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Ciência e Cultura
Print version ISSN 0009-6725
Cienc. Cult. vol.64 no.1 São Paulo Jan. 2012
http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252012000100003
BRASIL
GEOPOLÍTICA
Brasil redesenhado: projetos de criação de novos estados e territórios
Cassius Guimarães
Dois decretos legislativos do Congresso Nacional causaram alvoroço em fins de maio e início de junho de 2011. Os decretos de número 136 e 137, promulgados pelo presidente do Congresso, senador José Sarney (PMDB/AP), autorizavam, respectivamente, a realização de plebiscito sobre a criação dos estados de Carajás e Tapajós no território do Pará. A consulta à população paraense foi marcada para dezembro de 2011. Com a população bastante dividida no plebiscito 66,6% rejeitaram a criação de Carajás e outras 66,1% a do Tapajós. Se todos os dez projetos de lei existentes fossem aprovados, o Brasil ganharia sete estados e três territórios (veja mapa).
De acordo com informações da Agência Câmara, são dois projetos de estados e três de territórios na região Norte - do Rio Negro, do Solimões e do Oiapoque -, três estados no Nordeste - Maranhão do Sul, Gurgueia e Rio São Francisco - e outros dois estados no Centro-Oeste - Mato Grosso do Norte e Araguaia.
Os estudos de viabilidade do surgimento de novos estados - com foco na Amazônia - estão previstos no texto constitucional brasileiro, mas, segundo o deputado Giovanni Queiroz (PDT/PA), não foram levados inteiramente adiante. "Acho que, mais cedo ou mais tarde, o Brasil vai ter de fazer um estudo da revisão geopolítica do país, não só da Amazônia", afirma. Na opinião dele, vários países descentralizam a gestão para facilitar o contato com a população. "A Alemanha, que é duas vezes e meia menor que o Pará, tem 16 estados", nota.
MUDANÇAS NOS REPASSES
O processo no Pará é o que se encontrava em estágio mais avançado. Em Marabá, candidata à sede de Carajás, parte da população era favorável à separação porque, de acordo com o prefeito da cidade Maurino Magalhães de Lima, "mesmo sendo uma região rica em recursos minerais e no setor agropecuário, as carências são enormes em todas as áreas, os investimentos por parte do Estado sempre foram exíguos". Para Lima, é preciso que os recursos gerados na região tenham reflexo local, ao contrário do que ocorre com o atual repasse.
Segundo a advogada Anna Cruz Silva, de Belém, há outros caminhos que podem solucionar o problema de concentração de infraestrutura e serviços públicos na capital paraense. "A solução proposta, em lugar de retalhar o território e aumentar os custos da máquina para todo o Brasil deveria passar pelo fortalecimento de novas lideranças locais e seus pleitos e por discussões legislativas sobre destinações orçamentárias mais homogêneas", propõe.
Regina Araújo, professora de geografia humana na Universidade de São Paulo (USP) e autora de livros e manuais de geografia do Brasil, pontua que o impacto da eventual divisão de um estado no Brasil depende da população analisada. No caso paraense, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que Carajás custaria cerca de 22% de seu PIB e Tapajós, 39%, enquanto no estado do Pará atual as cifras ficam em 16%. "Uma eventual divisão poderia ter como consequência uma nova repartição territorial dos recursos, o que poderia melhorar as péssimas condições de infraestruturas vigentes, por exemplo, nas cidades do atual leste do Pará", conta.
NOVOS ESTADOS PODEM SER INVIÁVEIS
Há uma série de questionamentos sobre a viabilidade econômica dos possíveis novos estados. Um estudo feito em 2008 por Rodrigo Boueri, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea, analisou 16 propostas apresentadas ao Congresso a partir de 1998, sendo que 14 delas já haviam sido arquivadas. Alguns dos casos analisados por Boueri apresentavam altas taxas de gasto estadual estimado em relação ao PIB ou investimentos desvantajosos se comparados à configuração administrativa atual. O estado do Triângulo, por exemplo, seria formado por 66 municípios do oeste de Minas Gerais - 7,7% dos 853 municípios mineiros - e teria 16,5% do PIB mineiro, que somava mais de R$ 208 bilhões em 2006. No entanto, em comparação com os custos atuais de Minas Gerais, os gastos públicos seriam 3,4% maiores se a cisão acontecesse, tanto para Minas quanto para o Triângulo.
Curiosamente, o projeto recém-desarquivado do Rio São Francisco apresenta situação semelhante. Os gastos conjuntos dos estados do Rio São Francisco e da Bahia seriam 5,7% maiores do que o custo estatal da Bahia sem a divisão. O Rio São Francisco teria 34 municípios e 6% tanto da população quanto do PIB baiano. Seus custos de manutenção ficariam em torno de R$ 1,6 bilhão por ano - 29% de seu PIB. O aumento dos gastos não é o único problema nos projetos. "São necessários cautela e estudos mais profundos sobre a situac'ão economica e financeira da região para embasar as proposic'ões de criac'ão de novos estados", afirma Boueri no relatório.
A preocupação com a viabilidade é partilhada no Congresso pela Frente Parlamentar de Fortalecimento dos Estados e Municípios e Contra a Criação de Novos Estados, liderada pelo deputado Zenaldo Coutinho (PSDB/PA). Já na instalação da frente, em outubro de 2007, Coutinho ressaltou a importância de se analisarem a fundo as reais condições de criação de cada estado antes do prosseguimento dos projetos.
EVOLUÇÃO DA DIVISÃO GEOPOLÍTICA BRASILEIRA
A consolidação das fronteiras do Brasil com seus vizinhos na América do Sul ocorreu na gestão do Barão do Rio Branco no Ministério das Relações Exteriores (1902-1912). A primeira divisão em macrorregiões - Norte, Nordeste, Leste, Sul e Centro-Oeste - foi oficializada em 1942. Alguns territórios foram extintos com a promulgação da Constituição de 1946, como é o caso de Ponta Porã, incorporado ao Mato Grosso. Outros permaneceram até a Constituição de 1988, quando se transformaram em estados, como Rio Branco (atual estado de Roraima) e Guaporé (atual Rondônia), ou foram incorporados a estados já existentes (Fernando de Noronha é distrito de Pernambuco.) A região Leste - que agrupava Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Guanabara (incorporado ao estado do Rio de Janeiro) e Espírito Santo - foi extinta em 1970. Sergipe e Bahia ficaram no Nordeste. São Paulo, que fazia parte do Sul, foi incorporado ao Sudeste. "A decisão [de mudanças geopolíticas] poderá ou não basear-se em pesquisas científicas sobre o território, mas não deixará de lado questões de ordem política, nem sempre as mais racionais", afirma Maria Célia Serra, historiadora e geógrafa pela USP e professora do Grupo de Humanidades.