SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.67 número1 índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

    Links relacionados

    • En proceso de indezaciónCitado por Google
    • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

    Compartir


    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.67 no.1 São Paulo enero/mar. 2015

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602015000100011 

    ARTIGOS
    PSICANÁLISE E FILOSOFIA

     

    Em busca de uma noção de experiência

     

     

    Ines Loureiro

     

     

    Embora onipresente nos discursos psicológicos e psicanalíticos, o conceito de experiência tem sido relativamente pouco explicitado e discutido pela psicanálise. De fato, repensar o estatuto da experiência a partir da dimensão do inconsciente é um desafio considerável. Thompson (1) acredita que os pós-freudianos praticamente expurgaram a noção de experiência de suas respectivas teorias, tomando-a como uma evidência secundária - apesar de, como nos lembra, muitos psicanalistas incluírem o termo nos títulos de suas obras, a exemplo de Wilfred Bion (Learning from experience, 1962) e Thomas Ogden (The primitive edge of experience, 1989). Em que pese o exagero dessa tese, é possível afirmar que resta ainda muito a explorar no campo dos estudos psicanalíticos sobre a experiência; o ângulo privilegiado da prática clínica bem como os diversos modelos metapsicológicos atualmente disponíveis podem contribuir de modo significativo tanto para a reflexão sobre o estatuto da experiência como fenômeno, quanto para as discussões sobre a noção de experiência.

    O assunto é abordado com mais recorrência no âmbito da psicologia. Desde os primórdios da psicologia científica a investigação da experiência elementar do sujeito pelo método da introspecção experimental reside no centro dos interesses de Wundt e seus sucessores. Um rápido olhar para a recente produção brasileira nesta área identifica trabalhos importantes, entre os quais os de Marina Massimi e Miguel Mahfoud (2). Alocados no campo da história da psicologia, têm como intuito percorrer as definições de experiência que influenciaram a constituição dos saberes psicológicos, bem como questionar concepções reducionistas a partir da fenomenologia de Husserl, que repõe os laços entre experiência e pessoa.

    A psicanálise marca um ponto de inflexão na história das teorizações sobre a experiência. Afinal, a postulação freudiana do inconsciente coloca em questão o próprio sujeito da experiência tal como abordado, até então, pela tradição filosófica. Segundo Giorgio Agamben, a noção de inconsciente sinaliza o ápice da crise do conceito moderno de experiência, fundado sobre o sujeito cartesiano. "Como manifesta claramente a sua atribuição a uma terceira pessoa, a um es, a experiência inconsciente não é, de fato, uma experiência subjetiva, não é uma experiência do eu. Do ponto de vista kantiano, não se pode dizer nem ao menos uma experiência, pois falta aquela unidade sintética da consciência (a autoconsciência) que é o fundamento e a garantia de toda experiência. Todavia, a psicanálise mostra-nos precisamente que as experiências mais importantes são aquelas que não pertencem ao sujeito, mas a 'aquilo' (es)" (3).

    Vê-se que Agamben aponta a impessoalidade do id como indicativo de uma mudança no centro de gravidade do sujeito. Em sentido semelhante, Luís Claudio Figueiredo afirma que a psicanálise abalou a noção de experiência em virtude do radical descentramento do sujeito promovido por Freud: "O 'inconsciente' psicanalítico não veio absolutamente para ocupar um lugar central, para assumir uma posição de origem da história ou de fundamento da experiência (funcionando como um texto subliminar que organizasse dos bastidores os jogos da consciência), mas, ao contrário, para destituir a subjetividade de qualquer centro e de qualquer originariedade,problematizando em definitivo a própria noção de experiência" (4).

    Se a psicanálise desempenhou papel decisivo na crise das concepções sobre o sujeito e sobre a experiência, é certamente do diálogo com a filosofia que poderão surgir caminhos compatíveis com suas atuais preocupações teórico-práticas. Para além das noções de experiência eventualmente esboçadas e/ou "decalcáveis" de um dado autor ou modelo psicanalítico, parece-me interessante caminhar em direção a noções mais abrangentes; estas permitiriam, por um lado, avançar na reflexão teórica sobre o estatuto do sujeito, e, por outro, responder a interrogações ético-clínicas sobre a possibilidade de transformação das subjetividades empíricas. Antes de indicar sumariamente duas vertentes filosóficas nas quais a psicanálise pode buscar inspiração para repensar o estatuto da experiência, convém uma rápida incursão pela etimologia do termo.

    Sob o Signo do perigo: o termo "experiência"

    A ênfase nas dificuldades que cercam o estudo da noção de experiência é recorrente: inefável, "algo obscuramente alusivo e indefinível" (5), "de todas as palavras no vocabulário filosófico é a mais difícil de manejar" (6). Há mesmo quem sugira o abandono do uso filosófico do termo (7).

    O contexto em que vimos empregando a palavra há de ter sinalizado que estamos às voltas com o conceito de experiência (vivência, "forma de conhecimento abrangente, não organizado, ou de sabedoria, adquirido de maneira espontânea durante a vida; prática") (8), e não de experimento (experiência controlada ou dirigida, guiada e sustentada por uma hipótese) (9). Porém, as duas acepções se entrecruzam historicamente.

    Ao examinar o nascimento da ciência moderna, vários autores apontam que o experimento científico tem origem na tentativa de disciplinar e controlar a experiência espontânea: o experimento seria a experiência tornada método. No dizer de Agamben, "(...) a ciência moderna nasce de uma desconfiança sem precedentes em relação à experiência como era tradicionalmente entendida (Bacon define-a como uma 'selva' e um 'labirinto' nos quais se propõe a colocar ordem)" (10). Com o advento da ciência experimental e seu ideal de apropriação do mundo, a experiência passa a ser "(...) o modo pelo qual o mundo nos mostra sua face inteligível, a série de regularidades a partir das quais podemos conhecer a verdade das coisas e dominá-las. A partir daí, o conhecimento já não é um páthei máthos, uma aprendizagem na prova e pela prova, como toda a incerteza que isso implica, se não uma mathema, uma acumulação progressiva de verdades objetivas que, não obstante, permanecerão externas ao homem" (11).

    Tais conexões históricas entre experimento e experiência já indicam algo fundamental: a tentativa de eliminar as dimensões de incerteza e de risco etimologicamente inerentes à noção de experiência. Vejamos.

    Segundo Larrosa, o termo provém do latim experiri (provar). O radical periri é encontrado também em periculum (perigo); a raiz indo-europeia per indica travessia, percurso, passagem (e compõe, entre outras, a palavra peiratês, pirata); assim, comenta o autor, "o sujeito da experiência tem algo desse ser fascinante [pirata] que se expõe atravessando um espaço indeterminado e perigoso, pondose nele à prova e buscando nele sua oportunidade, sua ocasião" (12). Na sequência da citação, mais um aspecto sugestivo: "A palavra experiência tem o ex do exterior, do estrangeiro, do exílio, do estranho e também o ex de existência. A experiência é a passagem da existência, a passagem de um ser que não tem essência ou razão ou fundamento, mas que simplesmente ex-iste de uma forma sempre singular, finita, imanente, contingente. Em alemão, experiência é erfahrung, que contém o fahren de viajar. E do antigo alto-alemão fara também deriva gefahr, perigo, e gefährden, pôr em perigo. Tanto nas línguas germânicas quanto nas latinas, a palavra experiência contém inseparavelmente a dimensão de travessia e perigo" (13). Também a partir da análise etimológica, Zeferino Rocha destaca que o radical latino peri e seu correspondente grego peira remetem à ideia de obstáculo, dificuldade; presente também no verbo aperire (abrir), permite ao autor afirmar que "a palavra experiência quer dizer: 'vencer dificuldades', 'superar obstáculos', 'abrir novas perspectivas' (...)" (14).

    Note-se que evitamos adentrar na distinção, amplamente discutida por autores de língua alemã, entre ehrfarung (experiência) e erlebnis (vivência), o que estenderia demasiadamente nosso percurso. Prova, perigo, passagem, viagem... - as ressonâncias evocadas pelo termo nada têm de apaziguador ou estável. Assim, falar em "crise da experiência" é apenas pôr em relevo uma dimensão que lhe é constituinte...

    Dimensões da crise da experiência A relevância de se aprofundar os estudos sobre a noção de experiência decorre de dois aspectos de um problema crucial: a crise do sujeito contemporâneo. O primeiro aspecto, de caráter empírico e histórico, é trabalhado por autores que, na esteira inaugurada pelos escritos de Walter Benjamin e Theodor Adorno, enfatizam o empobrecimento experiencial característico dos tempos atuais, ao menos no mundo urbano ocidental. No dizer de Agamben, "[a experiência] não é mais algo que nos seja dado fazer", - "o homem moderno volta para casa à noitinha extenuado por uma mixórdia de eventos - divertidos ou maçantes, banais ou insólitos, agradáveis ou atrozes -, entretanto nenhum deles se tornou experiência" (15). Jorge Larrosa enumera alguns motivos que tornam a experiência cada vez mais rara: excesso de informação, de opinião, de trabalho e falta de tempo - velocidade, agitação e incapacidade para o silêncio são inimigos mortais da experiência (16). Eis dois bons exemplos da tradição crítica que diagnostica e lastima a crise da experiência concreta no mundo do século XX.

    A crise do sujeito pode ser desdobrada em um segundo aspecto, qual seja, sua dimensão teórica. É um desafio retomar, criticar e fazer avançar o conceito de experiência em um contexto marcado por uma verdadeira erosão na noção de sujeito (Jay), quando se assiste ao "(...) desaparecimento do tradicional sujeito que experiência em prol de um sujeito descentrado, reduzido a um 'efeito' de forças invisíveis, quer tais forças se manifestem sob aspecto de sociedade, linguagem ou o inconsciente" (17). Como vimos, a psicanálise contribuiu significativamente para tal erosão...

    Figueiredo sugere ser necessário repensar o conceito de experiência à luz das filosofias pósmetafísicas, aprofundando o processo de de-substancialização da subjetividade. Uma nova compreensão de experiência deve partir de uma crítica à concepção metafísica segundo a qual a experiência existe como algo "simples, fundante e elementar". Ao contrário, "(...) a 'experiência' 'elementar e básica' é da ordem da ficção; toda experiência é construída ou, melhor dizendo, toda experiência é em construção" (18). Note-se como estamos às voltas com uma perspectiva construcionista em tudo avessa à crença na evidência imediata da experiência, o que talvez seja um critério para a escolha dos interlocutores capazes de estabelecer uma interlocução frutífera com a psicanálise.

    Em suma, é um desafio pensar o estatuto da experiência em um cenário histórico-cultural que lhe é adverso e no contexto teórico no qual a concepção de sujeito encontra-se fortemente esvaziada da função ontológica, epistemológica e ética a ela atribuída na modernidade.

    Interlocuções possíveis para a psicanálise Vislumbramos ao menos dois caminhos interessantes - sem prejuízo de outros autores ou vertentes filosóficas: o pragmatismo norte-americano de John Dewey e o pós-estruturalismo de Michel Foucault. Tais vertentes figuram dentre as mais importantes das chamadas filosofias pós-metafísicas, que sustentam uma concepção não-substancializada e não-universalizante de sujeito. Além de realizar uma crítica das epistemologias realistas e suas pretensões fundacionistas, são correntes que acentuam fortemente a importância da ação e das práticas sociais como vetores de construção/transformação subjetiva. Além disso, possuem pontos significativos em comum - a ancestralidade nietzschiana, por exemplo, o que torna possível circular entre pragmatismo e pós-estruturalismo com alguma desenvoltura.

    Ambos seriam férteis interlocutores para a psicanálise na medida em que compartilham com ela aspectos centrais. No plano teórico, prescindem de uma noção forte de sujeito, entendido como substrato previamente constituído e suporte necessário da experiência. No plano das subjetividades empíricas, enfatizam o potencial mutativo da experiência nas várias dimensões que ela implica - como linguagem, corporeidade, temporalidade e intersubjetividade.

    Pois bem, a interlocução entre psicanálise e pragmatismo é um dos caminhos trilhados por Benilton Bezerra Jr. já há alguns anos, juntamente com Jurandir Freire Costa e outros colegas. Talvez seja o psicanalista que, no Brasil, mais tenha se dedicado ao estudo da noção pragmatista de experiência. Em ao menos três ensaios fundamentais (19), Bezerra efetua essa tematização a partir de uma visada psicanalítica, estabelece sua escolha preferencial por algumas abordagens pragmáticas (John Dewey e Richard Shusterman, por exemplo), dirige o foco da reflexão para as relações entre experiência/ corpo e experiência/linguagem, aproximando-se gradativamente da teoria winnicottiana.

    Apesar de se situar claramente no campo do pragmatismo, Bezerra assume explicitamente a existência de uma dimensão "não-verbal" ou "pré" ou "extralinguística" de importância decisiva para a constituição dos sentidos e da vida subjetiva. Segundo ele, a visão estereotipada que vê no pragmatismo uma filosofia racionalista, voluntarista e consciencialista, que exclui tudo o que não é linguagem (inclusive o corpo) é equivocada. O empenho na busca de uma noção de experiência que contemple as dimensões não-linguísticas tem uma explicação: Bezerra se apoia na prática clínica como terreno privilegiado de reflexão e realça seu caráter de projeto transformacional. E para "acionar o processo de transformação subjetiva" (20) é preciso lidar com experiências que não se deixam descrever.

    Não caberia aqui resumir os argumentos de Bezerra, construídos com extraordinária clareza, precisão e minúcia: seus ensaios são facilmente acessíveis e nenhuma paráfrase estaria à altura de sua prosa elegante. Para nosso intuito, bastava assinalar que interlocução psicanálise/pragmatismo em torno da noção de experiência já se encontra otimamente encaminhada.

    Referência central para os saberes psi brasileiros, a obra de Michel Foucault contém reflexões sobre a experiência que podem render muito ao pensamento psicanalítico. Segue-se uma breve indicação de alguns rumos por ele esboçados.

    "Uma experiência é algo de que se sai transformado" (M. Foucault) A fase dita estruturalista de Foucault parece-me de menor interesse para compreender a experiência em sua espessura vital e potencial mutativo. Ao percorrer as diversas acepções de experiência em Foucault, Fernando Nicolazzi afirma que o período dos anos 1960 é marcado pela ausência de um sujeito da experiência: "há, anterior a ele [sujeito] apenas um espaço no qual ele não passa de uma posição a ser assumida, localizada essa no interior de formações discursivas anônimas, destacadas das experiências subjetivas dos indivíduos, ainda que o próprio discurso seja visto como prática" (21).

    É apenas a partir da genealogia dos anos 1970 que Foucault passa a relacionar experiência e subjetividade. Como atesta Heliana Conde Rodrigues: "não há como negar que um maior destaque na experiência transformadora, incluindo os nexos que esta mantém com a vida-biografia e a construção da narrativa historiográfica, data do final dos anos 1970 e da década de 1980 - momento em que a produção foucaultiana tem por foco os modos de subjetivação, a ética, a governamentalidade" (22).

    Assim, voltemos nosso olhar para o chamado último Foucault. Formulações muito sugestivas podem ser encontradas nas entrevistas com Duccio Trombadori (1978) e Andre Scala e Gilles Barbedette (1984), que constam dos seus Ditos e escritos. Comecemos por esta última, em que Foucault emprega o termo experiência nada menos que 26 vezes e responde a uma pergunta fundamental: "O sujeito é, para o senhor, condição de possibilidade de uma experiência?" "De jeito nenhum. É a experiência que é a racionalização de um processo, ele mesmo provisório, que resulta em um sujeito ou, antes, em sujeitos. Chamarei subjetivação o processo pelo qual se obtém a constituição de um sujeito, mais exatamente, de uma subjetividade, que evidentemente é apenas uma das possibilidades dadas de organização de uma consciência de si" (23).

    Eis explicitada a ideia de que não é preciso tomar o sujeito como fundamento para pensar a experiência. Na entrevista com Trombadori, Foucault recusa a conexão com a fenomenologia exatamente por este vértice: não se trata de esclarecer a significação da experiência cotidiana para reencontrar o sujeito fundador. Na contramão do projeto fenomenológico, ele situa pensadores como Nietzsche, Bataille e Blanchot, para quem a experiência "tem por função arrancar o sujeito dele mesmo, de maneira que não seja mais ele mesmo ou que seja levado à sua anulação ou dissolução. É um empreendimento de dessubjetivação" (24).

    É assim que Foucault concebe alguns de seus livros - "como experiências diretas visando arrancar-me de mim mesmo, impedir-me de ser o mesmo". Esta é, aliás, uma das tônicas da entrevista: seus livros como experiências: "o livro me transforma e transforma o que eu pen-so. (...). Sou um experimentador nesse sentido que escrevo para mudar a mim mesmo e não mais pensar a mesma coisa que antes" (25).

    A obra é também uma experiência para aquele que lê; Foucault diz que a História da loucura, por exemplo, transformou as relações com a loucura, as instituições, o discurso psiquiátrico e, nessa medida, é um "livro que funciona como uma experiência, para quem o escreve e para quem o lê". Reconhece abertamente a experiência pessoal na origem de suas obras: "não há livro que eu tenha escrito sem, ao menos em parte, uma experiência direta, pessoal", enumerando sua relação com a loucura, a doença, a morte, a prisão e a sexualidade. No entanto, adverte que não se trata absolutamente de transpor a experiência pessoal em saber: "no livro, a relação com a experiência deve permitir uma transformação, uma metamorfose, que não seja simplesmente a minha, mas que possa ter um certo valor, um certo caráter acessível para os outros, que essa experiência possa ser feita pelos outros" (26).

    Aqui Foucault toca em um ponto importante que não chega a desenvolver, a saber, a dimensão coletiva da experiência: "Uma experiência é alguma coisa que se faz sozinho, mas que só se pode fazer plenamente na medida em que ela escapar à pura subjetividade e que outros possam, não digo exatamente retomá-la, mas ao menos cruzá-la e atravessá-la" (27).

    Muita coisa haveria ainda a explorar nessa entrevista e a aprofundar a partir dela; por ora, gostaria de destacar um último aspecto. Ao se referir à História da loucura, diz que para além das "constatações verdadeiras ou historicamente verificáveis", o importante é a experiência que o livro permite, experiência essa que não é verdadeira ou falsa. E acrescenta: "Uma experiência é sempre uma ficção; é algo que se fabrica para si mesmo, que não existe antes e que passará a existir depois" (28) - e segue falando sobre o jogo entre verdade e ficção, constatação e fabricação.

    Eis uma pequena "amostra" das estimulantes proposições foucaultianas. Resta ver o quanto seria possível avançar para além delas e do conjunto de suas inspiradas indicações sobre o caráter da experiência. Mas é o suficiente para divisarmos balizas importantes, com destaque para os polos da transformação (pensada no sentido de uma de-subjetivação), da dimensão coletiva e do estatuto de ficção/fabricação da experiência. Formulações como essas sugerem o quanto pode ser profícua uma conversa dos psicanalistas com Foucault acerca do - tão perigoso... - tema da experiência.

    Ines Loureiro é doutora em psicologia clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Docente do curso de Especialização em Teoria Psicanalítica (CogeaePUC-SP). Autora de O carvalho e o pinheiro - Freud e o estilo romântico (Escuta/ Fapesp, 2002).

     

    ReferênciaS Bibliográficas

    1. Thompson, M.G. "The crisis of experience in contemporary psychoanalysis". Contemporary Psychoanalysis, vol. 36, n. 1, January 2000.

    2. Massimi, M. & Mahfoud, M. "A pessoa como sujeito da experiência: um percurso na história dos saberes psicológicos". Memorandum 13, novembro/2007. Disponível em http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a13/massimimahfoud01.pdf. Mahfoud, M. & Massimi, M. "A pessoa como sujeito da experiência: contribuições da fenomenologia". Memorandum 14, abril/2008. Disponível em http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a14/mahfoudmassimi02.pdf

    3. Agamben, G. "Infância e história - ensaio sobre a destruição da experiência". In: Infância e história. Destruição da experiência e origem da história. Belo Horizonte: Editora da UFMG, p. 51, 2005. Grifos meus.

    4. Figueiredo, L.C.M. "O tempo na pesquisa dos processos de singularização". Psicologia Clínica PUC-RJ, vol. 14, n. 2, p. 25, 2002. Grifos meus.

    5. Shusterman, R. Vivendo a arte. O pensamento pragmatista e a estética popular. São Paulo: Editora 34, p. 98, 1998.

    6. Jay, M. Songs of experience. Modern American and European variations on a universal theme. Berkeley: University of California Press, p. 9, 2005.

    7. Scott, J. "The evidence of experience". Critical Inquiry 17, n. 4, 1991.

    8. Cf. Houaiss, A. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss/editora Objetiva, p. 1287, 2001.

    9. Cf. Abbagnano, N. Dicionário de Filosofia São Paulo: Martins Fontes, p. 414, 1998.

    10. Agamben, Op. Cit., p.25.

    11. Larrosa, J. "Literatura, experiência e formação: uma entrevista com Jorge Larrosa". In: M. V. Costa (org.): Caminhos investigativos - novos olhares na pesquisa em educação 2a. ed., Rio de Janeiro: DP&A, p. 142, 2002.

    12. Larrosa, J. "Experiência e paixão". In: Linguagem e educação depois de Babel. Belo Horizonte: Autêntica, p. 102, 2004.

    13. ibidem; cf. também Jay, 2005, p. 10-12.

    14. Rocha, Z. "A experiência psicanalítica: seus desafios e vicissitudes, hoje e amanhã". Ágora - estudos em teoria psicanalítica. Rio de janeiro, v. XI, n. 1, p. 102, jan/jun 2008.

    15. Agamben, Op. cit., p. 21 e 22.

    16. Larrosa, 2004, Op. cit., p. 157-9.

    17. Jay, apud Thompson, Op. cit., p. 43-44.

    18. Figueiredo, Op. Cit., p. 23 e 24.

    19. Bezerra Jr, B. "O lugar do corpo na experiência do sentido: uma perspectiva pragmática". In: Bezerra Jr, B. & Plastino, C.A. (orgs): Corpo, afeto e linguagem. A questão do sentido hoje. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001. "Winnicott e Merleau-Ponty: o continuum da experiência subjetiva". In: Bezerra Jr, B. e Ortega, F. (orgs): Winnicott e seus interlocutores. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2007. "A noção de experiência e sua importância para a clínica atual". In: Arruda, A.; Bezerra. Jr, B.; Tedesco, S. (org.): Pragmatismos, pragmáticas e produção de subjetividades. Rio de Janeiro: Faperj/Garamond, 2008.

    20. Bezerra, 2008, p. 222.

    21. Nicolazzi, F. "A narrativa da experiência em Foucault e Thompson". Anos 90, Porto Alegre, v. 11, n. 19/20, p. 104, jan/dez 2004.

    22. Rodrigues, H.B.C. "Para desencaminhar o presente psi: biografia, temporalidade e experiência em Michel Foucault". In: N. Guareschi e S. Hüning (org): Foucault e a psicologia. Porto Alegre: Abrapso Sul, p. 22-23, 2005.

    23. Foucault, M. "Le retour de la morale - entretien avec G. Barbedette et A. Scala" (1984). In: Dits et écrits II, 1976-1988. Paris : Gallimard, p. 1524-1525, 2001.

    24. Foucault, M. "Entretien avec Michel Foucault - avec D. Trombadori" (1978/1980). In: Dits et écrits II, 1976-1988. Paris : Gallimard, p. 862, 2001.

    25. Foucault, 1978/1980, p. 861.

    26. Foucault, idem, p. 864 e 865.

    27. Foucault, idem, p. 866.

    28. Foucault, idem, p. 864.