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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.59 n.4 São Paulo  2007

     

     

    AS DIMENSÕES REGIONAL E MUNICIPAL NA POLÍTICA DE C&T&I NO BRASIL

    Amílcar Baiardi

     

    A tendência à globalização do espaço econômico e do espaço político é acompanhada de outras tendências que se manifestam na desregulamentação dos mercados, na descentralização administrativa e nas gestões progressivamente autônomas dos territórios. Esse aparente paradoxo se explica porque existe uma associação entre as determinantes econômicas e sistemas centralizados, de um lado, e uma associação entre as determinantes políticas e ideológicas e sistemas descentralizados, de outro. Destarte, não existe nenhum conflito entre a homogeneização das regras de funcionamento da economia, a unificação dos mercados e a constituição de parlamentos supra-nacionais, de uma parte, e a descentralização das funções de Estado, a autonomia de governos locais e dispersão da produção de bens e serviços, de outra. Na realidade, essas tendências refazem o papel do Estado, das corporações e da sociedade, que não se tornam maiores nem menores em função delas. O que vem ocorrendo é uma convergência de tendências que apontam, simultaneamente, para a ampliação dos processos de integração econômica e globalização da economia e para o fortalecimento de iniciativas sociais e de políticas públicas que incidem positivamente sobre a identidade comunal e regional e sobre a descentralização governamental.

    A aspiração de gerir os próprios recursos, o crescente desejo de autonomia e a necessidade de romper com procedimentos centralizados e verticais, estão no discurso, e na prática, de comunidades, de movimentos e de partidos políticos, e também estão presentes nos preceitos da moderna administração e no foco da ciência política.

    Nesse quadro é pertinente falar-se em regionalização e em municipalização da política de ciência e tecnologia e inovação, PC&T&I, uma vez que a região tem especificidades e o município é a célula da organização político-administrativa do Estado, devendo aos mesmos caber papéis antes reservados para as unidades federadas e a União. O cenário de uma economia nacional progressivamente integrada transfere para órbita da região e do município uma série de ações que complementam as políticas nacionais, entre elas a de internalizar incentivos com vistas a impulsionar processos genuínos e sustentáveis de crescimento econômico baseado em inovações autóctones.

    A defesa de uma política de C&T&I regional e autônoma justifica-se para que haja uma produção autóctone do conhecimento que leve a inovações. A importância dessa autonomia de gestão dos recursos de pesquisa e de produção regional do saber se explica porque a transferência de tecnologia, seja no âmbito internacional ou no âmbito de um Estado-nação com desequilíbrios econômicos e sociais entre as regiões, não atende às especificidades da demanda regional, marcada pela diversidade e por particularidades culturais inquestionáveis. De outro lado não se pode esperar da transferência de tecnologia os desejáveis spin-off effects, a disseminação no território de experiências bem-sucedidas de gestão da inovação e de negócios a ela relacionados, bem como ela não garante a possibilidade de se construir vantagens e assimetrias de comércio, determinadas pelas possibilidades de incorporar inovações de "primeira mão" e reciclar constantemente processos produtivos e produtos.

    A produção regional do conhecimento científico-tecnológico intensifica a oferta de inovações no território. Estas, uma vez apropriadas pelas empresas, tornam as cadeias produtivas mais complexas e ensejam possibilidades da economia regional internalizar vantagens monopólicas temporárias, na forma de lucros extraordinários, mediante a incorporação pioneira de novos processos e produtos que reduzem os custos comparativos e proporcionam reciclagens mais dinâmicas de bens ofertados. Os spin-off effects, por seu lado, oportunizam investimentos virtuosos que alavancam transformações na linha de superar mais rapidamente modelos de economia ainda centrados na produção de matérias primas e de bens intermediários, fomentando o surgimento de novos componentes das cadeias produtivas. A aplicação do progresso técnico para reduzir custos e agregar valor aos produtos continua sendo a forma mais eficaz de apropriação de vantagens no comércio inter-regional ou internacional.

    A região que não perseguir a geração autóctone do conhecimento e renunciar a presença em suas instituições de pesquisa de temas avançados, estará mantendo um elevado grau de vulnerabilidade de sua economia e não terá capacidade de se beneficiar dos efeitos virtuosos de internalização, em "primeira mão" das inovações. Essa região deixará de buscar alternativas para compensar as inevitáveis perdas de vantagens comparativas baseadas na disponibilidade dos recursos naturais, na localização geográfica e no baixo custo da mão-de-obra, que se sabe desaparecerão com a difusão de tecnologias avançadas nas áreas de informática e automação e na área dos novos materiais, sem estar, por outro lado, sendo compensada pela aquisição de vantagens competitivas (Cianferoni e Amin, 1993).

    Mesmo em um quadro de perfeita integração econômica no âmbito de um determinado Estado-nação, nenhuma região que dele faça parte pode prescindir de exercer algum protagonismo em política de C&T&I. Isto se explica porque a gestão de ciência e tecnologia – vista como um processo finalizado de concepção e aplicação de uma política de ciência, tecnologia e inovação ( PC&T&I) – tem especificidades regionais.

    No caso do Brasil, a gestão de C&T&I praticada pelo governo federal não tem atentado para dimensão regional e, por isso, estimulado uma expressiva concentração espacial do dispêndio público de fomento à pesquisa científico-tecnológica. Historicamente no Brasil a gestão de C&T tem sido perversa para com as regiões denominadas periféricas ou de menor renda. As razões principais para esse fato são as diretrizes de atuação das agências federais de fomento e o desinteresse da comunidade científica nacional em enfrentar com determinação o problema.

    Diante de conjunturas de escassez de recursos, membros da comunidade, preferem praticar lobbies em favor de suas instituições do que estabelecer critérios racionais de avaliação dos investimentos em C&T, dificultando, desse modo, uma repartição mais criteriosa e mais justa das bolsas, dos auxílios para financiamento à pesquisa, do financiamento de infra-estrutura, etc. Malgrado os avanços trazidos pelos fundos setoriais, no que tange à distribuição regional dos recursos, e os posicionamentos da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em defesa de um maior equilíbrio regional do dispêndio em C&T, o quadro não tende a se modificar em um horizonte próximo, se medidas adicionais não forem tomadas.

    A elevada concentração do dispêndio público em C&T nas regiões Sul e Sudeste cristaliza uma injusta divisão regional do trabalho de investigação científica, pois viabiliza para as mesmas pesquisas em temas de fronteira do conhecimento e, implicitamente, sugere às regiões periféricas temas relacionados com a pobreza, doenças endêmicas, recursos naturais e meio-ambiente. Sem questionar a importância desses últimos temas, e ressaltando também a importância das regiões Sul e Sudeste continuarem realizando pesquisas avançadas, é necessário deixar claro que abrir mão de participar de investigações na área de fronteira do conhecimento significa renunciar a formar pesquisadores, a adaptar tecnologias e a impulsionar o desenvolvimento agrícola e industrial para estágios compatíveis com os cenários de redução gradual das disparidades regionais e de alcance da cidadania.

    Pelas razões acima apresentadas, a situação de baixa oferta de centros de pesquisa e de pós-graduação nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste significa menor capacidade de atração de indústrias avançadas e maior capacidade de atração das indústrias de bens padronizados, ou de commodities. Essa desvantagem agrava os desequilíbrios regionais e não convém a um projeto sociedade menos desigual.

    Nas regiões em que essas indústrias de bens que se reciclam com menor velocidade, os padronizados ou estandardizados, foram maciçamente alocadas observa-se, ainda hoje, que os diferenciais de nível tecnológico levam a desvantagens nas relações comerciais com as regiões que atraíram indústrias avançadas, pois estas comercializam, predominantemente, bens que se reciclam rapidamente. As relações comerciais entre regiões com diferentes níveis de tecnologia nos setores produtivos leva à inequalização do fator-preço e a imperfeições de mercados em favor daquelas com melhor nível.

    A importância que a teoria do ciclo do produto tem para o mercado internacional vale, mutatis mutandis, para o comércio intra-regional. Se dentro de um único espaço econômico somente uma região estiver desenvolvendo atividade inovativa que lhe dê acesso exclusivo às novas tecnologias, estará a mesma sempre comercializando novos produtos, exercendo um monopólio temporário e obtendo lucros extraordinários. De outro lado, estará adquirindo produtos padronizados a preços históricos (Cianferoni e Amin, 1993).

    O sempre apresentado argumento de capacidade instalada (número de doutores, infra-estrutura de pesquisa, etc.), que tem regido a distribuição regional que consagra às regiões periféricas uma média histórica inferior a 20% das aplicações das principais agências de fomento ao desenvolvimento científico, é insustentável. O mesmo já foi apontado como de índole discriminatória e consolidador do desequilíbrio regional, por não levar em conta que as regiões Sudeste e Sul contaram – no seu tempo de formação de recursos humanos e de implantação de infra-estrutura de pesquisa – de pré-investimentos expressivos proporcionados pelo BNDE e pela Finep, os quais, hoje, são duramente disputados pelas demais, pelas regiões periféricas.

    Os compromissos de recriação da Sudene e da Sudam são oportunidades para que o desenho institucional das agências contemple para as mesmas o papel de protagonista de uma autônoma política regional de C&T&I e que essa política viabilize a implantação nas regiões de ambientes propícios às aglomerações econômicas virtuosas, na forma de pólos de indústrias de bases tecnológicas, ou tecnopólos que operem como habitats da inovação.

     

     

    Parte desses argumentos se aplica também aos municípios, que podem participar de concepção de políticas e podem gerir alguns instrumentos da política de ciência e tecnologia e inovação, PC&T&I. Ao nível local se poderia contemplar, a depender da realidade de cada município, a criação de secretarias municipais de C&T, a elaboração de planos, programas e projetos ao nível municipal, a criação de conselhos municipais de C&T e a fundação de um museu de C&T, que servisse tanto para despertar um interesse difuso pela ciência e pela técnica, como também ao ensino básico e que se prestasse como local para conferências, exibição de vídeos, etc. Mesmo sem se conseguir implantar todos os componentes de um sistema de ciência e tecnologia, ter-se-ia para cada município um arranjo institucional que procuraria fortalecer uma cultura e despertar vocações tanto na linha da pesquisa como na linha de atividades empresariais modernas, concebidas com base em tecnologias avançadas e/ou adaptadas à realidade do município.

    As carências generalizadas, o baixo nível de instrução da comunidade e outras dificuldades, não devem funcionar como argumento para retardar a iniciativa. Além disso, o sistema municipal de C&T deve ser pensado em articulação com o sistema estadual e em consonância com o planejamento em todos os níveis. Neste contexto, haveria instituições tipo fundações privadas e estatais que forneceriam os meios essenciais para funcionamento dessas estruturas. O fundamental é que após a ampliação da autonomia municipal, outorgada pela Constituição de 1988, possam essas unidades exercer plenamente papéis antes pensados exclusivamente para outras esferas. O exemplo dos conselhos de C&T e de política ambiental nas regiões e comunas da Europa, recomenda que se persiga essa meta.

    A ação de envolvimento do município com a idéia de constituir um sistema municipal de C&T, que atue de forma integrada com os municípios vizinhos que compartilham dos mesmos problemas e com o governo estadual, deve contemplar não somente o poder executivo, mas também a câmara de vereadores e as lideranças locais em todas as áreas.

    Uma PC&T&I municipal – em virtude de grande parte do conhecimento gerado ter uma capacidade de validação regional que extrapola em muito o ambiente onde está localizado o laboratório – deve estar centrada nos mecanismos de indução e nos mecanismos de difusão. Os mecanismos de indução seriam construídos a partir de decisões transparentes que envolvessem o conselho municipal de C&T e as organizações representativas da sociedade civil como associações de produtores, sindicatos e organizações não governamentais. Através dos mesmos seriam canalizadas as demandas de pesquisa que tivessem como objeto os problemas locais de diversificação da produção e de competitividade dos bens produzidos, bem como aqueles relacionados com o déficit hídrico, com a degradação dos solos e demais recursos renováveis, com a infra-estrutura, com a saúde e com a educação.

    A formulação dos pleitos de temas a serem pesquisados seria precedida de reuniões com especialistas que informariam sobre o estado da arte e sobre e o estado dos recursos naturais, renováveis e não renováveis, para que as propostas fossem consistentes e pudessem informar sobre a complexidade da pesquisa, instituições mais indicadas e se implicaria em uma investigação isolada ou em um projeto integrado envolvendo outros municípios, etc.

    A PC&T&I municipal seria funcional à PC&T&I regional e facilitaria em muito a definição de critérios para distribuição espacial e dos pólos tecnológicos que operassem como habitats da inovação.

    INTERVENÇÕES EM C&T&I, AGLOMERAÇÃO PRODUTIVA E DESENVOLVIMENTO DO TERRITÓRIO Os argumentos aduzidos no item anterior em favor de intervenções públicas em C&T&I ao nível regional e local adquirem maior consistência quando relacionados às principais visões sobre os nexos virtuosos entre as concentrações produtivas diferenciadas, o progresso técnico (determinado por inovações derivadas de conhecimento autóctone) e o desenvolvimento econômico da região ou território. São muitos os autores que se referem às relações de causa e efeito entre certos tipos de concentração produtiva e geração de conhecimento, independente do processo de aglomeração ter sido espontâneo, a partir de uma concentração industrial com unidades complementares e relacionadas, ou se foi uma decisão de governo, criando infra-estrutura de pesquisa e oferecendo subsídios para atração de indústrias de base tecnológica.

    O fato é que quanto mais dotado seja o território de determinadas atributos induzidos por ações de governo, entre elas as políticas de C&T&I, mais facilmente estabelecer-se-ão nexos virtuosos e sinérgicos entre a aglomeração produtiva e a geração do conhecimento. Se a esses processos se acrescentam elementos históricos e culturais impulsionadores, tais como investimentos em educação, em infra-estrutura, em lazer e cultura, associados a um arcabouço institucional favorecedor do empreendedorismo e uma direção na organização industrial, então são criadas condições ideais de prosperidade do território, comparativamente a outros espaços que não tenham sido objeto de intervenções.

    É possível identificar quatro grupos de autores que aduzem elementos sobre os nexos virtuosos entre concentração industrial, modernização tecnológica e desenvolvimento do território: 1. autores de diversas correntes de pensamento que fizeram incursões no tema antes e contemporaneamente à escola evolucionista, entre eles historiadores econômicos que buscam as raízes históricas das vantagens competitivas do território; 2. autores que integram a Escola Evolucionista – cuja comunidade se consolidou de forma mais representativa através de professores e pesquisadores da Universitá di Roma, "La Sapienza", do Science Policy Research Unit, SPRU, da University of Sussex e do Maastrich Economic Research Institute on Innovation and Technology; 3. autores críticos da ortodoxia econômica e contemporâneos da Escola Evolucionista, ainda que dela independentes, alguns dos quais vinculados à Division des Politiques de la Science et de la Technologie do Conservatoire National des Arts et Métiers de Paris; e, finalmente, 4. autores que recolheram contribuições das diversas escolas de pensamento e que enveredaram pela análise da competitividade entre nações e territórios.

    No primeiro bloco estariam Marshall (1982), Alfred Weber (apud Benko, 1996), Schumpeter (1982 e 1984) e Vernon (1979) e Landes (1994 e 1998). Uma síntese das contribuições destes autores sugere que intervenções no território visando atrair, fixar e reproduzir capital humano, fomentar infra-estrutura, facilidades de prestação de serviços e ambientes político e de negócios favoráveis, ao lado da difusão de uma atmosfera de confiança e um acesso fácil à informação, formam um conjunto que joga um papel decisivo em promover no nível local a associação entre a aglomeração produtiva e a geração do conhecimento acelerador do progresso técnico do cluster ou distrito industrial.

    No segundo grupo estariam os que compartilham a visão evolucionista ou neo-schumpeteriana, que atribui a possibilidade de engendrar efeitos virtuosos na relação entre aglomeração produtiva diferenciada, tecnologia autoctonamente gerada e desenvolvimento do território, ao esforço nacional voltado para capturar, catch up, ou gerar tecnologias estratégicas, superando assim as barreiras à entrada e as causas do desnível em termos de difusão internacional de tecnologia e de competição no comércio internacional, ensejando, deste modo, oportunidades de desenvolvimento econômico sustentado. Soete (1990), Dosi e Soete (1990), Fagerberg (1990) e Perez e Soete (1990) convergem no entendimento de que por serem a acumulação de capital e a acumulação de tecnologia fenômenos inter-linked, os espaços que lograrem se beneficiar destas duas acumulações, podem promover em relação a outros uma exclusão competitiva.

    No terceiro grupo estão Katz (1994), Labini (1983 e 1989), Perrin (1990,1991 e 1992) e Giannetti (1998), os quais ressaltam, dentre outros aspectos, que a fortalecer os nexos virtuosos entre concentração industrial e modernização tecnológica está o processo de aprendizagem em aglomerações produtivas, o qual repousa não somente na acumulação de experiências, mas também em toda uma série de melhoramentos tecnológicos e de organização da produção, sendo fundamental para o desenvolvimento do território o denominado "meio inovador", no qual a empresa inovadora não preexiste aos meios locais, sendo produzida por eles. Destacam ainda que o passado dos territórios, sua cultura, sua organização, sua capacidade de fazer surgir um projeto comum e o consenso que os estrutura, estão na base da competência do território vir a se diferenciar na geração de inovações.

    Como integrantes do último grupo de autores selecionados estão Porter (1990) e Cooke e Morgan (1996). Uma síntese simplificadora das contribuições dos mesmos, em reforçar os nexos virtuosos entre concentração industrial e a modernização tecnológica, destacaria que, embora o advento das tecnologias de comunicação digital tenha reduzido as imposições da "tirania da distância", o approach espacial ganhou corpo por meio de pesquisas que demonstraram o papel desse contexto na inovação industrial, re-qualificando os conceitos de "sistema de produção territorial", "distritos industriais", "ambiente inovativo" e "redes regionais de inovação". Nesta linha os autores destacam os exemplos bem sucedidos destas aglomerações como a do Vale do Silício, a da Route 128 na grande Boston, ambas nos Estados Unidos, a de Baden-Württemberg no sul da Alemanha e as da Emilia-Romagna no norte da Itália.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS As visões de autores com inequívoca autoridade sobre o tema – relação entre aglomerações produtivas, geração autóctone de conhecimento e desenvolvimento do território – autoriza reflexões sobre como construir uma argumentação em defesa de uma política autônoma de C&T&I para as regiões periféricas. Esta política deve priorizar a concepção e implantação de pólos regionais de aglomerações produtivas virtuosas, chamados simplesmente de tecnopólos quando se constituem em habitats da inovação, os quais, além de fomentarem a criação e a atração de empresas de base tecnológica, exercitariam irradiações por toda a região. Essa política deverá dar início a um processo de correção dos desequilíbrios regionais em C&T, propiciar, pelo que se argumentou acima, um ciclo de investimentos virtuosos que ensejará mudanças na estrutura econômica das regiões periféricas, criando cadeias produtivas mais complexas e fortalecendo o setor terciário de ponta. Essas transformações credenciarão ulteriores mudanças sociais e a passagem do estágio de sociedades agrárias, pré-industriais e industriais para a sociedade pós-industrial.

    A globalização crescente da economia não é incompatível com a tendência a formar agrupamentos concentrados onde os indivíduos, empresas e instituições que possuem conhecimento especializado e capacidades tecnológicas complementares interagem para gerar inovação e crescimento econômico. O desenvolvimento de tais complexos, na forma de distritos industriais diferenciados, pólos, parques, etc., com capacidade de operarem como habitats da inovação, é um imperativo no caso das regiões periféricas, por serem um dos poucos instrumentos de redução dos desequilíbrios regionais. Seus benefícios são expressivos. Com o passar do tempo, eles constroem conhecimento, habilidades, estruturas de apoio institucionais, serviços especializados, financiamento de arranjos produtivos, infra-estrutura e normas coletivas de co-operação e confiança mútua.

    O fomento nas várias regiões periféricas de tecnopólos ou pólos tecnológicos regionais, que seria o conceito mais consensual e menos restritivo que distrito, significaria difundir um instrumento que unisse os objetivos de desenvolvimento científico e tecnológico com objetivos de desenvolvimento regional, criando benefícios distintos para os diversos agentes.

    Para o Estado e governo local os benefícios seriam o aumento da atividade empresarial, levando à expansão da base tributária, e o surgimento de empresas especializadas em exportação e em serviços tecnológicos, bem como impactos positivos decorrentes da concentração de mão-de-obra qualificada que poderia cooperar em novos projetos educacionais e de pesquisa, ampliando também as oportunidades de ocupação e atraindo novos investimentos, públicos e privados.

    A instituição acadêmica teria novas oportunidades de relacionamento como setor produtivo, sobretudo na esfera da transferência de tecnologia, e possibilidades de treinamento e emprego para graduandos e pós-graduandos, além da cooperação inter-institucional no âmbito das instituições de ensino e pesquisa.

    As empresas localizadas no tecnopólo teriam facilidade de acesso em primeira mão à informação qualificada aí gerada, acesso às instalações universitárias para desenvolver cooperativamente atividades de P&D e participariam de redes de cooperação entre elas, de relacionamento com o Estado, de relacionamento fornecedor-usuário e de relacionamento com os sindicatos de trabalhadores. As empresas se tornariam mais competitivas participando de redes de empresas semelhantes que unem cada firma aos seus provedores, aos seus clientes, e às fontes de tecnologia e de trabalho qualificado O tecnopólo proporcionaria à sociedade regional como um todo os seguintes serviços:

    1. O desenvolvimento de acoplamentos fortes entre a elite científica e a comunidade empresarial, e o estabelecimento de um compromisso mútuo para sociedades negociarem acordos;

    2. Redes de informação (contatos formais e informais como também redes científicas, tecnológicas e empresariais mais largas);

    3. Aprendizagem coletiva essencial à inovação e ao crescimento. Este é um processo essencial no qual se descobrem vantagens de aprender interagindo e trabalhando para um objetivo comum;

    4. Infra-estrutura científica e tecnológica, ativos de conhecimento, laboratórios especializados, bibliotecas, incubadoras tecnológicas e parques de ciência;

    5. Infra-estrutura empresarial tais como associações industriais, câmaras de comércio e agências de desenvolvimento;

    6. Formação avançada de recursos humanos, provisão adequada de força de trabalho, "massa crítica" de empresários, cientistas, engenheiros, técnicos, como também educação contínua e programas de treinamento.

    Um projeto de desenvolvimento regional deve gerar um amplo conjunto de resultados diretos e indiretos nos campos econômico, social, tecnológico e de qualidade de vida. A proposta de uma política de C&T&I regional e autônoma é apenas uma iniciativa entre outras. Contudo, o que de mais essencial se deve recolher das observações extraídas dos autores visitados, e o que se pode inferir também de outras contribuições sobre iniciativas passadas e em curso com resultados nem sempre alentadores (Sicsú, 2000), é que se as condições da aglomeração econômica virtuosa não estão dadas historicamente é necessário que o Estado e a sociedade civil as criem.

    Nesse processo, investimentos ingentes devem ser feitos em infra-estrutura de ensino superior e pesquisa, em infra-estrutura física, bem como se deve definir o arcabouço de regulamentação das relações entre os agentes envolvidos. Entretanto, previamente se deve conquistar regionalmente o direito de conceber e aplicar uma política de C&T&I regional e autônoma que viabilize, entre outros, o prioritário programa de pólos regionais de indústrias de base tecnológica, os tecnopólos, articulados com P&C&T&I municipais que darão contribuição relevante tanto na qualificação de agentes, da força de trabalho em geral, como lastrearão o território com uma cultura de C&T favorecedora do ambiente inovativo.

     

    Amilcar Baiardi é professor titular da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, integra o Núcleo de Política e Administração em Ciência e Tecnologia (Nacit) e o Núcleo de Estudos sobre Poder e Oranizações Locais (Nepol), e o Núcleo e Estudos sobre a Competitividade e Desenvolvimento Rural, todos da Ufba.

     

     

    BIBLIOGRAFIA SUGERIDA

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