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Ciência e Cultura
On-line version ISSN 2317-6660
Cienc. Cult. vol.69 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2017
http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000100008
MUNDO
ARQUITETURA E URBANISMO
Resiliência e capital social nas cidades
Patricia Mariuzzo
Resiliência é um conceito emergente na arquitetura, que ganhou importância nos últimos 10 anos. Uma das causas são os efeitos das alterações climáticas nas cidades e a crescente vulnerabilidade da população urbana. Transformações do meio ambiente, maior densidade populacional, mobilidade social e cultural e crescimento das construções informais têm aumentado o nível de vulnerabilidade das grandes cidades e, consequentemente, o risco de viver nesses territórios. "As cidades são onde os fenômenos naturais se transformam em catástrofes", afirma o arquiteto e urbanista chileno Sergio Baeriswyl Rada, professor da Faculdade de Arquitetura, Construção e Desenho da Universidade de Bío-Bío, no Chile. "Cada vez que acontece uma catástrofe o país se mobiliza, as autoridades comprometem recursos públicos e capital humano para empreender complexos processos de reconstrução, mas só uma pequena parte dessas iniciativas vai além de criar uma capacidade de reação", diz.
Rada acredita que o investimento deveria ocorrer em planos voltados para a prevenção e minimização dos riscos. Um dos grandes desafios da arquitetura no século XXI é, portanto, desenhar novos modelos de ocupação nas áreas metropolitanas, que resultem em cidades mais resilientes.
"Um dos fatores-chave em um processo de reconstrução é que as soluções estruturais e de habitação permitam restabelecer o capital social das comunidades, ou seja, suas redes de apoio, suas redes sociais e de trabalho", aponta o arquiteto chileno. Neste sentido, o especialista afirma ser essencial que as famílias possam voltar a viver nos mesmos locais, ou ao menos que possam manter a estrutura social existente antes do desastre. "O grande desafio é desenvolver propostas arquitetônicas capazes de reconstruir o tecido social".
CONVIVER COM O RISCO
Foi esse caminho que o arquiteto trilhou na elaboração do plano de reconstrução urbana da região metropolitana de Grand Concepción após o terremoto de 2010. O projeto lhe rendeu o Prêmio Nacional de Urbanismo do Chile, em 2014. Localizada na costa centro-sul, a região é a segunda mais populosa do país e tem grande importância econômica por abrigar o maior centro industrial do Chile. "O principal desafio da reconstrução em Concepción, e nas cidades afetadas, foi a introdução de modificações e medidas de mitigação para evitar danos em eventos futuros.
Para aumentar a resiliência, todo o desenho da área costeira de Grand Concepción foi refeito. No povoado de Dichato, por exemplo, famoso por suas praias de águas calmas e frias, 80% das edificações e infraestrutura foram destruídas pelo terremoto, seguido pelo tsunami, que elevou o nível do mar em até quatro metros. O plano de reconstrução da borda costeira estabeleceu a desapropriação de construções localizadas próximas da orla para ampliar a avenida beira-mar e criar um parque de mitigação com vegetação mais densa. Também foi construído um muro costeiro com cinco metros de altura e 800 metros de comprimento. Cerca de 600 casas foram reconstruídas em setores mais altos e longe do mar. Como muitas pessoas preferiram viver no mesmo lugar, independentemente do risco, algumas casas foram refeitas em palafitas. Escolas, postos de saúde, quartéis de bombeiros e polícia foram transferidos para áreas seguras. "Essas soluções não eliminam os riscos, mas podem reduzir os danos às cidades", explica.
PARTICIPAÇÃO CIDADÃ
O plano de reconstrução, no entanto, não foi unanimidade. As desapropriações e o atraso na construção das casas e edifícios danificados geraram conflitos com as comunidades envolvidas. "Essa insatisfação pode ser resumida em uma frase com a qual nos deparamos durante os trabalhos de recuperação: 'a reconstrução é como Deus, todo mundo sabe que existe, mas ninguém vê'", contou Rada. Segundo ele, essa invisibilidade é um fator que ameaça o processo de construção de uma cidade resiliente porque produz incerteza, descrença ou perda de confiança da comunidade. "A lição aprendida foi que a comunicação permanente com a comunidade é tão importante quanto a reconstrução física", afirma. De acordo com ele, os projetos de reconstrução foram aprovados em todos os municípios e comunidades locais. Contudo, os processos participativos foram rápidos porque as decisões tiveram que ser tomadas para garantir sua execução. "Em minha opinião, os modelos atuais de participação dos cidadãos, não são projetados para situações de emergência, nas quais a resposta rápida é um fator determinante para as famílias afetadas".
A compreensão de um desastre deve ir além dos aspectos físicos e naturais. Segundo as pesquisadoras do Departamento de Geografia da Universidade do Chile, Yasna del Carmem Gatica e Maricel Benitez, as experiências de terremotos e tsunamis no Chile mostram que o verdadeiro desastre resulta da incapacidade das autoridades e dos planejadores de estabelecer estratégias que reduzam a vulnerabilidade e os riscos frente a novos eventos. Em artigo de 2015 (revista Invi, nº 83, v. 30), elas enfatizam que pensar a resiliência no ambiente urbano exige pensar o território como um constructo socioespacial, onde homem e natureza se relacionam e se transformam.
GENTRIFICAÇÃO
Outro risco, latente em processos de reconstrução, é a expulsão da população local seguida da especulação imobiliária. Na opinião das pesquisadoras da Universidade do Chile, foi o que aconteceu em Constitución, também na costa chilena, cidade localizada na região de Maule, ao sul de Santiago. Boa parte das construções do centro histórico da cidade foi destruída com os abalos e pelo tsunami subsequente.
Desconsiderando o capital social, as populações afetadas que ocupavam a região foram realocadas. "A reconstrução tensiona o território e converte sua planta urbana em objeto de desejo ante os olhos do capital, especialmente porque existem terrenos disponíveis em pleno centro histórico para a construção do parque de mitigação e com preços muito baixos", analisam as pesquisadoras.
Em Concepción, segundo Sergio Rada, no processo de reconstrução, eles tentaram, sem muito sucesso, impedir a realocação das famílias afetadas, para evitar as reocupações informais e o desenraizamento das comunidades. O risco de um processo de elitização se instalar nas regiões revitalizadas continua existindo, e ainda não é possível avaliar o impacto das mudanças implantadas no processo de reconstrução", finaliza.