ÉTICA
Fraudes sacodem a comunidade científica
Um assunto desagradável e polêmico tem sido o foco das atenções da comunidade científica internacional nos últimos meses: erros grosseiros, plágios e má-conduta em diversas publicações recentes. Em março de 2002, a revista Science publicou um artigo de um grupo americano que afirmava ter iniciado a fusão nuclear em um becker de solvente orgânico, o que depois não se confirmou. No mês seguinte, a revista Nature retirou formalmente um artigo, publicado no ano anterior, sugerindo que o DNA de plantações mexicanas de milho modificado geneticamente tinha invadido o genoma das variedades nativas. Os autores não foram acusados de fraude, pois alegaram que as conclusões se justificavam nos dados que possuíam, e que, apesar de errados, não necessariamente caracterizam uma má-conduta científica. Dois outros episódios, no entanto, abalaram a comunidade científica, principalmente na área de Física.
Em um artigo publicado, em 1999 na revista Physical Review Letters, o físico Victor Ninov e sua equipe do laboratório americano Lawrence Berkeley afirmaram ter descoberto os elementos 116 e 118 (o mais pesado elemento existente). Em 2001, a equipe solicitou a retirada do trabalho sob a justificativa de não conseguir reproduzir os dados. Entretanto, investigações posteriores no laboratório de Ninov indicaram, sem sombra de dúvidas, que o pesquisador tinha falsificado dados propositalmente.
Mas o caso que mais chocou o meio científico foi o do jovem prodígio Jan Hendrik Schön, pesquisador dos laboratórios Bell, um dos mais respeitados na área de Física. Com apenas 32 anos, o pesquisador alemão era considerado uma verdadeira máquina de trabalhar e de publicar trabalhos em prestigiosas revistas internacionais, como Nature e Science. Schön trabalhava na criação de transistores de moléculas, e na indução de supercondutividade em esferas de carbono. Apesar de seus resultados serem fantásticos, os demais pesquisadores da área não conseguiam reproduzir a maioria dos resultados.
]]> Em maio de 2002, um grupo de cientistas informou ao laboratório Bell ter descoberto que três gráficos que apareciam em trabalhos do grupo de Schön, para diferentes sistemas e efeitos, eram absolutamente idênticos. O laboratório criou um comitê para investigar as acusações, que não só foram confirmadas, mas até ampliadas. O comitê concluiu que o pesquisador tinha falsificado ou fabricado dados em pelo menos 16 trabalhos, dos 25 analisados.Tanto Ninov quanto Schön foram despedidos de seus respectivos empregos, e seus trabalhos têm sido retirados das revistas nas quais foram publicados. Esses acontecimentos têm gerado interessantes discussões sobre a ética das regras de pesquisa e publicação científica. Para muitos cientistas, tais episódios simplesmente demonstram que o processo científico funciona de fato. Os resultados são publicados, outros tentam reproduzi-los sem sucesso, os dados são contestados, e finalmente desconsiderados.
Mas algumas questões alimentam o debate: O próprio sistema de incentivos à pesquisa e a competividade impelem à publicação rápida e em quantidade considerável. Qual é o limite? Não se sabe ao certo. Por exemplo, em 2001 Schön publicou em média um trabalho a cada oito dias em revistas de reconhecido prestígio. Mas isso não chamou a atenção até que as acusações de fraude foram lançadas.
As próprias revistas importantes são acusadas de favorecer a publicação de trabalhos considerados "quentes", que venham a ser futuramente citados e que lhes garantam a manutenção do prestígio. Em geral, o sistema de publicações funciona através de pareceres de assessores que entendem da área específica do trabalho. Mas diversos assessores dessas revistas têm contestado a publicação de resultados suspeitos, mesmo contra a sua recomendação.
Nem sequer esses assessores científicos se salvam das acusações. Apesar de quase todos concordarem com o método de julgamento por pares, esse critério também tem sido questionado. Além das questões inerentes sobre a competitividade e conflitos de interesse, muitos acham que, por se tratar de uma obrigação sem um retorno imediato, nem financeiro nem curricular, a maioria dos assessores apenas lêem os manuscritos superficialmente, sem se preocupar com a veracidade das informações ali contidas, e sem verificar publicações prévias dos autores do artigo submetido à publicação. Além disso, para o bom funcionamento do processo, o assessor deve pressupor que os autores estão dizendo a verdade, e confiar nos dados apresentados. Caso contrário o processo de avaliação por pares se torna inviável.
Finalmente, entrou na discussão um assunto até então ignorado: o papel dos co-autores nos trabalhos científicos. No caso de Schön, o comitê afirmou que não conseguiu encontrar regras éticas claras sobre essa questão, e portanto, não condenou os co-autores dos trabalhos. Mas é justo que os co-autores dividam as glórias, mas que não se responsabilizem caso algo ruim ocorra?
Sentindo-se a mais atingida, a Sociedade Americana de Física reviu durante o ano de 2002 o seu código de conduta. O novo código define a má-conduta, e a divide em fabricação de dados, falsificação e plágio. Esses comportamentos são considerados transgressões graves, pois "podem levar outros cientistas a caminhos infrutíferos" e também "diminuem a crença vital que os cientistam depositam uns nos outros".
É interessante notar que o código considera que "o erro honesto é uma parte integral da ciência. Não é anti-ético estar errado, desde que os erros sejam rapidamente reconhecidos e corrigidos assim que detectados".
Marcelo Knobel
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