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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.59 no.4 São Paulo  2007

     

     

     

    TERCEIRIZAÇÃO

    Flexibilização dos contratos acarreta precarização do trabalho

     

    A contratação do trabalhador como Pessoa Jurídica (PJ), inicialmente encarada como fator modernizante, o distinguindo do empregado comum, com carteira de trabalho assinada, já é vista em suas reais finalidades. Esse tipo de contratação, que procura burlar a legislação e simula não existir uma relação formal de trabalho, não se restringe mais a trabalhadores com qualificações específicas tidos como liberais ou de elite. Contratar um funcionário como PJ é uma das modalidades da terceirização, principal forma de flexibilização dos contratos de trabalho a partir da década de 1990 no Brasil. Toda essa aparência de modernidade, pelo menos na forma como foi propagandeada pelo empresariado, no fundo sempre implica em precarização.

    A conclusão é de pesquisas desenvolvidas pelo Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp, em estudo encomendado pelo Sindeepres, sindicato que reúne trabalhadores terceirizados de vários setores. Marcio Pochmann, atual presidente do IPEA, pesquisador do Cesit e professor do Instituto de Economia da Unicamp, explica que, em todo o mundo, num contexto de abertura do mercado à competição, a terceirização funciona como mecanismo adotado pelas empresas para reduzir custos, partilhar riscos, aumentar a flexibilidade organizacional e, com isso, elevar a sua produtividade, a sua competitividade e os seus lucros. No Brasil, a diferença é que a terceirização tem sido usada como estratégia defensiva: devido à semi-estagnação permanente da economia, as empresas recorrem a ela numa tentativa de sobrevivência, baseada mais na busca pela minimização dos custos com mão-de-obra do que nos investimentos e inovações tecnológicas.

     

     

    Os empregados das empresas terceirizadas, subcontratadas por outras para prestar algum serviço, costumam ter menos benefícios, salários mais baixos, piores condições de trabalho (contratos temporários, em tempo parcial, longas jornadas, maior vulnerabilidade a acidentes e doenças de trabalho), e não raro contratos informais, que burlam a legislação trabalhista e os deixam na mão quando mais precisam de amparo. E tudo isso mesmo quando dividem espaço com os empregados da empresa principal, que é quem mais se beneficia com seu trabalho. Dessa forma, a terceirização acentua a desigualdade entre trabalhadores.

    FRAGMENTAÇÃO Essa conclusão é reforçada por José Dari Krein, colega de Pochmann na Unicamp, que defendeu no primeiro semestre de 2007 tese de doutorado sobre relações de emprego no Brasil. Segundo ele, a terceirização tem levado à fragmentação dos trabalhadores e ao enfraquecimento do movimento sindical, pois os terceirizados geralmente não pertencem à mesma categoria dos empregados da empresa principal e são representados por sindicatos politicamente mais fracos, com baixo poder de barganha e mobilização.

    DILEMA SINDICAL Desde que se intensificou o processo de terceirização no Brasil, os sindicatos não têm sabido como reagir a ele. No setor industrial, os sindicatos têm procurado combater mais a precarização do que propriamente a terceirização. Aqueles maiores e mais tradicionais têm investido na luta pela igualdade de direitos entre os trabalhadores das empresas principais e os das terceirizadas, e pela inclusão destes últimos na categoria. Mas essa posição não está livre de questionamentos. Por um lado, ela gera disputas de base entre diferentes sindicatos pela representação dos terceirizados. Por outro, intensifica o conflito de interesses entre os trabalhadores das empresas principais e os terceirizados: muitas vezes, por exemplo, os primeiros não querem passar a dividir benefícios com os segundos, como no caso da PLR (Participação nos Lucros e Resultados).

    Estratégia diferente é seguida pelo setor bancário e pelo público, cujos sindicatos procuram combater a terceirização através da interposição de ações judiciais, alegando que a terceirização de atividades essenciais (não eventuais) é ilegal. Ignorando essa restrição, o setor bancário foi um dos que mais se beneficiou com o recurso à terceirização desenfreada, um dos fatores responsáveis pela enorme redução da categoria. O setor conta hoje com cerca de 400 mil bancários, além de 600 mil trabalhadores subcontratados, ambos os quais contribuem para os recordes de lucratividade sucessivos dos bancos no Brasil.

    JUSTIÇA TRABALHISTA O recurso à Justiça tem sido uma das poucas conquistas do movimento sindical frente à terceirização. Em alguns casos, em que a Justiça determinou que as empresas principais deveriam ser responsabilizadas pelos prejuízos sofridos por trabalhadores de empresas subcontratadas — que, por exemplo, deixaram de registrá-los, de pagar o INSS, etc. — o resultado foi a intensificação da fiscalização sobre as terceirizadas, para que cumpram a legislação trabalhista.

    Mas essa posição defensiva do empresariado não é a predominante. Segundo a juíza aposentada Magda Barros Biavaschi, que está iniciando seu pós-doutoramento junto ao Instituto de Economia e ao Cesit, ambos da Unicamp, o setor empresarial tem exercido forte pressão sobre o Tribunal Superior do Trabalho (TST) para conseguir a revogação da Súmula 331. Essa orientação jurisprudencial permite aos juízes do trabalho decidir que, em último caso, as empresas principais, e não só estritamente as terceirizadas, arquem com os custos decorrentes de causas trabalhistas julgadas em favor dos trabalhadores da subcontratada — o que é chamado de responsabilidade subsidiária.

    Para Biavaschi, a aprovação pelo TST da Súmula 331, em 1993, já representou uma perda para os trabalhadores. Antes dela, prevalecia o Enunciado 256, de 1986, orientação jurisprudencial que coibia a terceirização ao estabelecer que o vínculo empregatício se dá entre o trabalhador e a empresa que toma os seus serviços e de fato se beneficia com eles. Em casos de ações trabalhistas julgadas em favor dos trabalhadores, as empresas principais tinham que assumir a responsabilidade solidária, e não só em último caso. Esta orientação formal não foi suficiente, entretanto, para barrar o avanço da terceirização e da precarização dos contratos e condições de trabalho.

     

    Carolina Justo