínio significativo [7,16] (Lopes et al., 2021), culminando em uma perda de mais de 300% dos recursos destinados à ciência em 2022. Além disso, boa parte deste recurso é investido na formação de mestres e doutores. Porém, com a falta de oportunidades, como mencionado anteriormente, muitos buscam oportunidades em países desenvolvidos, onde podem aplicar seus conhecimentos e contribuir para suas economias [9], sem que o Brasil desfrute plenamente dos benefícios desses profissionais capacitados. A falta de uma política deve ser considerada um equívoco, não no sentido de investir na formação, mas pela falta de uma política eficaz para a absorção e retenção dessa mão de obra qualificada em solo nacional. Muitos países, como Coreia do Sul, Singapura e Taiwan, criaram políticas agressivas e bem-sucedidas para retenção desta mão de obra, como melhores salários, infraestrutura, vinculação acadêmica dupla, no próprio país e no exterior, aumento do número de vagas [12]. Para alcançar um desenvolvimento científico e tecnológico sustentável, é essencial buscar formas de incentivar a permanência desses talentos no país, proporcionando oportunidades de pesquisa e desenvolvimento em instituições brasileiras e fortalecendo o ambiente científico como um todo [7,17].

    Diante dessa realidade, é pertinente pensar em um programa similar ao "Programa Mais Médicos", porém voltado para valorização e distribuição de professores ou doutores em áreas carentes do país. Essa iniciativa poderia utilizar o investimento já realizado no país, buscando trazer esses profissionais para o espaço produtivo e transformador da sociedade brasileira. Ao suprir a carência de profissionais qualificados nessas áreas remotas e desfavorecidas, esse programa poderia promover uma educação de qualidade e contribuir para o desenvolvimento dessas regiões, reduzindo as desigualdades educacionais e impulsionando o progresso do Brasil como um todo. Para alcançar esse objetivo, seria fundamental oferecer incentivos atrativos, criar um plano de carreira sólido, proporcionar infraestrutura adequada e promover o envolvimento da comunidade local.

     

    O desequilíbrio regional brasileiro

    A produção acadêmica e científica no Brasil apresenta uma significativa disparidade regional (Figura 3a). O Sudeste concentra cerca de 52,8% da produção total do país, com São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais representando conjuntamente 51,4% dessa parcela. Essa concentração indica uma distorção em relação ao Estado do Espírito Santo. A região Sul é a segunda com maior produção, contribuindo com 18,6% dos artigos científicos do Brasil, com um equilíbrio entre os três estados. A região Nordeste é responsável por 16,1% da produção científica, com alguns estados com maior produção, como Pernambuco, Bahia, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, enquanto outros menos como Maranhão, Sergipe, Alagoas e Piauí. No Centro-Oeste, a produção representa 8,7%, sendo que metade dela provém do Distrito Federal. O cenário mais desafiador é na região Norte, com apenas 3,9% da produção, destacando-se o Pará e o Amazonas, enquanto Tocantins, Amapá, Acre, Rondônia e Roraima requerem atenção especial para impulsionar sua contribuição acadêmica. É crucial promover políticas e investimentos em todas as regiões do país para reduzir as desigualdades e incentivar o progresso científico em todo o Brasil.

    Os resultados obtidos revelaram um aspecto interessante relacionado à produtividade científica, ou seja, o número de artigos publicados por 100 mil habitantes (Figura 3b). A unidade da federação com maior produtividade é o Distrito Federal (20 artigos por 100 mil habitantes), porém, como a produção científica de todas as unidades da Embrapa é contabilizada para o Distrito Federal, esses números não podem ser considerados. Entre os estados, o Rio Grande do Sul possui a melhor produtividade, com 9,1 artigos por 100 mil habitantes. É importante destacar que essa disparidade também foi observada em um estudo sobre o ensino superior realizado pela consultoria legislativa Gilioli e Gomes [16]. No entanto, um ponto preocupante observado nos dados é a baixa produtividade científica nas regiões Norte e Centro-Oeste. Essa falta de produção científica sólida pode se tornar um obstáculo para alcançar um desenvolvimento sustentável nas próximas décadas, caso não seja devidamente abordada. Portanto, é essencial investir em pesquisas, coleta de dados e informações técnicas que sustentem políticas e práticas de desenvolvimento responsáveis em todas as regiões do país. Somente assim será possível garantir um futuro sustentável, aproveitando o potencial produtivo e preservando os valiosos recursos naturais dessas regiões.

    Durante o período de 22 anos analisado, observa-se uma redução significativa da dependência dos dois principais Estados em comparação com os demais. Em 2000, 60% da produção científica era gerada em São Paulo e Rio de Janeiro. Ao longo dos anos, embora a produção científica tenha continuado a crescer nesses estados, esse crescimento não foi tão notável quanto nas demais unidades da federação. Atualmente, 60% da produção científica ocorre fora de São Paulo e Rio de Janeiro, representando uma inversão significativa nos percentuais (Figura 3). Portanto, verifica-se uma desconcentração na produção científica, o que é um desenvolvimento muito positivo. No entanto, a região Amazônica, vital para a soberania brasileira e de interesse internacional, ainda contribui com uma parcela reduzida da produção científica nacional. Investimentos adicionais na formação de mestres e doutores, bem como na retenção de pós-doutores, são uma necessidade evidente nessa região.

    Uma medida essencial para promover o desenvolvimento científico e socioeconômico em regiões carentes é aprimorar a distribuição da mão de obra qualificada. Nesse sentido, o governo deve assumir um papel central no processo, buscando soluções para a absorção eficiente de profissionais altamente qualificados formados no país. Uma das principais lacunas no sistema científico brasileiro reside na falta de controle governamental sobre essa distribuição. Para enfrentar esse desafio, reforçamos a fala anterior, em que sugerimos um programa similar ao "Programa Mais Médicos", que destine recursos públicos para a ampla distribuição de profissionais altamente qualificados em áreas menos privilegiadas. Esse programa abrangeria recursos humanos qualificados para fortalecer a pesquisa acadêmica e o ensino médio brasileiro. Para assegurar o sucesso dessa iniciativa, seria fundamental estabelecer parcerias com universidades e o terceiro setor, a fim de criar mais instituições de pesquisa temáticas e garantir a infraestrutura necessária nas regiões contempladas. Além disso, a avaliação contínua e o adequado financiamento seriam essenciais para sustentar o programa ao longo do tempo. Com isso, a distribuição mais equitativa da mão de obra qualificada pode se tornar um fator-chave para impulsionar o desenvolvimento regional e elevar a qualidade da educação básica no país.

     

    Quanto custa formar um doutor?

    Algumas ponderações e premissas precisaram ser estabelecidas para este cálculo.

    I- A necessidade de valorar em uma unidade monetária estável temporalmente e de ampla utilização. Assim, escolhemos dolarizar os valores, porque poderá ficar com uma perspectiva para discussões futuras, inclusive para ser utilizado como parâmetro em outros países. O valor conversão de US$ 1,00 para R$ 5,58* foi usada em 13/10/20 para representar os valores propostos no artigo publicado em 13 de outubro de 2020 por Prof. Dagoberto Alves de Almeida. Porém, aqui o valor usado será de R$ 4,92**, pela taxa de câmbio em 4/9/23.

    II- O custo operacional na formação de um doutor vem desde a sua graduação. Não temos o número preciso daqueles que fizeram a graduação em instituição privada. De qualquer forma, este valor total recebe um incentivo público na restituição do imposto de renda familiar. Assim, há subsídios públicos diretos e indiretos. Assumiremos neste cálculo o cenário público que é o custo desde a graduação. Os custos operacionais de um estudante na graduação em universidade pública é cerca de US$ 6.321,78/ano (R$ 35.275,56/ano ou R$ 2.939,63 ao mês [18]). Além disso, vale ressaltar que os valores encontrados na consultoria legislativa realizada por Giglioli e Gomes (2016) [16] são similares aos apresentados por Almeida (2020) [18]. Ao atualizar este valor pela inflação até junho de 2023, cujo índice foi de 23,52%, o custo estimado por mês seria R$ 3.631,06/mês ou R$ 43.572,72/ano ou **US$ 8.856,24/ano, considerando um curso médio de quatro anos, o custo total seria de US$ 35.424,96 por aluno.

    III- Considerando que a maioria dos Programas de Pós-Graduação no Brasil pertencem a instituições públicas, o valor dos custos operacionais dos estudantes de pós-graduação na infraestrutura das universidades públicas é, no mínimo, o do estudante de Graduação. Assim, será considerado então para fins destes cálculos os cursos de mestrado mais o de doutorado. Por tanto, o valor a ser considerado é US$ 8.856,24/ano multiplicado por seis anos até a titulação para o doutor, perfazendo um custo total de US$ 53.137,44.

    IV- Além de toda a infraestrutura universitária, se este doutor ao longo de sua formação recebe bolsas de pesquisa (Iniciação Científica por dois anos, Mestrado por dois anos e Doutorado por quatro anos de bolsa, valores 2023) cujo valor total aproximado seria de **US$ 43.902,44. Além disso, as pesquisas realizadas em cada um desses níveis de formação têm custos. Neste exercício, consideraremos um custo médio de US$ 10.000,00 para gastos com as pesquisas durante toda a formação. Convém ponderar neste caso que existem pesquisas muito mais dispendiosas nas áreas tecnológicas e da saúde, por outro lado, nas humanas os custos são mais baixos. Assim, decidiu-se colocar este valor apenas para parametrizar e valorar de forma conservadora e barata.

    Ao final de 10 anos, tempo esperado na formação de um doutor no Brasil, considerando que a maioria dos cursos de graduação são de quatro anos, o custo médio gasto pelo Brasil nesta formação plena é de **US$ 142.464,84 ou R$ 700.927,01.

    Considerando que o Brasil formou, em 2022, 20.683 doutores, qual seria o valor desperdiçado com o desemprego em 2023 dos formados no ano de 2022? A taxa de desemprego em abril de 2023 foi consolidada em 8,8%. Sabe-se que há uma taxa ainda maior neste nível de formação [7], porém neste exercício vamos utilizar a taxa oficial. Assim, teríamos 1.820 doutores diretamente desempregados, sem qualquer renda. Este desemprego custa ao país, em 2023, o desperdício de US$ 259.286.009,00 ou R$ 1,28 bilhão.

     

     

    Gasto excessivo ou investimento?

    Diante desse cenário, seria recomendável eliminar os investimentos na Pós-Graduação? Seriam esses investimentos excessivamente vultuosos para um país com tantos problemas estruturais? A resposta é não. Provavelmente, é neste sistema que garantimos a maior parte da produção do conhecimento brasileiro, patentes etc. Além disso, este sistema garante a troca sem perda de qualidade dos futuros formadores de opinião e pensadores do país, além da evolução da qualificação. Esses profissionais estão subutilizados no sistema educacional brasileiro, onde poderiam trazer inúmeras contribuições para o futuro da sociedade. São profissionais tão versáteis que poderiam atuar em todos os setores estratégicos brasileiros. Além disso, possuem excelente comunicação com o exterior e os principais centros de pesquisas globais, possuindo, assim, capacidade para atuar em conjunto com a diplomacia brasileira. Existem muitos caminhos para esta mão de obra qualificada, a qual necessita de políticas urgentes visando ao seu aproveitamento. Vale se lembrar ainda de que os países da ação para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) têm em média 3x mais doutores que o Brasil por 100 mil habitantes. Esta equivalência numérica poderia ser alcançada facilmente em poucos anos se houvesse uma política de investimento na formação, mas principalmente na capacidade de absorver esta mão de obra com valoração adequada de seus serviços, porque temos capacidade instalada no sistema de ensino superior brasileiro.

    A análise do investimento em educação ou formação profissional pode ser realizada considerando o retorno ao longo do tempo. Por exemplo, ao investir aproximadamente US$ 142.464,84 na formação de um doutor, é possível questionar quanto tempo seria necessário para recuperar esse investimento para os cofres públicos. Uma abordagem rápida seria por meio do pagamento de impostos. Um profissional com essa formação poderia receber, em média, um salário de aproximadamente US$ 2.000,00 (ou cerca de R$ 10.000,00). Como exercício, consideremos o imposto de renda, que para essa faixa salarial chega a 27,5%. Dessa forma, um doutor contribuiria com aproximadamente US$ 419,81 por mês ou US$ 5.037,84 por ano. Nesse cenário, o investimento se pagaria em aproximadamente 28 anos. Ao considerar que os profissionais se aposentam atualmente no Brasil com 35 anos de carreira, os sete anos subsequentes de trabalho poderiam resultar em um lucro ou superávit para o país. Além do retorno financeiro direto, profissionais altamente qualificados podem contribuir para pesquisa, inovação e avanço tecnológico, gerando benefícios adicionais para a sociedade, como o desenvolvimento de novos produtos e patentes. O investimento em educação deve ser considerado não apenas como um gasto, mas como um elemento fundamental para o desenvolvimento e crescimento de uma nação, com efeitos positivos a longo prazo [1,2,5,11].

    O investimento na formação de profissionais altamente qualificados, como doutores, pode ser considerado um poderoso ativo financeiro para um país em desenvolvimento, como o Brasil. Ao oferecer salários mais elevados e fomentar a produtividade, esses profissionais se tornam agentes de eficiência e soluções para diversos setores da sociedade. Além disso, sua pesquisa e trabalho resultam em produtos, serviços e inovações que se convertem em ativos financeiros e contribuem para o crescimento econômico [4,11]. Nesse sentido, o investimento em doutores é fundamental para impulsionar o desenvolvimento sustentável e enfrentar os desafios globais de sustentabilidade do planeta, consolidando o Brasil como um ator relevante na comunidade internacional.

     

    As sugestões

    1- O desequilíbrio na distribuição de doutores no Brasil é evidente, com a concentração desses profissionais em regiões mais desenvolvidas e centros urbanos, prejudicando o avanço científico e tecnológico em outras áreas do país. Para reverter essa situação, sugere-se aumentar a proporção de investimento em instituições públicas nas regiões Norte, Centro-Oeste (exceto Distrito Federal) e Nordeste, oferecendo vagas e incentivos para atrair doutores qualificados. Com essa estratégia, espera-se um rápido efeito na absorção de mão de obra nessas regiões, promovendo seu desenvolvimento. Adicionalmente, os polos científicos já estabelecidos seriam beneficiados, pois desempenhariam um papel fundamental na formação desses profissionais durante, pelo menos, mais uma década. É fundamental que essa abordagem seja cuidadosamente planejada e implementada para garantir a equidade e sustentabilidade do desenvolvimento científico em todo o país.

    "O sistema acadêmico brasileiro é reconhecido por sua competência e criatividade. É possível transformar o que foi construído em um ativo financeiro, promovendo uma melhor distribuição de renda e qualidade de vida no país."

    2- Uma sugestão para melhorar a qualidade do ensino médio brasileiro é a incorporação de pós-graduandos, principalmente mestres (70% dos quais não seguem para o nível de doutorado), como professores do sistema público de ensino, oferecendo salários atrativos. Essa melhora na qualificação dos docentes pode incrementar a qualidade no ensino médio, assim como aconteceu nas escolas técnicas brasileiras, conhecidas por seus excelentes índices de desempenho devido a professores mais capacitados. A ampliação do ensino médio profissionalizante também pode ser uma medida eficaz para atrair e estimular os jovens brasileiros. Ao adotar essas possibilidades, o Brasil tem a chance de alcançar padrões educacionais equiparáveis aos países membros da OCDE, preencher a demanda por mão de obra especializada e impulsionar o sistema educacional como um todo.

    3- A ideia de Parceria-Público-Privada (PPP) para a ciência é interessante e pode ser uma alternativa para enfrentar os desafios e limitações enfrentados pelas instituições públicas de pesquisa no Brasil e em outros lugares [5]. A ciência desempenha um papel fundamental no desenvolvimento da sociedade e na solução de problemas, e parcerias que unem o setor público e privado podem ser uma forma eficaz de impulsionar a inovação, aumentar a empregabilidade de profissionais altamente qualificados e promover o desenvolvimento sustentável. Sabe-se também que o sistema público (universidades públicas e institutos de pesquisas) está exaurido e, mesmo que ocupe a mão de obra agora disponível no mercado, será exaurido ao longo do tempo, conforme já demonstrado nos países desenvolvidos [10]. A colaboração entre o setor público e privado permite que recursos financeiros, tecnológicos e humanos sejam combinados, maximizando o impacto das iniciativas de pesquisa e desenvolvimento. Ao trazer financiamento privado para projetos científicos, pode-se superar a escassez de recursos públicos e impulsionar a execução de projetos de longo prazo. Um dos grandes problemas das instituições públicas é a contratação de pessoal, execução de orçamento e as leis que regulam esses processos. No entanto, as modificações nas legislações (Marco legal de Ciência e inovação e Leis trabalhistas) agora permitem que essas parcerias possam empregar e produzir ciência.

    Um exemplo funcional é um dos projetos aprovados pela Tropical Water Research Aliance-TWRA (www.thetwra.org) juntamente com o ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR). O MIDR prospectou propostas do terceiro setor para solução de políticas públicas. Propostas selecionadas foram apresentadas pelo MIDR ao mercado produtivo para angariar financiamento. A TWRA teve proposta selecionada e de interesse do Banco Itaú que financiou o projeto realizado na região do médio Araguaia, coração do Brasil, que tem levado uma proposta de desenvolvimento sustentável para uma região carente. Este projeto conseguiu empregar mais de 20 mestres e doutores diretamente, sendo assim uma demonstração clara dos benefícios potenciais dessa parceria público-privada - PPP. Se essas iniciativas se multiplicassem e fossem incentivadas pelos governos por meio de programas de longo prazo, isso permitiria uma maior empregabilidade e uma fixação mais fácil desses profissionais nessas regiões. Apesar de alguns desafios iniciais, essa parceria possibilitou a apresentação de um novo sistema de fomento à pesquisa nos Estados, o que acabou despertando na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG) o interesse de conhecer o trabalho. Isso levou ao interesse institucional, que decidiu manter o desenvolvimento dessa ação no Rio Araguaia no Estado de Goiás, revelando a eficácia do modelo de PPP. Esse exemplo reforça a importância de parcerias como essa, estimuladas pelo poder público, para atrair iniciativas do setor privado, promovendo a confiança, transparência e adequada aplicação do nosso Produto Interno Bruto (PIB). Tais iniciativas impulsionam a pesquisa, a inovação e o desenvolvimento sustentável, beneficiando a sociedade amplamente.

    Concluímos, neste artigo, que é imperativo agir com urgência e que, se devidamente organizado, esse empenho pode gerar resultados imediatos em todas as esferas governamentais. O sistema acadêmico brasileiro é reconhecido por sua competência e criatividade. É possível transformar o que foi construído em um ativo financeiro, promovendo uma melhor distribuição de renda e qualidade de vida no país. Além disso, esse processo pode servir como exemplo de como converter um desafio em uma solução para construir uma nação mais justa e próspera.

     

    Referências

    1. RITCHIE, B. K. Foreign direct investment and intellectual capital formation in Southeast Asia - nº 194. Paris: OECD Development Centre, 2002.

    2. SARRICO, C. S. Doctoral education: preparing students for diverse careers. University World News: the global window on higher education, London, 27 May 2023.

    3. NAÇÕES UNIDAS BRASIL (ONU BR). Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. ONU BR, Brasília, 15 set. 2015.

    4. HURLEY, P.; VAN DYKE, N. Australian investment in education: higher education. Melbourne: Mitchell Institute, 2020.

    5. SILVEIRA, L. C. T. Widening access to higher education for low-income students: a Brazilian case study (1990s-2016). Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 23, p. e230023, 2018.

    6. MALBOUISSON, C.; TIRYAKI, G. F.; FERREIRA, V.; MENDES, V. O ensino superior público deve ser gratuito? Algumas considerações preliminares. Radar, Brasília, v. 49, p. 1-25, 2017.

    7. GUEDES, T. B.; DINIZ-FILHO, J. A. F.; DIELE-VIEGAS, L. M.; TONINI, J. F. R.; ANTONELLI, A. Invest in early-career researchers in Brazil. Science, New York, v. 379, n. 6631, p. 448, 2023.

    8. LASANA, T. H.; LEE, V. K.; CAPESTANY, B. H.; COHEN, A. O. Assigning economic value to people results in dehumanization brain response. Journal of Neuroscience, Psychology, and Economics, v. 7, n. 3, p. 151-163, 2014.

    9. WOOLSTON, C. How to take the lead in your career. Nature, London, v. 592, p. 151-153, 2021.

    10. LIVERPOOL, L. Researchers in Germany protest proposed postdoc rule change. Nature, London, v. 616, p. 15, 2023.

    11. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). Education at a Glance 2019: OECD Indicators. Paris: OECD Publishing, 2019.

    12. MARGINSON, S.; VAN DER WENDE, M. Globalisation and Higher Education. OECD Education Working Papers nº 8. Paris: OECD Publishing, 2007.

    13. FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO (FAPESP). Retração da produção científica em 2022. Pesquisa FAPESP, São Paulo, v. 330, p. 41, 2023.

    14. WIKIPÉDIA. Índice h. Wikipédia: a enciclopédia livre, 2022.

    15. DINIZ-FILHO, J. A. F. A Ciência voltou... Ciência, Universidade e outras ideias, 29 jul. 2023.

    16. GILIOLI, R. S. P.; GOMES, A. V. A. Educação básica e superior públicas: custos e perfil discente. Consultoria Legislativa. Brasília: Câmara dos Deputados, 2016.

    17. SOARES, B. E.; HÖRMANSEDER, B.; FONTES-DUTRA, M.; BELLO, M.; OLIVEIRA, W.; DIELE-VIEGAS, L. M. Lula's third mandate reignites hope in Brazilian early-career researchers. Anais da Academia Brasileira de Ciências, Rio de Janeiro, v. 95, p. e20230090, 2023.

    18. ALMEIDA, D. A. Educação e progresso: nossas universidades públicas são caras e pouco retornam à sociedade? Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior - ANDIFES, Brasília, 14 out. 2020.

    19. GRUPO WEB OF SCIENCE. A pesquisa no Brasil: promovendo a excelência. Análise preparada para a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes. Brasília: Capes, 2019.