SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.58 issue2 author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

    Related links

    • On index processCited by Google
    • Have no similar articlesSimilars in SciELO

    Share


    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.58 no.2 São Paulo Apr./June 2006

     

     

     

    FÁRMACOS

    Idéia de que a saúde pode ser comprada intensifica o consumo de medicamentos

     

    A cultura contemporânea de "pílulas salvadoras" disseminou a crença de que os medicamentos são a alternativa mais viável para curar doenças. "O ponto crítico é a transformação do medicamento em um bem de consumo, com todas as características de uma mercadoria qualquer e a transformação da medicina em uma prática intervencionista mercadora de ilusões", considera a farmacologista Helena Lutéscia Coelho, farmacoepidemiologista da Universidade Federal do Ceará (UFC).

    Essa medicalização se propaga em várias esferas. A farmacêutica da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Patrícia Mastroianni, analisa que a sociedade tende a buscar nas fórmulas químicas o alívio para os males provocados pela vida moderna. "A procura crescente por tais medicamentos – principalmente psicoativos – decorrem, em parte, de campanhas publicitárias que associam pessoas felizes e estáveis ao uso de determinado medicamento", exemplifica.

    Na onda de conquistar saúde por meio de compostos químicos, a automedicação torna-se um problema de saúde pública. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 50% de todos os medicamentos são prescritos, dispensados ou usados de forma inadequada. E os hospitais gastam 15% a 20% de seus orçamentos para lidar com as complicações causadas pelo uso indevido de produtos farmacêuticos.

    Uma das características dessa prática no Brasil e em outros países da América Latina, observada por Helena, é o uso de substâncias que só deveriam ser vendidas com indicação médica. "A automedicação associada a transtornos menores e passageiros não é condenável; ela se torna um problema quando mascara manifestações de doenças graves", diferencia a pesquisadora.

    Em estudo sobre o perfil do problema no Brasil, realizado para OMS, em 1997, Helena Coelho aponta que cerca de 40% da automedicação foi baseada em receitas médicas anteriores. Dados da OMS mostram que 50% a 70% das consultas médicas geram prescrição de fármacos no mundo; já no Brasil, cerca de 90% delas resultam em receitas farmacêuticas.

    PREVENÇÃO Uma das prioridades da Política Nacional de Medicamentos, aprovada pela portaria do Ministério da Saúde de 1998, está no uso racional de medicamentos. A Anvisa realiza monitoramento de propagandas no setor e procura reorientar a assistência farmacêutica, para que as cerca de 50 mil farmácias brasileiras atuem como estabelecimento de saúde.

     

     

    Um aspecto curioso na política sanitária do país, que enfrenta severas críticas quanto ao alcance e qualidade de atendimento, é que os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) são beneficiados pela distribuição racional de remédios. No SUS, os medicamentos são escolhidos pela eficácia, segurança e custos. Já no setor privado, a influência da indústria sobre a prescrição é mais intensa.

    Em sua pesquisa – publicada pela Revista Brasileira de Saúde Materna, em 2004 – Helena compara a prescrição para crianças em atendimento ambulatorial de emergência em hospital público e privado de Fortateza. Conclui que as crianças atendidas em uma emergência pública recebem quantidade menor de substâncias para uso simultâneo, menos medicamentos desnecessários e mais produtos selecionados; já no atendimento privado, os médicos são mais suscetíveis a atender as expectativas das mães e da indústria farmacêutica. "No serviço público o profissional sabe que não adianta prescrever o que não está disponível, pois a mãe não vai poder comprar mesmo", conclui Helena.

    ATRAÇÃO DA PUBLICIDADE A restrição de determinados dados em propagandas de psicoativos foi alvo de estudo de pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Comparando os anúncios publicados em periódicos de psiquiatria no Brasil, Reino Unido e EUA, observou-se que as propagandas brasileiras omitem informações restritivas aos uso dos remédios, dando maior destaque a itens como indicação e posologia. "A tendência é favorecer o consumo por falta de conhecimento dos riscos e possíveis agravos à saúde", explica Patrícia Mastroianni, uma das autoras do artigo, publicado em 2005, no São Paulo Medical Journal.

    A propaganda exerce uma influência considerável sobre os prescritores (médicos e dentistas), uma vez que " inexiste até hoje um Guia Terapêutico independente, apesar da iniciativa do Ministério da Saúde de elaborar um formulário brasileiro , criado por uma Comissão da Escola Nacional de Saúde Pública", afirma José Augusto Barros, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O pesquisador explica que a maioria dos médicos acaba conhecendo os produtos por meio dos guias fornecidos pelos próprios fabricantes. Hoje já há organizações, como a Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos (Sobravime), que fornecem publicações regulares, além de outros centros de informações sobre medicamentos voltados aos prescritores, como o Sistema Brasileiro de Informação sobre Medicamentos (Sismed).

     

     

    Barros analisou os manuais utilizados habitualmente pelos médicos do Brasil e dos EUA. O estudo – publicado nos Cadernos de Saúde Pública (Fiocruz), em 2000 – comparou as informações dos produtos mais vendidos contidas no Dicionário de Especialidades Farmacêuticas (DEF) com aquelas presentes no Phisicians’ Desk Reference (PDR) e no Drug Information for the Health Care Professional (USP-DI), dois manuais de uso habitual nos Estados Unidos.

    As diferenças encontradas são significativas, principalmente no que se refere a reações adversas, contra-indicações e interações. No DEF, freqüentemente não constavam menções aos efeitos adversos e mecanismo de ação inexistentes em 50% dos produtos avaliados. Barros afirma que houve duplo padrão de conduta dos fabricantes, de acordo com o rigor da legislação de cada país.

    A Anvisa também lançou, no ano passado, a primeira edição impressa do Compêndio de Bulas de Medicamentos (CBM) e o Bulário Eletrônico (www.anvisa.gov.br/bulas). O livro compreende 570 bulas de medicamentos e têm versões para profissional de saúde e paciente. A agência deu prazo de seis meses para os fabricantes dos medicamentos citados na Lista Padrão de Bulas corrigirem suas prescrições, com linguagem mais clara e simples e letras com tamanho mínimo de 1,5 milímetro.

     

    Paula Soyama