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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.69 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2017

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000400011 

    ARTIGOS
    CIÊNCIA E AGRICULTURA

     

    Agronomia: vicissitudes de ser ciência

     

     

    Amílcar Baiardi

    Professor da Universidade Católica do Salvador e professor titular aposentado da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, engenheiro agrônomo e doutor em ciências humanas pela Universidade Estadual de Campinas. E-mail: amilcar.baiardi@ucsal.br

     

     

    DESDE QUANDO EXISTE CONHECIMENTO CIENTÍFICO?

    O debate sobre ser ou não ser ciência é tratado há muito pelos historiadores da ciência, os quais se dividem entre aqueles que defendem a continuidade em relação à filosofia e ao conhecimento antigo e aqueles que veem uma ruptura na construção do edifício do saber e definem um período da história como sendo o da revolução científica, no qual teria nascido a ciência, nitidamente marcada pelo método de Galileu Galilei (1564 - 1642).

    Por mais que se deva reconhecer os avanços científicos que têm início no século XVII, entre eles as contribuições de Francis Bacon, Nicolaus Copérnico, Johannes Kepler, Isaac Newton e Galileu, não é justo abstrair o conhecimento grego-helênico e helenístico e o que o precedeu, com os filósofos da envergadura de Tales, Aristóteles, Epicuro, Pitágoras, Arquimedes, Euclides, entre outros. Tampouco se deve negligenciar eventos que ocorreram na bacia do Mediterrâneo e entornos, em cidades e localidades como Atenas, Mileto, Alexandria, Suméria, Crotão e Siracusa. Pensar que os sumérios já concebiam o sistema solar e o heliocentrismo há cerca de 2000 a. C. e datar o início do conhecimento astronômico com Copérnico, como faz Thomas Kuhn [1], é discutível.

    Não há também como não registrar o que se passava nos mosteiros medievais espalhados pela Europa Ocidental. Nesses ambientes, pensadores como Robert Grosseteste, Beda, Roger Bacon, Alberto Magno, John Duns Scot, Nicole d' Oresme e Guilherme de Ockam já haviam reiterado suas crenças na experiência, afastando-se do entendimento de Platão de que os sentidos jamais forneceriam um conhecimento genuíno porque a experiência estaria em constante mudança. No limite, ela poderia oferecer uma doxa, uma opinião, mas nunca uma episteme, dizia Platão. Durante a Idade Média, a vida intelectual sobreviveu sob a proteção da Igreja Católica, monoteísta, com princípios de início e fim e fiel a dogmas que restringiam a divulgação, por quaisquer meios, de conhecimentos que conflitassem com as Sagradas Escrituras. Diferentemente do politeísmo grego, que legitimava o conhecimento sobre a natureza, a Igreja Católica era dogmática, intolerante e, no limite, ignorava as possíveis heresias decorrentes das contribuições científicas ocorridas na sua área de influência.

    Os filósofos citados acima, religiosos que incursionavam na observação da natureza e na experimentação, demonstraram coragem e sabedoria ímpares para entender que chegara o momento no qual deveriam seguir o exemplo de Aristóteles. Passaram então a buscar o porquê das coisas da natureza (physis) e da vida, não mais em dimensões transcendentes, externas à própria realidade física - fossem elas mítica, mágica ou religiosa -, mas por meio de uma explicação externa e distante da coisa em si. Era o momento de se tentar explicar o porquê no interior da realidade do mundo físico, por meio de um caminho, um método, que viria a ser o método científico.

    No elenco de teólogos e filósofos medievais, coube a John Duns Scotus (1266 - 1308), um dos mais importantes intelectuais da Idade Média, afirmar que "...as verdades da fé não poderiam ser compreendidas pela razão". A filosofia, assim, deveria adquirir autonomia e deixar de ser uma serva da teologia, como vinha ocorrendo ao longo de todo o período [2].

    Todas essas preliminares valem para os vários ramos do conhecimento científico, nele incluindo o conhecimento agronômico, cuja gênese é bem recuada no tempo, já nascendo como conhecimento aplicado. A historiografia e a antropologia informam que os sumérios, que habitaram a Mesopotâmia, destacaram-se na arte de cultivar plantas em sistemas de irrigação, com água aduzida de canais, e na arte de domesticar animais, sobretudo ovinos e bovinos. O esplendor da civilização sumeriana, que se destacava no conhecimento cosmológico e sobre outros ramos da ciência, se dá em torno de 3000 a.C. Contudo, segundo Giordani [3], não foram encontrados, nas cidades da Suméria, escritos com preceitos agronômicos e autoria identificada. O código de Hamurabi, uma compilação supostamente feita pelo rei com mesmo nome, contém apenas elementos que permitem intuir as formas de gestão e o estado da arte da produção vegetal e animal.

     

    A AGRONOMIA NASCE BASEADA EM EVIDÊNCIAS E NÃO EM CRENÇAS

    Já no século III a.C. é possível encontrar preceitos agronômicos escritos e com autoria definida. A historiografia, contudo, não é categórica sobre quem foi pioneiro no falar documentado ou no escrever sobre a agronomia. Há duas hipóteses: a primeira, de que seria o filósofo grego Sócrates (469 a.C. - 399 a.C.), na obra Oeconomicon de Senofonte, no conhecido diálogo com Iscimaco. A segunda, que teria sido Mago (ou Magão) de Cartago, em seu tratado de agronomia, referido por Plínio, o Velho (23 - 79 d.C.), em seu livro Naturalis Historia. Ambas são de difícil comprovação porque Sócrates e Mago foram contemporâneos e também porque não existe exatidão nas referências aos mesmos [4]. Em favor de Mago há uma recente obra que reconstrói e amplia a historiografia das guerras púnicas (264 a.C e 146 a.C.), de autoria de Adrian Goldsworthy [5], que escreve:

    "O comércio não era a única fonte de prosperidade da cidade. É importante não esquecer que a riqueza de Cartago derivava também de uma base agrícola extremamente organizada e eficiente. O manual sobre a agricultura escrito por um nobre cartaginês de nome Magão, provavelmente em finais do século IV a.C., viria a exercer uma enorme influência sobre o resto do mundo depois de traduzido para o grego e latim posteriormente a 146 a.C." (p. 32)

    Com tal recuo no tempo, e aceitando o ponto de vista dos historiadores da ciência que defendem a continuidade da ciência contemporânea em relação à filosofia e ao conhecimento antigo, entende-se como possível que a agronomia tenha surgido como uma arte decorrente de conhecimento sistematizado que nasce comprometido com o equilíbrio com a natureza, mantendo-se assim até que problemas externos a esse relacionamento imponham a adoção de outros paradigmas. O conceito que mudou o curso do conhecimento agronômico é aquele que Karl Marx denominou de segunda revolução agrícola, influenciado intensamente pelas pesquisas de Justus Von Liebig [6].

    Mazoyer e Roudartem [7], em obra sobre a história da agricultura, admitem que os sistemas agrícolas nascem e se difundem como um processo evolutivo que se constituiu na memória e na cultura das populações envolvidas. Segundo os autores, os sistemas não resultam de observações sistemáticas e de experiências, sendo produto de conhecimento tácito sobre como produzir:

    "Como escreveu J. R. Harlan (1972), 'a agricultura nunca foi descoberta ou inventada'. No estado atual dos conhecimentos, ela aparece como o resultado de um longo processo de evolução que afetou muitas sociedades de Homo sapiens no fim da pré-história, na época neolítica. As sociedades de predadores que se transformaram em sociedades de agricultores estavam dentre as mais avançadas da época. Elas dispunham de instrumentos sofisticados de pedra, exploravam os recursos vegetais bastante abundantes para lhes permitir viver de forma sedentária agrupadas em vilarejos, praticando, sem dúvida, o culto a seus ancestrais" (p. 126)

    Destarte, faz todo sentido propor que esse processo evolutivo não tenha sido uniforme, ou seja, não se deu igualmente em todos os centros de irradiação de sistemas agrícolas propostos por Mazoyer e Roudart [7]. Além disso, há que se reconhecer que no mundo grego-helênico, e posteriormente helenístico, implantado em boa parte da bacia do Mediterrâneo, a expansão dos sistemas agrícolas se deu acompanhada de intervenções racionais que já encontravam amparo em conhecimento agronômico obtido de observação sistemática e de intervenções conduzidas em bases empíricas, com tentativas e erro.

    Nessa fase da gênese do pensamento agronômico, era imanente à conduta dos filósofos naturalistas conceber práticas que fossem absolutamente harmônicas com o ritmo e com os ciclos da natureza. A totalidade dos agrônomos do período clássico, gregos e romanos, e por extensão também os cartagineses, não só do norte da África, mas de suas colônias na Hispânia, se pautavam por essa conduta, o que tem registro nas obras de Demócrito, Crateuas, Chartrodas, Clidemo, Epicarmo e Teofrasto, durante a fase grego-clássica, e por Catão, Varrão, Lucrécio, Columella e Plínio, na fase romana.

    Os agrônomos da antiguidade clássica visavam o aprimoramento do conhecimento aplicado, pois, além de suas convicções em relação à gestão mais eficiente que levasse a uma maior produtividade, já eram constatados problemas que comprometiam a oferta de alimentos, entre eles os decorrentes do mau uso do solo ou a ausência de tratos culturais recomendados. Não obstante o fato de que a maioria dos filósofos naturalistas, que se dedicava a pensar a agronomia, o fizesse mais por compromisso com o saber que por profissão de agricultor - não se expondo dessa forma às consequências no caso de seus aconselhamentos ou preceitos não fossem eficazes -, eram criteriosos e compromissados com o progresso e o bem-estar. Nada tinham de diletantes. Ademais de repetidas observações, baseavam-se na leitura dos mais antigos, faziam registros sistemáticos e, em alguns casos, estavam também atentos às teorias ou princípios que começavam a irradiar dos "centros de pesquisa" da época.

    Essa foi uma conduta comum durante o período helenístico tardio, que se situa, grosso modo, entre 200 anos a.C. e o início da era cristã. Nesses mais de dois séculos, a Escola de Alexandria funcionava como centro cultural irradiador de saberes e de métodos de como obtê-los. Epicuro, em Atenas, se destacava em sua escola, denominada Jardim, pelas lições epistemológicas, valorizadoras da percepção e contrárias aos ensinamentos da Academia de Platão, que já não atraía pensadores por ser excessivamente teórica. Em sua obra De rerum natura (século I a.C.), Lucrécio transcreve a afirmação de Epicuro: "[...] que nenhum juízo deveria contradizer os sentidos", contida em sua teoria do conhecimento denominada canônica, na qual ressalta a importância da experiência para refutar ou confirmar as impressões obtidas pelo pensamento [6, 8]. As obras dos agrônomos daquele período inseriam-se nessas referências epistemológicas, adotando um amplo paradigma que pode ser definido como o momento epistemológico hegemônico da Escola de Alexandria. As concepções metodológicas dominantes nesse ambiente acadêmico, não obstante referenciadas pelas contribuições de Platão, Aristóteles, Euclides, Arquimedes, Erastótenes, Aristarco, Ptlomeu etc., recebiam influência mais marcante de Epicuro e sua referida teoria canônica, que tinha na percepção sensorial a pedra angular da verdade. Em certo sentido, somente uma visão de mundo diferente daquela professada na idade clássica da filosofia grega poderia amparar os avanços técnico-científicos que viriam acontecer na agronomia da antiguidade [9].

    Nesse paradigma de investigação visando o conhecimento útil, a "arte agronômica" resultaria das inúmeras noções adquiridas e melhoradas por meio de tentativa e erro, produzindo conclusões generalizantes acerca de classes de objetos semelhantes. Uma prática ou procedimento bem-sucedido em vários casos em uma determinada lavoura sugeriria a consagração da mesma, dando ensejo a que fosse considerado um preceito. Vários preceitos constituiriam uma arte.

    Uma interpretação possível e amparada na historiografia científica seria que a agronomia se alinha, desde o seu nascimento, ao que havia de mais avançado na busca do conhecimento. Ademais, estabelece continuidade com a trajetória científica que alcança o século XVII, sempre em harmonia com a natureza, respeitando seus ciclos e favorecendo a resiliência dos recursos naturais renováveis. O conhecimento gerado na agronomia da antiguidade foi de utilidade até meados do século XIX, quando o método científico pós-revolução científica se aprimorou e se impôs.

     

    DA AGRONOMIA CLÁSSICA PARA AS AGRONOMIAS MODERNAS E CONTEMPORÂNEAS: AS METAMORFOSES INDUZIDAS E TRAJETÓRIA CIENTÍFICA

    Não somente a agronomia, mas também conhecimentos aplicados nas engenharias, na medicina e em outros campos do saber, beneficiaram-se de certas contribuições que resultaram de observações e experimentações na antiguidade. Ultrapassado o período mais difícil para a prática científica no Ocidente, da queda do Império Romano até o Renascimento, os filósofos da natureza que pesquisavam a agronomia começam a se beneficiar de uma série de avanços que ocorriam na biologia, na química, na geologia, na física e na mecânica, em decorrência da utilização de método que se consagrou pós-revolução científica. Esse método trazia um novo tipo de racionalidade filosófico/científica e se apresentava como alternativa às formas de racionalidade anteriores, consideradas mais "teológicas", visto recorrerem a elementos explicativos transcendentes. O novo método para a ciência, ainda que incorporando elementos da epistemologia canônica, avançou em muitos aspectos a ponto de ser considerado delimitador do que seria verdadeiramente ciência.

    Diante das numerosas definições do que seja ciência, as quais podem variar ao longo da história, no espaço geográfico e dependendo de culturas, o próprio mundo da ciência, os filósofos da natureza e posteriormente os cientistas, propuseram que mereceriam ser denominadas científicas aquelas atividades às quais, mutatis mutandis, fossem aplicados os mesmos métodos de observação e inferência utilizados para o conhecimento de fenômenos naturais e sociais.

    Essa proposição, entretanto, não foi pacífica e nem eliminou dúvidas. Quais seriam esses métodos? Desde a etapa de abordagem do objeto, passou-se a enfrentar problemas conceituais em relação ao grau, à qualidade e à subjetividade do observador e à conexão entre a percepção e a observação. Da mesma maneira, na fase de coleta de dados, organização e inferência, passou-se a enfrentar dificuldades de generalização do uso da lógica matemática e da razão e de estabelecer uma estrutura geral de relacionamento de todas as variáveis envolvidas. O consenso ou quase consenso entre os que defendiam o método como demarcador da ciência não veio facilmente.

    Os sinais inequívocos de cientificidade foram se afirmando e consolidando a partir das contribuições de Francis Bacon relativas ao exercício da objetividade, expressa na ausência de preconceitos e na purificação dos dados, seguidas das de Galileu, que em ações sucessivas retirou dos racionalistas o privilégio do uso da matemática. Este foi além da matematização da filosofia natural, praticada por Copérnico e Isaque Newton, e fundou o experimentalismo, ou seja, a fusão dos recursos da matemática com o experimento, tudo isso potencializado pelo uso da instrumentação científica, permitindo, segundo o próprio Galileu "...perceber que a matéria apresenta apenas determinações quantitativas e espaço-temporais" [10, 11, 12].

    Nascia então, com Galileu, o método da ciência moderna, que permitiu sucessivos avanços do conhecimento científico a partir do século XVIII. O mesmo foi aperfeiçoado epistemologicamente, ao longo dos anos, em decorrência do empenho em buscar maior afastamento da doxa na produção do conhecimento e também permitir maior validação dos resultados. Os aperfeiçoamentos epistemológicos tornaram contemporâneo o método científico, assim como os avanços nos recursos instrumentais deram ao mesmo maior potencial, resolução e velocidade na obtenção das evidências.

    Como exemplo desse aperfeiçoamento no campo da saúde, na avaliação de fármacos, por exemplo, tem-se a introdução do método da dupla ocultação, duplo cego, que reduziria o sugestionamento dos pacientes e a subjetividade dos terapeutas. No campo das ciências agrárias, procedimento equivalente foi a introdução da parcela-testemunha, ou o tratamento diferente das demais parcelas. O método também se aprimorou no próprio delineamento do experimento, na etapa anterior à análise, que com recursos da estatística tornaria a escolha dos objetos mais representativa e, se conveniente, aleatória. O avanço prosseguiu com os progressos da modelagem e da simulação, que trouxeram expressiva economia de recursos.

    Nas últimas décadas, sobretudo com os avanços na física quântica, abriu-se a possibilidade de questionamentos do experimentalismo, considerado demasiadamente positivista e ingênuo no que tange à objetividade e às certezas. A crítica também salientava que as antecipações no método, desde que controladas, não se constituíam ameaça ao mesmo. A crítica ao experimentalismo, ou ao empirismo caricaturado, exagerado, apontava que tão importante quanto obter fatos experimentais é, no limite, testar a sua veracidade, pois uma só prova contrária aos fatos seria suficiente para desconstruir teorias provisórias. Estas críticas provenientes de um expoente do racionalismo crítico, Karl Popper [13], foram em geral aceitas por pesquisadores, que incorporaram em seus protocolos repetições e ampliações das evidências experimentais nos testes conjuntos das teorias provisórias obtidas pelo sujeito pesquisador e de outras alternativas, tudo visando manter assimetria entre a verificabilidade e a falseabilidade. As contribuições de Popper [13] foram mais longe ao atenuar a pseudo rivalidade entre o empirismo e o racionalismo, ao afirmar a impossibilidade de começar qualquer observação sem uma antecipação, uma teoria prévia, e ao definir com clareza o escopo da ciência. No campo científico, entra-se no século XXI com mais incertezas que nos séculos anteriores, mas com menores chance de errar. Se isso vale para as ciências em geral, vale também para as ciências agrárias.

     

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    As teorias, os paradigmas compartilhados, os recursos humanos disponíveis e em formação, as bibliotecas, a infraestrutura de pesquisa, o conhecimento tácito, os resultados obtidos em termos de difusão do conhecimento e impactos gerados, entre outros indicadores, mostram que a agronomia contemporânea é uma ciência aplicada que, no caso do Brasil, cumpriu seu papel de garantir segurança alimentar para o abastecimento interno e gerar excedentes exportáveis que estão alavancando toda a economia. Um olhar sobre os principais centros de pesquisa em ciências agrárias - nas universidades, na administração pública e no setor privado - revela a sua inequívoca competência. Alguns deles estão bem ranqueados internacionalmente, como a Esalq-USP (Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" da Universidade de São Paulo), 5º lugar em 2016 no ranking produzido pela editora U.S. News and World Report,  que classificou as melhores faculdades do mundo em ciências agrárias.

    Seus pesquisadores buscam incessantemente sistemas produtivos menos desorganizadores da natureza, mediante uma visão multidisciplinar, amparada em conhecimentos científicos atuais, entre eles a modificação genética, que propicia cultivares menos dependentes de insumos químicos, e o desenvolvimento em escala industrial de biocidas, inseticidas e fungicidas biológicos. A verdadeira ciência agrária persegue com determinação novos caminhos produtivos que possam alcançar "mais com menos", ou seja, maior produção de alimentos e matérias-primas de origem agropecuária, com qualidade, com menor utilização de terra, água, nutrientes, energia, trabalho e capital. É o compromisso de gênese com a preservação da natureza, que nunca foi negligenciado. Na medida em que ocorram novos avanços em modificações genéticas e mudanças populacionais e/ou de consumo de alimentos e de combustíveis, que impliquem em redução da demanda de alimentos e matérias-primas, e que novos estudos sobre a produtividade total dos fatores (PTF) se tornem disponíveis, as ciências agrárias acelerarão o ritmo de concepção de sistemas produtivos mais fechados, com menor entropia, e mais sustentáveis.

    E a agroecologia? Que dizer de uma suposta área de conhecimento que abstrai problemas como abastecimento da população e obtenção de saldos de alimento exportáveis? Que define entre seus objetivos interferir na correlação de forças de uma luta de classe imaginária entre o Leviatã mal-intencionado, que seria o agronegócio, e um "campesinato", que só adquire expressão numérica e social em hipóteses jamais testadas? Que defende uma paridade em parcerias de pesquisa entre homens de ciência e habitantes do meio rural, demonstrando incapacidade de perceber os limites e a importância do senso comum para a pesquisa científica? Que se recusa a proceder qualquer avaliação econômica de seus sistemas à luz do mercado e considerando os custos de oportunidade? Que refuta a ideia de apresentar critérios de validação de suas "pesquisas", descrevendo o método e os limites de aproximação que permitam julgar o significado?

    Essas condutas retiram da agroecologia qualquer valor universal e toda a possibilidade de se apresentar claramente como ciência, pelo menos pelos critérios globalmente aceitos do que seja ciência. Não obstante a agroecologia pretender se definir como um enfoque científico destinado a apoiar a transição dos atuais modelos de desenvolvimento rural e de agricultura convencionais para estilos de desenvolvimento rural e de agriculturas sustentáveis, que se proponha a proceder reflexões teóricas para conformar um corpus teórico e metodológico a subsidiar essa transição e até estabeleça etapas ou níveis de transição que poderiam parecer lógicos e sensatos, na prática se conduz de forma confusa, uma vez que dá peso desproporcional à atuação dos agentes sociais e econômicos nessa transição, visto que os mesmos deveriam internalizar crenças inabaláveis nas possibilidades da agroecologia sem questionar os princípios da mesma. Inobstante as boas intenções em relação à biodiversidade, ao aquecimento global etc., a agroecologia está mais próxima de uma seita que de uma ciência. Neste sentido, em relação a ela, deve-se ser tolerante visto que jardins e hortas, como sistemas mais fechados, autossuficientes, tipo o "sistema mandala", podem ser aceitos como experiências estéticas, mas de impacto econômico extremamente limitado, e vistos como utopia, da mesma forma que Francis Bacon [14] descreveu e desenhou na "Nova Atlântida", provável fonte de inspiração da agroecologia. Contudo, o que não deve ser acolhido é o pleito da agroecologia ser aceita como ciência e nem tolerado o apoio do Estado a essas fantasiosas experiências de ajudar a agricultura brasileira, sobretudo os produtores rurais mais pobres.

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Kuhn, T. S. A revolução copernicana. Lisboa: Edições 70, 1990.

    2. Santos, A. V.; Baiardi, A.; Baiardi, D. Uma breve história da ciência, a aventura do conhecimento científico ao longo dos séculos. Salvador: Assembleia Legislativa; Academia de Ciências da Bahia, 2016.

    3. Giordani, M. C. História da antiguidade oriental. Petrópolis: Editoras Vozes, 1969.

    4. Baiardi, A. "A agronomia brasileira visita a terra dos duendes" comentário ao artigo do pesquisador Zander Navarro. Colóquio (Taquara), v. 10, p. 201-208, 2013.

    5. Goldsworthy, A. A queda de Cartago, as guerras púnicas 265-146 a. C.. Edições 70, 2009.

    6. Foster, J. B. A ecologia de Marx, materialismo e natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

    7. Mazoyer, M.; Roudart, L. História das agriculturas no mundo, do neolítico à crise contemporânea. Brasília: Editora Unesp; Nead/Mapa. 2009.

    8. Kunzmann, P.; Burkhard, F. P.; Wiedmann, F. Atlante di filosofia. Milano: Sperling & Kupfer Editori, 1993.

    9. Baiardi, A. "Evolução das ciências agrárias nos momentos epistemológicos da civilização ocidental". In: Martins, A. R. A.; Pereira, L. A.; Silva, C. C.; Ferreira, J. M. H. (orgs.). Filosofia e história da ciência do Cone Sul. 2ªed.Campinas: Associação de Filosofia e História da Ciência, AFHIC, 2008, v. 1, p. 22-28.

    10. Hessen, J. Teoria do conhecimento. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

    11. Henry, J. A revolução científica e as origens da ciência moderna. Rio de janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

    12. Palmarini, M. P. "Antecipação". In: Enciclopédia Einaudi. Método - teoria/modelo. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, V. 21, 1992, p. 11-38.

    13. Popper, K. R. Los copo dela scienza. Roma: Armando Editore, 2000.

    14. Bacon, F. Novum Organum, ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza, Nova Atlântida. São Paulo: Abril Cultural, 1997.