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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.59 n.2 São Paulo abr./jun. 2007

     

     

     

     

    SAÚDE

    Programa internacional sugere políticas públicas para deter o aumento da obesidade na Europa

     

    Os índices elevados de sobrepeso e obesidade nos países europeus podem estar com os seus dias contados. É o que se pretende conseguir com as políticas propostas pelo PorGrow, um programa internacional patrocinado pela Comissão Européia que elegeu vinte opções de medidas para controlar o excesso de peso da população. Realizado em nove países europeus, o programa elegeu ações a serem implementadas, imediatamente, tais como maior estímulo à prática de atividade física, mudanças no sistema de transporte público urbano, controle da publicidade de alimentos industrializados, obrigatoriedade de rotulagem desses produtos e educação para a saúde. Entrevistados – entre eles representantes de associações de consumidores, da indústria alimentícia e de redes de distribuição de alimentos, agricultores, políticos dos ministérios da saúde e de C&T, e jornalistas especializados – e pesquisadores tiveram que selecionar, entre as 14 mil opções avaliadas, quais eram mais factíveis em cada um dos países, até chegar a um consenso das políticas que seriam aplicáveis a todos .

    PORGROW Nome dado pelo coordenador do projeto, o professor da Universidade de Sussex, Erik Millstone, o PorGrow começou em 2004, após a Comissão Européia definir os países que participariam do projeto: Reino Unido, França, Itália, Espanha, Polônia, Finlândia, Grécia, Hungria e Chipre. Cada país recebeu cerca de 80 mil euros de financiamento, e o total investido foi de 700 mil euros. Segundo Millstone, foram recursos para contratar as equipes e desenvolver o software de avaliação multicriterial, especialmente criado pela Universidade de Sussex (Inglaterra) para o projeto e finalizado em 2006. No momento, as equipes trabalham na elaboração de um livro sobre o programa, a ser lançado este ano.

    O objetivo é deter o crescimento exorbitante das taxas de sobrepeso e obesidade na Europa. Nos últimos 20 anos, o fenômeno atingiu proporções epidêmicas não apenas na Europa. As taxas triplicaram, comparadas aos dados de 1980, na Europa Oriental, na América do Norte, China, Oriente Médio, Ilhas do Pacífico e Austrália. Em países em desenvolvimento, mesmo com menor disponibilidade de alimentos, a obesidade cresce em ritmo mais acelerado. No Brasil, por exemplo, 39 % das mulheres estão com excesso de peso e, entre os homens, essa taxa sobe para 47%, segundo estudo nacional do Ministério da Saúde divulgado em março último.

    POLÍTICAS DIFERENCIADAS "O projeto deve trazer perspectivas de abordagens distintas, para ver quais políticas podem ser efetivas em cada país. Seria irrealista pensar que é possível ter um conjunto de políticas que funcione em todos eles, mas espero que o estudo ajude a deter esta ‘jamanta’ da obesidade que está rolando sobre a Europa", afirmou Millstone no lançamento do programa.

    A jamanta a que o professor se refere são taxas de sobrepeso e obesidade em torno de 42 a 70% entre homens e de 38% a 60% entre mulheres, com grande variação entre um país e outro, em dados de 2005. A obesidade já é responsável por 2 a 7% dos custos com saúde e por 10 a 13% dos óbitos em diferentes regiões da Europa. Dados da Organização Mundial da Saúde apontam para um número acima de um bilhão de adultos com excesso de peso no mundo, dos quais 300 milhões seriam considerados obesos clínicos.

    HIERARQUIA Cento e noventa pessoas foram entrevistadas no âmbito do PorGrow. Representantes, em cada um dos países, de 21 setores de alguma maneira envolvidos com a questão do sobrepeso, foram reunidos em sete grupos: ONGs de interesse público, grandes indústrias e distribuidoras da cadeia de alimentos, pequenos varejistas de alimentos "saudáveis" e órgãos ligados aos esportes, grandes indústrias e empresas comerciais, tomadores de decisões, provedores públicos e especialistas em saúde pública.

    Com a metodologia de avaliação multicriterial, cada um dos entrevistados hierarquizou algumas políticas sugeridas pelo projeto para redução do excesso de peso da população, podendo, inclusive, sugerir novas opções a serem adotadas. Ao final, foram 20 opções selecionadas pelos pesquisadores envolvidos no estudo, sendo elas classificadas entre essenciais (no total de 7) e secundárias (13).

    Entre as essenciais estão mudanças no planejamento das cidades, maior oferta de transporte público, para encorajar as pessoas a praticarem mais exercícios físicos; e facilitação da prática de esportes em escolas e comunidades, sejam eles tradicionais, atletismo, esportes radicais e até mesmo a dança.

    Outra medida de destaque é o controle da publicidade de alimentos e bebidas, em especial durante a programação voltada ao público infantil. Tal regulação incluiria a restrição do uso de personagens de filmes e desenhos animados para a oferta de alimentos e bebidas. A indústria de alimentos é o foco de outras três propostas: sobretaxa de alimentos com mais gordura e açúcar; controle da oferta de alimentos como salgadinhos e bebidas adocicadas em instituições públicas como escolas e hospitais; e obrigatoriedade de rotulagem de alimentos, indicando a composição dos alimentos e, preferencialmente, anunciando o nível de densidade energética de cada alimento. Uma opção seria usar, como já se faz no Reino Unido e na Finlândia, a sinalização calórica pelas cores usadas no trânsito.

    Outra medida de impacto na indústria alimentícia seria o aumento de subsídios para produtos mais saudáveis, principalmente os vegetais, uma vez que o preço é um importante fator de escolha. Tal medida poderia torná-los mais atraentes para os consumidores mas, certamente, não agradaria os países em desenvolvimento, já com dificuldades em colocar seus produtos agrícolas no exterior, por conta dos subsídios existentes.

    Treinamento de profissionais da saúde, para que auxiliem pacientes a adquirirem hábitos alimentares mais saudáveis e pratiquem exercícios regular e corretamente; inclusão de informações sobre nutrição e saúde nos currículos escolares, criação de um novo órgão governamental para coordenar políticas relevantes de controle da obesidade, novos medicamentos para prevenção e controle da obesidade são algumas das demais propostas, de caráter secundário, sugeridas pelos integrantes do PorGrow.

    MÚLTIPLA ABORDAGEM Para Erick Millstone, a metodologia foi bastante oportuna pois permitiu que os entrevistados não apenas pontuem as opções de políticas apresentadas, mas também que descrevam os critérios usados para formar o julgamento sobre elas. Além disso, o método permite a inclusão de opções sugeridas pelos entrevistados, não consideradas inicialmente pelos pesquisadores. O processo de avaliação é, contudo, mais demorado e oneroso. Foi preciso treinar os entrevistadores na forma de conduzir as entrevistas e sobre o uso do software. Cada entrevista durou, em média, meio dia, foi transcrita e entregue para aprovação do entrevistado antes de ser submetida à análise das equipes. Os resultados de cada um dos nove países foram cruzados até se chegar a um conjunto de políticas seriam as mais razoáveis para eles. Houve dificuldades em convencer pessoas a participarem do projeto e, como era de se esperar, o setor que ofereceu maior resistência foi a indústria alimentícia, segundo observou Millstone.

    O coordenador diz que não é possível avaliar em quanto tempo a situação de obesidade poderia ser revertida a partir da implementação das políticas propostas pelo grupo. Ainda não há consenso em vários pontos, como: quais políticas devem ser adotadas no curto prazo; quais as regras para a rotulagem de alimentos; e nem quanto tempo as indústrias alimentícias precisam para mudar o rótulo de seus produtos. Millstone acrescenta que muitas questões não foram respondidas pelo projeto. "Os grupos que entrevistamos são profissionais de diferentes posições, mas não entrevistamos cidadãos comuns. Não entrevistamos mães, crianças. Então, não conhecemos o ponto de vista dos consumidores". Em sua opinião, um estudo nesse sentido é necessário e, certamente, produziria resultados diferentes dos encontrados no PorGrow.

     

    Simone Pallone