SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.67 issue2 author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

    Related links

    • On index processCited by Google
    • Have no similar articlesSimilars in SciELO

    Share


    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.67 no.2 São Paulo Apr./June 2015

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602015000200004 

    NOTÍCIAS DO BRASIL
    SAÚDE PÚBLICA

     

    70 anos de fluoretação da água de abastecimento público requer debate

     

     

    Simone Caixeta de Andrade

     

     

    Em 1945, Grand Rapids, no estado do Michigan, nos Estados Unidos, tornou-se a primeira cidade no mundo a receber água fluoretada artificialmente. A medida reduziu em 50% a incidência de cáries.

    Setenta anos depois, o programa de fluoretação encontra resistência, sobretudo em relação às quantidades adequadas que devem ser adicionadas e controladas para produzir os efeitos desejados.

    No Brasil, a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico de 2008, apontou que 60,6% dos municípios agregam flúor "em concentração adequada, à água destinada ao abastecimento público, com o objetivo de prevenir a cárie dental". Não existe, no entanto, um sistema de consulta público da concentração de flúor na água de abastecimento. Segundo dados da Sociedade Britânica de Fluoretação o Brasil é a segunda nação com maior cobertura de flúor na água, depois dos Estados Unidos.

     

     

    PROGRAMA DE FLUORETAÇÃO No Brasil, a cidade de Baixo Gandu (ES)foi a primeira a fluoretar a água em 1953, mas apenas em 1974 a fluoretação se tornaria obrigatória, através da Lei Federal nº6050, regulamentada por decreto um ano depois. A Portaria do Ministério da Saúde nº 635/BSB (1975) estabelece que, de acordo com as médias das temperaturas máximas diárias de cada localidade, variando entre 10ºC e 32,5ºC, a concentração de flúor deve variar entre 0,6 e 1,7 partes por milhão (ppm). Em 2011, a concentração máxima de flúor foi alterada para 1,5ppm, equivalente a 1,5 miligramas de flúor por litro de água, através da Portaria nº 2.914 do Ministério da Saúde. Na América do Sul e na Europa, a maioria dos países que possui fluoretação da água, permite no máximo 1,5ppm de flúor, enquanto nos Estados Unidos, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos recomendou em 2011, a concentração de 0,7ppm.

    EFEITOS DO EXCESSO Claudio Miyake, presidente do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (Crosp), em entrevista para o site do conselho (23/01/2015), explica que "a correta quantidade de flúor aplicada na água combate a formação de cáries. Teores de flúor baixos não reduzem cáries. Teores altos, por sua vez, são igualmente prejudiciais, podendo levar à fluorose, prejudicando a formação dentária". A fluorose é visível no esmalte dos dentes sob a forma de manchas brancas e em casos mais severos, manchas castanhas. Jaime Aparecido Cury, professor titular de bioquímica da Faculdade de Odontologia de Piracicaba, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), esclarece que "a cárie não é provocada pela falta do flúor, mas o flúor é o único agente ou substância conhecida que é capaz de controlar a progressão das lesões da doença".

    Os últimos dados disponíveis sobre os índices de cárie, apresentados pelo Ministério da Saúde, indicam uma melhora no percentual de crianças com 12 anos sem incidência de cárie, de 31% em 2003 para 44% em 2010. Estão em condição desfavorável as crianças que vivem em famílias de menor renda, fato que coincide com a dificuldade de acesso ao sistema de tratamento de água. A média de dentes cariados nessa faixa etária foi 49% superior em pacientes sem acesso à água fluoretada.

    CONTROVÉRSIA No Brasil, o Projeto de Lei (6359/2013) de autoria do deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT) aguarda parecer do relator na Comissão de Seguridade Social e Família e quer revogar o uso de flúor na água de abastecimento público.

    No texto do projeto, Bezerra argumenta que a fluoretação da água de abastecimento público é "economicamente injustificável, pois apenas uma pequena parcela dela é ingerida" e defende que o flúor tem mais benefícios quando usado topicamente.

    De acordo com a Fluoride Action Network, uma organização internacional que se opõe à fluoretação, há três razões para suspender a adição de flúor à água de consumo: o flúor é uma medicação; sua ação é tópica e não sistêmica; e sua adição seria responsável pela fluorose dentária, alterações nos ossos, cartilagens e cérebro. Vários estudos longitudinais, porém, ainda não conseguiram chegar a uma conclusão definitiva sobre os efeitos adversos, e mesmo aqueles que encontram uma possível associação sugerem novas pesquisas para confirmar os dados. Atualmente, grande parte da população brasileira tem acesso ao flúor não somente via água de consumo, mas através de cremes dentais e alimentos. Porém, a múltipla exposição às concentrações variadas de flúor não alterou o status de cronicidade da cárie.

    CONTROLE Um estudo investigou a concentração de flúor em 40 cidades paulistas, com fluoretação natural ou artificial. A pesquisa publicada no Journal of Applied Oral Sciences(vol.21, no.1, 2013), determinou que apenas 51,5% das cidades avaliadas possuem concentração adequada de flúor. Os resultados parciais, divulgados em janeiro deste ano no site do Crosp, indicam que uma em cada quatro amostras apresenta teor inadequado de flúor na água.

    Essas falhas podem começar a ser corrigidas através do projeto multicêntrico Vigiflúor, que está coletando dados sistemáticos sobre a fluoretação em municípios de médio e grande porte demográfico em todo o país. Os dados gerados pelo projeto terão acesso público.

    Todos esses projetos em diversas fases de desenvolvimento desenharão um mapa mais preciso da condição de fluoretação da água de consumo no Brasil.