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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.64 no.2 São Paulo Apr./June 2012

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252012000200025 

    FICÇÃO CIENTÍFICA

    Cinema e literatura a serviço da ciência

     

    "A imaginação é mais importante que o conhecimento", pois não tem fronteiras, é ilimitada, argumentava Albert Einstein. Esse poder imaginativo o físico alemão certamente usou para elaborar teorias que o alçaram para a história. Sua teoria da relatividade, grande avanço para a ciência, inspirou obras ficcionais que povoaram a mente de diretores de cinema, roteiristas e escritores.

    Exemplo clássico é a espaçonave Enterprise, da série Jornada nas estrelas (Star Trek), que começou a ser exibida no início da década de 1960. A série lançou ideias que estão até hoje no imaginário das pessoas, como vida alienígena inteligente ou atalhos no espaço-tempo. O caminho que leva especulações científicas à ficção pode ser considerado, porém, uma via de mão dupla: criações ficcionais também servem de inspiração para cientistas na produção de novas tecnologias. No livro "A física de Jornada nas estrelas" (1996), o cosmólogo e astrofísico Lawrence M. Krauss reflete sobre "os desafios que teriam que ser enfrentados [na vida real] ao conceber a tecnologia da ficção" como, por exemplo, o universo ficcional do filme, que propõe inclusive o teletransporte. Na introdução da obra, o célebre físico britânico Stephen Hawking exalta a importância da ficção, pois ela é capaz de "expandir a imaginação humana", além da relevância de se estudar obras ficcionais, uma vez que "a ficção científica de hoje frequentemente é o fato científico de amanhã".

     

     

    VERNE E SANTOS DUMONT Essa conversa entre ficção científica e o fato científico comprovado por metodologias e experimentos, ocorre há bastante tempo. Em artigo do início do século XX ("Como me tornei um aeronauta e minha experiência com aeronaves") publicado na norte-americana McClure's Magazine, Alberto Santos Dumont (1873-1932) descreve sua paixão, desde a infância, por invenções e máquinas que a tecnologia da época era apta a produzir, como as locomotivas dos trens. Ele relata que sua vocação para criar máquinas voadoras foi apoiada nas obras de Júlio Verne (1828-1905), que deram asas à sua imaginação. O escritor francês já havia inspirado também outros ficcionistas de seu tempo, como o compatriota George Méliès (1861-1938), considerado o pai dos efeitos especiais, que produziu o primeiro filme de ficção científica, Viagem à lua (1902), baseado no livro Da terra à lua, de 1865. Ambas as obras surpreenderam a sociedade com algo inatingível àquela época, profetizando o que ocorreria somente em 1969 – o homem em solo lunar. Usando o conhecimento do século XIX (Verne tinha amigos cientistas e engenheiros, e lia vários jornais para familiarizar-se com os avanços científicos) aliado à sua fértil criatividade, o escritor conseguiu idealizar viagens tripuladas ao espaço, algo impensável na época.

    Vários outros presságios e constructos científicos antevistos a partir do cinema e da literatura de ficção podem ser ilustrados com obras. O próprio Júlio Verne em Robur, o conquistador (1886) previu um veículo voador em detalhes que se assemelhavam muito ao helicóptero, quando nem o avião existia. No livro Admirável mundo novo (Aldous Huxley, 1932) há várias ideias consideradas fantasiosas na data em que foi lançado, dentre as quais a geração de bebês em laboratório, o que viria a acontecer 46 anos depois, em 1978. E quem não enxerga semelhança entre a força mental com que personagens do filme Guerra nas estrelas (o primeiro filme data de 1977) movimentam objetos usando telepatia com os recentes experimentos do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, que faz braços robóticos se moverem à distância a partir de estímulos elétricos cerebrais?

    UMA QUESTÃO DE EDUCAÇÃO Mas não é só com previsões e especulações que a ciência se nutre da ficção científica. Pesquisas apontam que filmes dessa modalidade têm ajudado estudantes a entender melhor conceitos científicos. De acordo com Aguinaldo Robinson de Souza, professor do Departamento de Química da Unesp de Bauru, "o problema que se vê no processo de ensino nas escolas é que falta motivação para os alunos nas aulas de ciência". Para ele, o ambiente de diversão criado pelos filmes de ficção é desencadeador de curiosidades e, assim, os estudantes começam a elaborar questões e buscar respostas. "Os alunos sentem-se mais à vontade num ambiente lúdico", explica Aguinaldo, que também é orientador no Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência, um dos pioneiros no Brasil. Em um de seus trabalhos, usou como ferramenta de ensino o filme Parque dos dinossauros (Jurassic Park) que descreve como cientistas manipularam DNA de sangue contido no tubo digestivo de pernilongos (preservados por milhões de anos na seiva de uma árvore) para trazer dinossauros novamente à existência. Em sala de aula, pode-se perguntar "se é possível trazer um animal extinto à vida ou questionar se a lógica usada pelos cientistas do filme é correta,", completa o professor ao lembrar que o material genético de mamute (animal extinto há milhares de anos) já foi isolado e decifrado recentemente.

     

     

    FICÇÃO E DIVULGAÇÃO DA CIÊNCIA Nos Estados Unidos, a criação de obras de ficção é coisa séria. Tanto que na Universidade do Kansas criou-se o Centro para Estudos de Ficção Científica, que promove cursos intensivos de como escrever estórias ficcionais. O astrônomo e cientista Carl Sagan (1934-96), um dos maiores divulgadores científicos de todos os tempos, deixou um legado de registros científicos filmados e escritos, como a série Cosmos, do começo dos anos 1980, e Contato, publicado postumamente, em 1997.

    O modo fácil como explicava descobertas e fenômenos da astronomia, com recursos ficcionais, "certamente influenciou gerações na carreira científica", conta Wilson Roberto Pereira Júnior, integrante do grupo Ciência em Show e fã do programa O mundo de Beakman, que atraiu muitas crianças e adolescentes para a frente da televisão na década de 1980 por causa dos incríveis experimentos que esclareciam muitos fenômenos.

     

    Daniel Blasioli Dentillo