APRESENTAÇÃO
ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE ENERGIA, AMBIENTE E SOCIEDADE
Sinclair Mallet Guy Guerra
Questão vital em qualquer sociedade, seja em que tempo for, a energia está sempre em evidência, mesmo que não se atente para isso. Modernamente, a energia atingiu o status de ciência, levando estudiosos das mais diversas e diferentes modalidades do conhecimento a se dedicarem a ela. Junte-se a essa busca por conhecimento, o fato de a energia ter um caráter interdisciplinar, o que a fragiliza em sua complexidade. Tal visão faz com que vários aspectos que a compõem devam ser abordados.
No caso brasileiro, muito do que deveria ser feito pelos estudos sobre energia é dificultado pela interpretação desse caráter interdisciplinar como sendo uma falta de profundidade científica. Pode-se citar como exemplo maior de tal afirmação a posição da principal agência brasileira de fomento à pesquisa. Tal agência, sem estudos e consultas aos cientistas envolvidos e às sociedades que os representam, mantém uma divisão em suas subáreas de conhecimento que não reflete as reais necessidades de atendimento a esse caráter interdisciplinar.
Os artigos que formam este Núcleo Temático da Ciência & Cultura procuram, exatamente, demonstrar, cada um deles, sua especificidade e as características sobre as quais foram tecidos os comentários acima. Os trabalhos desenvolvidos visam a apresentar aspectos de políticas públicas que delimitam os estudos sobre energia e representam partes ou parcelas de opiniões e conclusões de alguns de seus grupos de pesquisa. Para tal, foi dada aos seus autores toda a liberdade de manifestação criativa possível.
]]> OS ARTIGOS O artigo "Crise ambiental e as energias renováveis" de autoria de Célio Bermann situa o contexto internacional do atual debate ambiental e energético, e examina a inserção das energias renováveis no nosso país como biocombustíveis e como fontes de geração de eletricidade. No que se refere aos biocombustíveis, os problemas e benefícios ambientais do etanol a partir da cana-de-açúcar e do biodiesel são apresentados de forma crítica, permitindo o balizamento dos prós e contras que os envolvem. Quanto à geração de eletricidade, o Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica) é apresentado com ênfase nas questões ambientais que cada uma das fontes apresenta, ressaltando os cuidados a serem considerados na implantação dos projetos. Por fim, o autor propõe para a reflexão uma questão de fundo: a impossibilidade de se falar em energias renováveis sem se considerar o atual modelo de produção e de consumo, cuja redefinição é absolutamente necessária para se evitar a crise ambiental marcada pelas mudanças climáticas.O artigo "Combustíveis fósseis e insustentabilidade", de Joaquim Francisco de Carvalho, explica como as radiações solares que incidiram sobre a Terra desde as eras paleozóica e mesozóica, criaram condições para que surgissem e se desenvolvessem determinados organismos que, ao longo do tempo, converteram-se nos materiais fósseis que deram origem a combustíveis tais como turfa, carvão, petróleo e gás natural, os quais, portanto, representam energia solar acumulada por fotossíntese naqueles organismos, durante centenas de milhões de anos.
Esses combustíveis, particularmente o petróleo e o gás, estimularam a criação e desenvolvimento das modernas tecnologias industriais e agrícolas, graças às quais, no decorrer da chamada "idade do petróleo", isto é, nos últimos 120 anos, boa parte da humanidade progrediu mais do que tinha progredido desde o início da era cristã; consumindo, nesse curto lapso de tempo, energia solar acumulada ao longo de centenas de milhões de anos. Agora, os mais respeitados geólogos do mundo – com raras divergências – colocam o pico da produção mundial de petróleo e gás em torno dos próximos 15 a 20 anos, o que significa que a "idade do petróleo" está chegando ao fim. Ocorre que, sem petróleo e gás, serão inúteis as modernas tecnologias agrícolas, industriais e de transportes e, neste contexto, o Brasil não constituirá exceção, de modo que a produção agrícola e industrial não será suficiente para sustentar os mais de 220 milhões de habitantes que o país deverá ter, quando a oferta daqueles combustíveis estiver escasseando. Não é difícil prever a gravidade da revolução social que então se deflagraria e, diante dessa real possibilidade, o princípio da precaução sugere que se comece desde já a estudar linhas de ação a serem adotadas pelo Estado, para que este, em sua função de disciplinador das atividades econômicas, adote medidas destinadas a modificar substancialmente a maneira como a energia é hoje consumida. Concluindo o seu artigo, Joaquim de Carvalho apresenta um cálculo indicativo do prazo de duração das reservas brasileiras de gás natural e pondera que o governo já deveria ter começado a estudar seriamente o assunto.
O artigo "Aspectos técnicos, econômicos e sociais do uso pacífico da energia nuclear", de João Manoel Louzada Moreira e Pedro Carajilescov, apresenta a evolução da energia nuclear no mundo, seu estado tecnológico atual e analisa as razões para o renovado interesse por essa fonte de energia limpa. Esse interesse surge a partir de projeções levando em consideração o crescimento populacional que aponta a necessidade de se quintuplicar o fornecimento de energia no mundo até 2050, principalmente na Ásia, África e América do Sul. Tal cenário, conjugado com as possíveis mudanças climáticas e a escalada de preços para a geração de energia, provocou o ressurgimento de usinas nucleares para geração de potência. Atualmente, existem no mundo 443 usinas nucleares representando 17% da potência instalada mundial e espera-se um crescimento de importância dessa forma de geração nos próximos anos.
A geração núcleo-elétrica está passando por um momento de grande inovação tecnológica. Há, atualmente, estudos para o desenvolvimento de novos tipos de reatores em vários países com interesses diversos, quanto à finalidade do reator, seja para a produção de eletricidade, hidrogênio, gerenciamento de resíduos radioativos, ou para utilização em pequenas malhas de eletricidade. As novas propostas envolvem potência variando entre 150 e 1500 MW(e), reatores rápidos (operam com nêutrons com energia mais elevada), reatores térmicos (nêutrons com energia em equilíbrio térmico com o meio) e um com energia dos néutrons numa faixa intermediária. Todos consideram a utilização de ciclo de combustível fechado, isto é, com o combustível irradiado sendo reciclado e todos operam a temperaturas acima das temperaturas dos reatores atuais para aumentar a eficiência energética.
Do ponto de vista ambiental, os reatores nucleares são interessantes por não emitirem gases do efeito estufa durante sua operação. Desta forma, a geração núcleo-elétrica não contribui para o aquecimento global. Em relação aos rejeitos radioativos, intensas pesquisas levaram a propostas de novas tecnologias que reduzem o tempo necessário de estocagem desses rejeitos para algumas centenas de anos. Esse tempo, embora ainda longo, é comparável a vários resíduos industriais que requerem tempos semelhantes para voltar ao estado natural como, por exemplo, latas de alumínio, materiais plásticos, pilhas e baterias, etc.
O artigo "Biocombustíveis, uma polêmica do desenvolvimento socioeconômico", de Marcelo Micke Doti e Sinclair Mallet-Guy Guerra, procura traçar a problemática existente em torno do tema cada vez mais mundial de uma fonte renovável e em evidência. A grande mídia tem colocado quase sempre a questão em torno do eixo crise energética, busca de recurso renovável e o programa nacional de biocombustíveis (PNPB) como solução social, econômica e, acima de qualquer coisa, nacional.
Mas a questão não é tão simples assim e o artigo procura delinear esse quadro mais problemático a partir da análise do próprio documento elaborado pelo governo, ou seja, o Relatório Final do Grupo de Trabalho Interministerial. Este tencionou mostrar a viabilidade de implantar o programa de biodiesel. No entanto, tal artigo deixa em evidência a potencialidade que o programa pode ter sobre as condições de desenvolvimento. Especialmente sendo esta palavra não apenas uma ideologia que se marcou fortemente no pós-guerra no mundo e com força enorme e de destaque no Brasil, mas também porque a palavra induz a muitos erros e qualquer política pública (governamental) que se queira justificar utiliza a mesma procurando mostrar a importância do referido programa para a sociedade.
Colocando sua ênfase no relatório governamental, o artigo vai mostrando o que fica obscuro no que se refere aos impactos ambientais, concentração de terras, controle dos recursos energéticos, entre outros temas. Dessa forma é que se pode considerar: serão os biocombustíveis – no caso exemplificado pelo biodiesel – uma potencialidade de desenvolvimento?
O artigo "Estranhas catedrais. Notas sobre o capital hidrelétrico, a natureza e a sociedade", de Oswaldo Sevá, analisa as hidrelétricas do ponto de vista da economia política, da geografia e das ciências sociais. Tais usinas são resultados típicos da ação de uma indústria barrageira (dam industry) e peças-chave de um processo histórico-social, o de eletrificação do país. A relação com a natureza é definida a partir da noção de represa como fato físico-territorial inédito, objeto de uma articulação de conhecimentos técnicos e científicos, aqui tratado como "ciência barrageira", da qual se adota a vertente crítica. O seu funcionamento como negócio, como unidade econômica, é, na prática, constrangido por sua condição física intrínseca, pelo seu risco de integridade, já que ocorrem acidentes; são registrados também tremores de terra, fenômeno conhecido como "sismicidade induzida por barragens". Do ponto de vista social e econômico, os problemas são sérios e não cabem no tratamento burocrático de meros "impactos", devendo ser encarados como emblemas da expansão capitalista, na qual vigoram os mecanismos da acumulação primitiva e da mercantilização, já que uma nova sociedade se define a partir de sua construção, com destaque para as populações humanas atingidas. Internacionalmente, esse marco pode também ser observado nas avaliações da Comissão Mundial de Barragens: a era da construção incessante de grandes represas está próxima do fim.
]]> Os trabalhos apresentados neste Núcleo Temático, como descrito, visam apresentar os aspectos de políticas públicas que delimitam os estudos sobre energia e representam partes ou parcelas de opiniões e conclusões de alguns de seus grupos de pesquisa. ]]>