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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.56 n.2 São Paulo abr./jun. 2004

     

    Arte popular

    HIP-HOP: DAS SEÇÕES POLICIAIS PARA OS CADERNOS CULTURAIS DOS JORNAIS

     

     

    O hip-hop é tão urbano quanto as grandes construções de concreto e as estações de metrô, e cada dia se torna mais presente nas grandes metrópoles mundiais. No Brasil, é a voz cantada dos presídios, está nos grafites que embelezam ou enfeiam muros e paredes das grandes cidades, nas roupas da juventude, é um movimento que invade as metrópoles brasileiras da periferia para o centro. Para muitos jovens, o hip-hop vem fazendo a diferença, mudando jeitos de pensar, dando oportunidades e denunciando a desigualdade social e racial.

    "O hip-hop nasceu na periferia dos bairros pobres de Nova York. Pode ser considerada uma cultura juvenil urbana", explica Viviane Melo de Mendonça Magro, psicóloga que estuda o movimento no Brasil, com ênfase na questão de gênero. "O hip-hop é formado por três elementos: a música (rap), as artes plásticas (o grafite) e a dança (o break). No hip-hop os jovens usam as expressões artísticas como uma forma de luta e resistência política", diz a pesquisadora.

    Micael Herschmann, autor do livro O funk e o hip-hop invadem a cena e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), conta que o hip-hop "nacional" chegou no Brasil há pouco mais de vinte anos, mobilizando inicialmente a juventude negra e trabalhadora da cidade de São Paulo. "Um de seus introdutores foi o rapper Nelson que, ainda nos anos 1980, trouxe o ritmo para a praça da Sé, na capital paulista. O programa de rádio mais antigo foi Rap Brasil, dirigido pelo Dr. Rap, veiculado na rádio Metropolitana FM", diz Herschmann.

    Enraizado nas camadas populares urbanas, o hip-hop afirmou-se no Brasil e no mundo com um discurso político a favor dos excluídos, sobretudo dos negros. Não é por acaso que o famoso rapper Mano Brown teve uma recepção tão calorosa na Febem do Brás, em São Paulo, em um show realizado em 2003. Os jovens detentos sabiam de cor as letras das músicas, que falavam da realidade dos moradores das periferias."As histórias do rap são fictícias ou reais, mas tratam de pessoas que vivem na periferia" conta Viviane.

    HIP-HOP BRASILEIRO É ÚNICO Apesar de ser um movimento originário das periferias norte-americanas, o hip-hop não encontrou barreiras no Brasil, onde se instalou com certa naturalidade. "A apropriação de elementos que não estão necessariamente legitimados na cultura brasileira deu-se de forma mais natural e tranqüila porque estamos em um mundo globalizado", considera Herschmann. O que, no entanto, não significa que o hip-hop brasileiro não tenha influências locais. O movimento no Brasil é híbrido, com traços evidentes da cultura nacional: no hip-hop brasileiro tem rap com um pouco de samba, break parecido com capoeira e grafites de cores muito vivas.

    Mas as diferenças estão além do visível. Na opinião dos militantes brasileiros, o hip-hop nacional é mais crítico e politizado que o norte-americano. "O hip-hop brasileiro é muito melhor do que o americano, que foi banalizado. Muitos representantes do hip-hop lá fora se venderam para o sistema. No Brasil o hip-hop é mais consciente, quer ver o povo melhorar e prega a informação" declara Cibele Cristiane Rodrigues, militante do movimento.

     

     

    Apesar do hip-hop ser um espaço que permite aos jovens das periferias se inserirem na sociedade de forma politizada e crítica, a imagem dos jovens ligados ao movimento nem sempre foi positiva. "Os meios de comunicação construíram imagens e representações de uma forma muito negativa, do delinqüente juvenil, como se eles fossem uma espécie de inimigo número um das cidades", afirma Herschmann, que iniciou suas pesquisas sobre o hip-hop e o funk quando começaram os arrastões no Rio de Janeiro, em 1992.

    A MARCA DOS ARRASTÕES Segundo Herschmann, a abordagem dramática e caótica da mídia sobre os arrastões naquele ano, na praia de Ipanema, influenciou negativamente a imagem dos jovens que viviam nas periferias da cidade, e os jovens pertencentes ao hip-hop não ficaram imunes.

    Ele diz que as representações e os sentidos atribuídos ao "arrastão" em 1992 – associados a imagens violentas e conflitos entre jovens e policiais – despertaram na sociedade certa curiosidade sobre os jovens das periferias brasileiras. Pouco se sabia sobre eles e alguns estudos começaram a ser realizados sobre o assunto.

    O pesquisador considera os arrastões de 1992/93 um "divisor de águas" para o hip-hop. "A partir daquele momento, com a intensa veiculação na mídia, o hip-hop e o funk adquirem uma nova dimensão, colocando em discussão o 'lugar do pobre' no debate político e intelectual do país". Em sua pesquisa, ele observou que, enquanto o funk ia se afirmando na cultura urbana carioca ao longo dos anos 1980, o hip-hop se instalava na noite paulistana. Segundo Herschmann, o hip-hop aparenta ser um movimento mais politizado que o funk, porém, "o fato de produzir uma música alegre, romântica e bem-humorada não implica em uma postura apolítica do funk".

    Atualmente, o hip-hop é uma expressão popular muito mais evidente que o funk, e já cruzou as fronteiras de todos estados. Para a psicóloga Viviane, sejam brancos ou negros, muitos jovens brasileiros têm encontrado no movimento uma esperança. "O hip-hop tem um lado político forte, de conscientização. Eles se organizam cada vez mais para que possam criar alternativas para os jovens da periferia não caírem na criminalidade, nas drogas", conlui.

     

    Juliana Schober